quarta-feira, 28 de setembro de 2011

no Raso


 

  1. o corpo se guarda desde antes para o que só sente. "então podem assim manifestar os bichos", pensará depois, enquanto respira chão. o primeiro vento após deixar o avião arranha os olhos e o que aspira rasga as narinas, parece pó. basta pisar o planalto central para ser absorvida. ela e a seca uma coisa só. uma náusea sem fundamento a toma, a boca se rasga, um branco vindo do sol cavalga em fúria e fura os olhos e atravessa o cérebro feito navalha de lampião. dela, toda razão vaza, transmuta-se sussuarana, assume o inóspito, o ermo sem par. prepara-se para a topografia de onde veio e a que se destina. não é um deserto o que busca, mas um encontro com um outro que se abeira com pele de espinho e lábios de urtiga. esse outro, a quem ela se confia em segredo, longe do mundo, firma barreira para reter seu poço. ele a tem como uma invasora que lhe tenta beber na fonte. mas ele não eh nascente. mandacaru. rabo de raposa. cipó enleirante. palmatória acicular. eis o que é. a mulher cruzou léguas para em caatinga adentrar. “essa terra é seca, mas tem dono e quem eh você para pisar!”. ele dita manso, enquanto a amarra e deixa saltar micro grãos da boca de água. “ele guarda tesouros”, ela pensa, enquanto se deixa amarrar, pois a sede que vem desde antes, que traz cravada no osso, agora espera se desfazer nesse leito de rio. há também de haver copa de árvore em seus braços, onde ele depois a deixe respirar, bolida por brisas. mas a noite avança e ele se mantém sorrateiro, espiando a presa de longe, para que não se solte. o que houve ali foi desnorteio, nadar trechos e trechos de fundos, atrapalhação de rumos, vestígios de estradas largas, abertas a facão. cheiro de suor anuncia que ali ainda existe vida. quando o céu já faz brotar novo dia, a fadiga vence a batalha, o homem se esquece de lutar e dorme. com ele, também todo o resto silencia, só a mulher faz vigília, sentada ao seu lado, buscando entendimento. por que os homens guerreiam? o cansaço a faz pressentir o perigo. então ela se enganou. há de ter pegado atalho errado, há de ter se embocado no Raso. paragem de fogo. abrigo do oco. há algo ali de assombro e casa. ele a liberta, desde que se vá morrer no longe, num desvão de serra, numa solapa de pedra. que o demônio que tentou riobaldo a acompanhe! nem um gole de água, nem um mergulho no rio, nem uma brisa de verde, nem nada. ele se apossa dos panos finos agora em tiras, antes abrigo da nudez da mulher e lança seus óculos pra longe na estrada, para que se perca na incerteza do breu. a expulsa para além da cerca. e ela segue seu rumo como um sertão, rastejador, condutora de bandos, olfato de raros, onde razão não entra, só odor. face tostada de sol, olhos chispados de luas, pele cravada de espinhos, inabalável couro de tatu. se enrola dentro de si e enquanto descança, toma uma ladeira qualquer. deixa o corpo seguir seu dom de terra no mundo.



terça-feira, 20 de setembro de 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

clipe do curta "O cheiro do mundo"





Uma madrugada será o tempo e uma festa o espaço para o reencontro de Saiene e Ciro, separados há alguns meses, mas ainda cúmplices de um amor crepúsculo. O reencontro será marcado por uma densa paisagem de imagens e palavras, em busca do entendimento definitivo, antes que amanheça.

Produção, Roteiro, Direção e Montagem: Fabiana Leite

Direção de Elenco: Neise Neves

Direção de Fotografia: George Neri

Produção, Som direto, Assistente de Direção e Finalização: Matheus Augusto

Assistente de fotografia e still: Moacir Gaspar

Direção de Arte e Continuidade: Eleni Kouklanakis e Paula Jardim

Platô: Jonas Filho

Trilha Sonora: Banda Iconili

Elenco principal: Ana Régis, Glicério Rosário, Alessandro Aued e Jéssica Azevedo

Elenco de apoio: Anair Patrícia, Daniela Rosa, Eleni Kouklanacis, Filipe Galgani, Gabriela Fragoso, Hugo Araújo, Jonas Filho, Juliene Lellis, Luciana Castro, Marielle Brasil, Paula Jardim, Tamira Gomes, Yany Nunes

Agradecimentos especiais: Filipe Galgani e Paula Jardim

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

por isso não. se meta



pó. ornamento. 
dispositivo nenhum de nada. 
é 3 da tarde e a cabeça dói 
do conhaque de ontem
enquanto o mundo guerreia 
e trabalha. 

vaga 
bunda
torta de anja
caída num beco. 
asas do desejo.
hormônio. 

só os homens sacam, 
só os homens sabem 
- e os homens não são mulheres!,
o peso do que carregam nas pernas. 

os homens não são mulheres!,
só os homens sabem.
só os homens viram papas
enquanto as mulheres 
amam(entam). 

quando esteve ele por perto? 
ele não existe! 
é essa voz 
que agora brota 
de uma radiola velha. moleque.

enquanto você se 
enerva e buzina 
de dentro 
dessa lata no sinal,  
nas grades da liberdade
os professores se amarram.
em vão?

o governador não escuta. labuta?
em novo lar

bordado
por um comunista. 

é preciso fechar a b r. 

ela não sabe rima,
dizima. 
besta. 
burra. 
borda. 
do peixe herdou memória.

se nega a dizer 
o nome das coisas 

só os mortos a consolam
com sua carga de carne, 
de sangue. 
bukowski. 

quer se esvaziar até longe. 
marchar pelo fim da fome. 
só é feliz quem come. 

mas o prefeito vai de jato 
pra capital federal, 

rá! 

algo novo aconteça? 
o atlântico não é tão fundo assim 
e o afeganistão é logo aqui. 
já o mineirão está em dia 
com o calendário da copa, 
mas os operários querem greve. 

produzir agora, 
só para o que não tem valor. 
só para o que não existe. 

aprende a ser forte 
e elimina as palavras 

nuvens. 
agora só trovão. 

ele é uma praga 
dessas que 
colam no corpo 
feito bicho 

hospedeiro. 
suga o ar e a deixa 
ré.

ela se alimenta da fome do mundo. 

viverá até 86,
pintará até 71. 

o que come cabe 
na palavra amor 
mas tal signo há de ser triturado, 
há de ser devorado 
até deixar de. 

o amor nunca existiu. 
foi inventado 
por quem não tinha mais a fazer
e apostava em cavalos. 

agora tem uma parede preta na sala. 

o que pulsa dentro é uma vela. 
não vela que alumia, 
mas vela que filtra, 
porque as águas da cidade fedem. 
pampulha é linda e lodo. 
já o arrudas, 
como todas as nascentes 
que antes brotavam água na cidade, 
foram asfaltados. 

linguagem é bactéria. 
risca o fósforo 
e bum. 

o que sempre fez foi colar. 
nunca tirou 11 na prova, 
lanchava no banheiro
escondida da multidão, 
tinha medo de gente 
e uma vez por semana 
cantava o hino na porta da escola. 
por isso, talvez, 
tenha se tornado vesga. 

sua bisavó era índia. 
foi laçada na mata por homem branco. 
por isso essa cara pálida. 
e essa sede de rio filha da puta.


por isso não.
se meta





quinta-feira, 15 de setembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Marcelo Dolabela






Procurando por vídeos com Marcelo Dolabela encontrei duas pérolas do século passado, da década de 80, quando ele integrava o grupo Divergência Socialista. 

Sempre me bato com o Dolabela sentado num bar qualquer do Maleta, um prédio histórico de Belo Horizonte. Me apontaram ele de longe, com o queixo, nem me lembro quem, quando eu ainda me ambientava com a capital mineira. "Aquele homem é um dos grandes poetas vivos de BH. E bebe no mesmo copo sujo que eu..." - é o que sempre pensava, até me acostumar com a sua presença ali, solitária e silenciosa. Minha paixão pelo Maleta fez de cara gostar dele. Busquei suas letras. Seus hai-kais. Suas rimas. Sua performance. Gosto muito!

"Tire seu abismo 
do abismo 
porque quero passar 
com o meu abismo" 

é  dele. recito sempre quando um 
abi

smo

abaixo outro seu poema

Balanço da década
uma década tem mais de cem séculos
dez bilhões de vozes num único eco
mil e uma noites num mero segundo
poucos trilhões de silêncio num ponto

quanto se conta os átomos é ótimo
a hora fica interminável num átimo
não se chega nunca a nenhum lugar
e apenas se volta ao mesmo volume

um só dia tem bem mais de dez décadas
num rústico eco a maior biblioteca
da luz do segundo nenhum consenso
até quanto nos faltará silêncio 


sábado, 10 de setembro de 2011

retilínea


se tudo deixa de ser
quando eh,
enquanto você
se inventa
ela se dissipa.

líquida.

não sabe ser
nada mais do que água.




quarta-feira, 7 de setembro de 2011

isso eh mais ou menos o que ele diria hoje


"Querida sapatos em Farrapos,

pode ser que você não saiba,
mas a noite passada
você insultou o autor
desta história.

Você sabe ler?
Em caso positivo,
invista 15 minutos do seu tempo
e delicie-se com uma obra-prima.

Da próxima vez,
cuidado.

Nem todo mundo que vem a esta espelunca
eh um vagabundo.

Arturo Bandini"

(Pergunte ao pó, John Fante)



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

DAQUELE INSTANTE EM DIANTE





fotos produzidas com iPhone em sessão de cinema, no Indie BH 2011 - Festival de Cinema Internacional. Documentário "Daquele instante em diante", sobre o poeta, músico e compositor Itamar Assunpção. 

ISCA DE POLÍCIA E ITAMAR ASSUMPÇÃO


ARRIGO BARNABÉ


ALZIRA ESPÍNDOLA


ITAMAR ASSUNPÇÃO




sábado, 3 de setembro de 2011

mulher de escamas



ele deve entender
antes de tomar pra si:
a literatura é um molde.

pura fantasia
de uma mulherzinha
que quer dar o bote.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Praça Sete



um dos meus videos, 
curta cotidiano