quarta-feira, 14 de dezembro de 2005



Geração Inde(x)pendente
(Leila Mícolis)

Em vez de me deitar na cama,
resolvi criar fama.
E aí comecei a fazer versos, a mendigar editores,
como se eles fizessem grandes favores
em nos publicar...
E de tanto batalhar, virei... poeta
— um grande passo em minha meta,
porque em poetisa todo mundo pisa.
E quando me consideraram menina prodígio,
consegui que um crítico de prestígio
analisasse minha papelada.
Ele deu uma boa folheada,
pensou, pesou e sentenciou:
— "Incrível... não tem nível..."
Juro que fiquei com muita mágoa
porque, afinal, quem precisa de nível é caixa d'água...

sábado, 3 de dezembro de 2005


"às vezes irrita não ser qualquer coisa que não ela mesma,
por ainda ser a mesma, por já não ter se tornado outra. seu maior desafio é deixar de ser Eu a cada dia. quer chegar ao fim tendo sido centenas, milhares. quer passar pelo mundo tendo percorrido o alfabeto inteiro de possibilidades. quer ter sido inteiramente múltipla, diversa, várias. e a irritação que arrepia é própria do seu cansaço de si. está na hora de além. estranho é poder ir se tornando diversa mantendo uma aparente unidade que possibilita ser reconhecida pelos outros. o Eu, no entanto, não fosse a imagem refletida no espelho e uma memória histórica que a integra, já não se reconheceria. quer aprofundar a queda. percorrer os limites até chegar do outro lado da linha enquanto não chega o momento da ‘perda total da percepção do inteligível’. o incomensurável disso tudo é o susto de ter sido capaz de romper e depois do susto ainda manter a percepção suave, doce, quase melosa de que a mudança não a desintegra, ao contrário, a mudança é o Eu. mas vai aos poucos, porque quer perceber-se transformar. quer reflexão e conhecimento no ato pensado de tornar-se.



Às vezes pensa que trocou as notas pelas letras por faltar-lhe mesmo um piano. E agora já nem sabe mais qual instrumento melhor sonoriza o agudo da sua dor... Tecla letras como quem toca teclas, agonizando pelas pontas dos dedos para dar vazão ao arrepio profundo de sentir a existência de forma tão visceral.

 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005



Primeiro subverter,
mas os passos se firmam em linhas
e a rede abaixo suportará o peso?
Talvez não haja nem linhas, nem rede, nem peso
e seja possível voar,
Mas enfim, ficamos por aqui, presos como aranhas...


quarta-feira, 23 de novembro de 2005

As

cores

materializam-se

em idéias:

poesia, poesia



A
poesia
não
é
pa
la
vra
É preciso
pintá-la
ao invés de escrevê-la




palavras
têm o dom de
Montanhas em fim de tarde



Às minhocas do caminho
Marcos Nonato

No espaço de mil Anas
Anda luz, há na terra
Minhocas, no caminho
Cometem loucuras, cometas
Dentro do chão, escuras
Estrelas, no espaço
Entre elas, Terra.





Uma tristeza meio da cor desta noite. Da cor de toda miséria que pulsa, que existe latente, mas escondida, suburbana, marginal, quase invisível. Não tem as cores vibrantes da tv ligada. É nublada e inclinada. Está prostrada, deitada na esquina.

Bush recebe churrasco de Lula enquanto grupo revolucionário grita esbaforido na Praça Sete e gente passa passa passa e não ouve porque não há mesmo o que escutar.

E não sei o que dói mais, se Bush, se Lula, se o grupo guerrilheiro ou o povo que passa passa passa... 


terça-feira, 8 de novembro de 2005




Rebelde, bandido, indolente, favelado, desviado, insurgente, delinqüente, sublevado, indesejável, transgressor, inadaptado, insubordinado, deslocado, obstinado, louco...

O problema da criminalidade é aquele sobre o qual existe uma verdadeira distorção no campo do saber. No tom dos que se voltam sobre a questão há sempre a nítida tentativa de total imparcialidade sobre o fenômeno estudado. Não uma imparcialidade puramente científica, mas um alheamento totalmente pré-conceituoso e interessado.

Segundo Khum, não existe olhar puramente científico. Há sempre interesse visceral pelas questões sobre as quais nos voltamos. Pior do que o olhar que se assume verdadeiramente interessado no fenômeno é o olhar que, fingindo imparcialidade, se esconde na cientificidade.

Tratar as áreas humanas com este distanciamento ‘pedagógico’ é tão irracional quanto repugnante. E quando se trata, então, do campo da criminalidade, onde o controle penal ainda recai totalmente sobre o povo pobre e negro, torna-se perceptível a reprodução sistemática dos valores opressores, morais, classistas e sectários aos quais os governos, teóricos e aplicadores do ‘direito’ estão, em sua grande maioria, filiados.

O problema da criminalidade não é puramente o problema da criminalidade. O problema da criminalidade é o problema da miséria da maioria avassaladora da população brasileira amalgamada aos maiores índices de desigualdades sociais e econômicas do mundo.

Brilhantemente apregoou João Ricardo Dornelles:
“Enquanto a criminologia conservadora positivista entendia que o desvio provoca o controle social, a criminologia crítica parte da premissa oposta, de que o controle social provoca a conduta desviante, seja através dos processos de criminalização, seja através da determinação prévia das classes subalternas como clientela do sistema penal, apontando o caráter político, ideológico e seletivo dos mecanismos de controle social”.


domingo, 6 de novembro de 2005




O ambiente num tom calmo meio rubro, reflexo do lençol na janela. Lençol laranja já de tanto sol vermelho. 08:40. Cedo para um dia de não-trabalho. De novo sugada pelo breu do olho inerte. Cama até tarde. O quarto de cabeça para baixo. ‘Qual é mesmo o lado de baixo do quadrado?’ Uma claridade lhe puxa o olhar, o buraco da porta lhe tira do quarto.

Fora da cama, banheiro, xixi. Pára diante do espelho, um segundo de entranheza pelo pertencimento àquela imagem. Do corredor adentra o escritório, volta ao quarto, puxa Caros Amigos da prateleira e lê-la toda. Mais do dez horas, vontade de nada, só de escrever. O corpo anda assustado com o silêncio da casa. O silêncio não é tranqüilo sempre, às vezes ele arrepia, quer palavra e é preciso se desintoxicar, então, para depois, passarinho....
Pega o binóculo e senta na varanda. Pouco movimento na rua, perfeito para o inusitado que recompensa a espera. Fica ali um tempo, anseia por uma cena de Almodóvar, mas a sua rua parece agora despida de pulso. O espetáculo não se enquadra.

Entra na sala, “música!”. Liga em Dido, senta no sofá branco e espera. É preciso deixar a melodia entrar pelos poros. Tira o chinelo e pisa o tapete colorido, que alça vôo. De olhos fechados, a cor não entra enquadrada e material, ela pulsa louca, dançante e informal no infinito negro das pálpebras cerradas. Apenas a batida do som penetra o corpo, os braços em descompasso, cada qual dono de si e os pés, pisando brasa, querem o ar, o ar... O corpo habita a música até o último compasso da nota que silencia. Mas o coração agora está frenético, quer sair, quer voar, empurra o peito.

Abre os olhos e um branco quase amarelo inunda seu corpo, lhe puxa uma careta, pinta a sala inteira, invade o mundo, lhe engole. O mundo volta aos poucos, com seu formato de normalidade. Pela porta de vidro da sala avista um dia claro e suave. Acabou o inverno, tá tudo ipê. Pousa o corpo para estancar a energia. Abre um livro enquanto outra música se inicia. Ficará pelo livro enquanto na música. A música, interlúnio quando ela livro. O livro, interlúdio quando ela música. 


sexta-feira, 14 de outubro de 2005




Bjork. Sua voz causa um efeito melancólico profundo, um grito fino e estridente no peito, o gosto quente de vinho seco queimando a garganta e aquecendo a epiderme, um impulso incontido pelo abismo, uma leveza nostálgica.


quinta-feira, 13 de outubro de 2005



a liberdade, mais que um sonho futuro, um sorriso diário. cada ato, cada gota de suor, cada palavra dita... não é possível construir um caminho para a liberdade. É preciso caminhar sendo agora mesmo livre. a liberdade não será nunca o estágio final. só há o caminho e é preciso caminhar livremente, rompendo com a velha moral, com o velho jeito de portar-se no mundo. é preciso revolucionar o cotidiano. segundo Gandhi, “é preciso ser a mudança que se quer ver no mundo”.


quarta-feira, 12 de outubro de 2005



A madrugada é literatura. Sente os livros acordarem e os autores cochicharem. Não pode perder as assembléias noturnas. Aos poucos o corpo sucumbe e as pálpebras piscam lentamente. Na madrugada o mundo não existe. Não fosse um carro ao longe, seria usurpada pelos livros. Gozo de um não ser eu. Torpor ao dobrar a página.
Mas pesa viver por mais de 20 horas.
É preciso morrer um pouco todo dia.


As árvores andam floridas
e as ruas, folhidas.




Nascer é um fato, existir, um ato.
Para existir é preciso nascer.
Mas nascer, simplesmente, não garante a existência.
É preciso ir além de nascer para existir.

Ao contrário do que possa parecer,
A existência não é um atributo que se expõe em prateleira.

A existência belisca a alma.

quinta-feira, 15 de setembro de 2005


"Não há equivalência possível entre morrer de tédio e morrer de fome. Está certo, o assistencialismo não funciona, o socialismo morreu, os liberais ganharam e a história acabou. Más às vezes eu ainda me pego sonhando em sueco com uma sociedade pronta, sem qualquer destes desafios tropicais, em que a gente pudesse finalmente ser um personagem do Bergman, enojado apenas com tudo e nada mais.”

(Luis Fernando Veríssimo)
 

terça-feira, 13 de setembro de 2005



Ontem, ao chegar à UFMG no final da tarde, acabei me perdendo ao olhar para o alto. A aula ia no céu! Parei... Minutos estáticos, mergulhados em prata. Fui para o fundo do prédio e, sentada num banquinho ficamos ali, eu e a lua.
Lembrei-me de uma viagem que fiz ao Pará. O inusitado é o que de melhor pode existir na existência! Em um acontecimento que clamou a irrealidade, defrontei-me com o Décio Pignatari andando pelo Forte de Belém, em frente ao Rio Amazonas, aquele esplendor de água e céu. Cássio seguiu em sua direção, eufórico, a perguntar:
“_ O que pensa um poeta ao contemplar tamanho espetáculo?”
“_ O poeta olha maravilhado a paisagem e espera que com o mesmo olhar seja percebido por ela. Em Belém agente não olha. Tem visão”.
Assim era eu com a lua.



Para escrever é preciso de palavras ou de visão? 
Sempre pensei que no dia em que conseguisse objetivamente descrever minhas visões, seria enfim escritora.
Ao percorrer um texto estamos dentro do universo que consideramos conhecido, da linguagem. As palavras são mais firmes do que o vazio do olhar, o olhar cego de palavras,  a imagem destituída de conceito.
Para ler é antes necessário destituir-se da linguagem. Mas daí, do vazio horripilante da visão silenciosa, a literatura surge necessariamente, como grito de espanto.
Segundo Wittgenstein, o espanto ante a existência do mundo é a experiência filosófica por excelência.

segunda-feira, 12 de setembro de 2005



Hoje acordou com palavras pulando como gotas de um chafariz...
Elas saem meio tontas,
dão passos inseguros,
querem trilhar um caminho,
mas ao sabor da liberdade,
embriagadas,
saem da rota.
Não tem jeito, a poesia sai torta...

sábado, 10 de setembro de 2005

Para ser poesia 
 é preciso chegar ao canto da página 
como quem bóia inteira no mar: 
abaixo só água,
acima só céu 
e o corpo o limite 
entre o azul e o azul

sexta-feira, 9 de setembro de 2005


Isaac Liberato (1906 - 1966)
A mulher grita em sua dialética.
Ela não é quem fora.
É asa que quer voar.
Se não escrever é capaz de explodir, explodir.
Os dedos tremem sobre a tecla, frenéticos.
Trabalho compulsivo de compor palavras.

Depois, tranca-se num livro por dois dias.

Trocar de pele dói...

sábado, 3 de setembro de 2005


Criei um blog. Pretensão contraditória de quem acredita já haver muita letra desperdiçada no mundo. Mas a existência é mesmo o grande ‘Auto-engano’ descrito por Eduardo Gianetti. Ela só se justifica pela sensação de que falta a sua palavra, a sua ação sobre o mundo. Para mim, afinal, o mundo não existiria, não fosse a minha existência! Enfim, talvez com este grande auto-engano que é próprio da natureza humana, eu me ligo à rede, meio tímida, querendo apenas combinar palavras. Molhar gente com palavras pra tentar florir. Bem vinda eu, bem vindos nós todos nesta linha imaterial que se estabelece com o magnífico poder da linguagem!