segunda-feira, 29 de agosto de 2011

muda


irrupção
   irredutível

emerge do se

  - formigamentos

verbais 



domingo, 28 de agosto de 2011

antes de amanhã ser



ela está despida e observa os restos. sobraram as roupas espalhadas no pequeno quarto onde se apresentam por pseudônimos. o homem se vira pra parede e dorme, mas se surpreende quando a vê indo embora antes do amanhecer. é indiferente, mas não o suficiente para deixá-la sair por aquela porta. o conhaque, pare de beber! ele toma o copo da boca sedenta a perguntar sobre o poço. escuta sem responder e se lembra de outras circunstâncias, mais felizes e nunca existentes. os mesmos quartos vazios cheios de futuro com ele a retendo em paredes cheirosas. braços rijos e mãos largas agora encolhidos: não comportam quase nada do outro. pede que tire novamente a roupa. ela tenta resistir. deite-se. a mulher beija a face do homem e é com ternura que o faz. nele, secura nos lábios de florestas interditadas. mas ainda assim insiste e a retém, fazendo-a pensar que o fim anunciado possa ser desimportante. “talvez sobrevivamos". "sim, talvez”. o sexo traz sempre uma certa suspensão do mundo. dormem silenciosos. não são de longos diálogos. a mulher o abraça por traz e o beija a nuca. fica assim, grudada nas costas dele. acredita que os corpos sustentam um pouco mais do nós. a noite traz um miúdo de vida. mas ele não a quer patética, mulherzinha. "se toca, garota!" um deles se põe de pé. “vou sair um pouco, você vem comigo?” “não, acho melhor não”. bate a porta e deixa o outro de lado.

repouso num deja vu


mínimos gestos. prepondera o oco e o medo expresso de que o corpo, entrega latente, reste inundado. a distância das camas, as pedras vermelhas arrancadas da veia do segundo sexo, as meias despidas dos pés gelados, a gota caída das horas da madrugada sobre os paralelepípedos, os nãos. dorme e acorda. o quarto continua ali, guardando o sono profundo do outro - não é pesadelo. quer fumar, quer se embriagar, mas a sobriedade é exigida - para fazer ver o descabido ato? quem é capaz de se lançar sabendo ao inferno acorda em chamas e ainda clama fogo. sabe? embate incógnito. náusea de corpo anestesiado de repente desperto. manhã de música de mágoa de máscara de manhas enquanto atravessa vales. o caldo servido na boca enquanto dita as regras da noite, as trevas da espera, o dia clarear sozinho. o desejo foi desviado e morreu em outra antes de nela ser saciado. ele é assim. quer entrar para tomar um café? e diz com voz mansa, de quem prepara a ceia enquanto degusta um vinho. vaga feito frases feitas. fora do eixo. mar de anas. sabe-se lá, momentos vultos, até os criados para fazer repousar. deita sobre o peito do outro mas não ouve o coração bater. o que representa o nada ali? se lembra de um deserto. mas o que busca, há de abismo nele. um poente jogado no mundo e sóbrio. cru feito a fome. e come. e verbo e tantos. a rua, o gueto, uma viagem, um furo incerto. flor de estufa, a sós e em bando. luta feito um poeta russo.

e ela de tudo coa
uma garapa de texto
um caldo de experimento para uma prosa depois do ato
abóbora com cebolinha
desafio para o fundo de uma artesã
tolas justificações para o instintivo sem plexo.

borda 
trans borda 
afunda bóia

                        tudo há de passar indo




mas enquanto ainda durante,
anda roendo o que concebia 
por final e estanque:
instante




tudo ar 
de passarinho


(e quando ela cessar de escrever?)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

entre geremoabo e várzea da ema

                              
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sobre o raso da catarina,  
aprende sede
aqui



sábado, 20 de agosto de 2011

despendida



Várias luas se passaram desde o dia em que ele, num tom seco ao telefone, disse para deixá-lo em paz. Desde então, o silêncio e a lembrança fina da noite em que sentados no passeio e pressentindo a longa separação que sucederia, viram o dia amanhecer, tendo ambos a cabeça pendida, como uma barda frouxa deixa à vista o desmoronamento. A luz, também frouxa, do dia que não quis se atrasar, impôs o último sorriso, fixado no portão da casa dele, quando a deixou entrever, tal qual uma vela num túnel escuro, um sopro de calor logo eclipsado pelo olhar morto. 

Não era possível retornar lá onde o desejo a reteve nos primeiros passos porque todo o sentimento, dito mais puro, trazia o peso de um fim sentido, sem mesmo ter sido desde o início anunciado. O peso de um fim presente desde os seus mais jovens olhares, desde os seus mais virgens afetos, desde os seus mais crus sentimentos. O fim estava lá desde o prelúdio e estar ela abraçada à raiz só tornou mais profunda e sufocante cada partida.

Ela não sabia agir no torpor, apesar de tentar feito cega tateando a superfície, criar uma forma que a mantive de pé. A sensação era nova e estranha e trazia uma felicidade que sabia falsa, ilusória, irreal. Reticente e temerosa, se fechava como as flores se escondem do sol. Isso a tornava contraditória, porque havia um brilho novo no olhar, além de deixar escapar suspiros de alegria e abraçar com suas pernas a cintura dele, feito bicho que da plena inconsciência de não se saber nu, está nu. 

No momento anterior à despedida, quando ao pedir uma última noite, um último encontro, ergueram o último olhar, ele prolongou o silêncio até vê-la em desespero, para somente aí, neste ponto em que se encontrava, ir tê-la em seus braços, com uma força que a sufocou. Por que faz isso comigo, perguntou? Alguns longos minutos se passaram assim, com o mundo paralisado no peito deles, retido, suspenso, prostrado com os cílios cerrados, para deixá-los tal qual uma estrela no universo, na solidão do último beijo.
 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

primeiras notas para um quase conto



o homem está lá. ela o vê e o seu meio sorriso silencioso a confunde. não trocam palavras, mas zanzam pelo ambiente sentindo o corpo do outro. às vezes os olhos se encontram pelo segundo necessário ao reconhecimento. instala-se uma pausa e no instante imediato volta a pulsão comum dos ritmos e das formas. cada qual ao próprio ser. ele toma o seu lugar na noite. com a intimidade de um menino que desde os primeiros anos conhece a direção dos ventos, senta-se no banco com o corpo ereto e possui o instrumento com a lentidão de quem cuida do silêncio. instala o violoncelo dentre as pernas e impõe os dedos nas cordas com a cabeça ligeiramente inclinada para ouvir o primeiro som nascer, como as primeiras luzes do amanhecer que somente a poucos se anuncia. sorri para uma amiga à mesa. parece um pouco tímido. emite o segundo som, pausa, emite o terceiro e se mantém um pouco mais nele. enfim a música. o homem toma cada canto das cordas como quem já vasculhou cada palmo de moradia das notas. enquanto toca somente em momentos raros estende o olhar ao redor e o retém em certos pontos no espaço, para voltar imediatamente a pousá-lo no peito, onde labuta com os braços em asas. a cada intervalo, aplausos e silêncio. ele não fala nada. é um pássaro. não há lembrança das primeiras frases, como não das segundas e terceiras. há um silêncio instaurado e alongado até lá si dó, onde talvez devesse a conversa já ter construído os mais bem fundados ditos. ali ainda repousa um vazio que utiliza de pequenos gestos. desconcerto de braços, sons monossilábicos, possibilidades múltiplas de significados. ela despede-se quando já a noite a fura. o pensamento trilhando perdido pela imensidão do desejo, pulsando por entendimento. não há tempo para entendimento. tem agora um caos que custa a se manter firme dentro. treme ao pensar. não é capaz de dizê-lo, com medo de que atropele o mundo, extrapole a carne e se imponha. precisa ainda caminhar de pé, não cair até que possa cair. há antes disso, antes de tudo, uma vaga lembrança apenas, de um precipício. sabia do poder da retina, do choque causado pela visão, do potencial de fogo de uma sequência acolhida pelos olhos, da dialética e do irreversível dos acontecimentos, queda abissal. preguiça de ter a vida inteira novamente sacudida, preguiça. mas tudo era ato inconsciente da desarrumação necessária. vontade pelo inusitado do mundo para além de si.       


terça-feira, 9 de agosto de 2011


nego sem alarde,
dia após dia,
tudo que me reduz.

crio o novo
e nele cabe o torto,
porque o reto eh tosco
e ja não me seduz.