quarta-feira, 23 de abril de 2014

antepassado


Então vem essa lucidez
só, que a passagem traz e
a perda reconhece.

esta lucidez catatônica
de uma nova língua inaugurada
sobre os dentes opacos da morte.

noite sim,
noite não,
sonho com ela
como para não deixar-me
mutilar.

tivesse mais um dia,
nada talvez
[poderia?]
ter sido diferente.

por hora o presente ruiu
apesar de tudo aí,
sol lua capim
e até meu sorrir
tudo feito ingrediente

na mesma medida
e lugar. vou dormir e acordar
[a mesma e em paz?] ciente,

olhos teimando em querer ver
o que se posta além do visto,

fuga do círculo do sentido
anunciado,
afogamento.

[a objetividade de um corpo num túmulo
é uma falácia. o que há é um passarinho ao lado, a cantar]

assumi um novo rosto
que andava às margens
com tanta pressa.

não há mais pressa no mundo
e nem apavoramento.

a minha raiz
é o que não será
nem foi,

um nome guardado,
um olhar mareado,
um cheiro de mãe.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

por que deus permite que as mães vão-se embora?



Na minha última viagem a Conquista, no Natal de 2013, resolvi fazer um simples registro em vídeo, um tipo de diário de família, iniciativa nunca antes realizada, muito inspirada em coisas que li, vi e me tocaram recentemente. Acabei filmando apenas a breve noite da minha chegada, porque logo percebi que havia esquecido o carregador e a bateria extra em Belo Horizonte, além de que, aquela mesma já se esgotava. Então a câmera havia ido comigo apenas para guardar um enlaço. Mal pensava (ou talvez sentia?), que o abraço materializado ali com a minha mãe, captado pelo meu irmão a pedido meu, seria o nosso último reencontro neste breve existir e estas imagens, ínfimos segundos, um bem precioso e sem fundo, mar onde já me perdi e achei, mergulhei profundo, vezes sem fim. (Nesta madrugada, às 02:40 do dia 02 de abril, faz um mês que a minha mãe partiu)