sábado, 28 de outubro de 2006

, enchentes

o corpo jogado na cama,
diluindo-se em águas claras
pulsão
de linguagem e vazio

quarta-feira, 25 de outubro de 2006



mulheres que me fundamentam: na sequência, textos de marguerite duras e hilda hilst (imagens e linguagens)



_ Por que fala assim que tem vontade de me trair?
_ Não sei - respondeu Sara. - De vez em quando sinto desejos de lhe dizer a verdade.
Ela o viu sorrir.
Quem era eu, quem tomara por mim até então? Não chegava a me alojar na imagem que acabava de surpreender. Flutuava em torno dela, bem pertinho, mas entre nós existia uma espécie de impossibilidade de nos assemelharmos. Eu me achava ligada a ela por uma tênue lembrança, um fio que podia se partir a qualquer instante, e aí eu me precipitaria na loucura.



D. vira-se para ela: ? "Eles o deixaram há dois dias, estava vivo.". Ela desiste de arrancar o telefone. Caiu no chão. Algo se rompeu àquelas palavras: há dois dias ele estava vivo. Ela se abnadona. Algo se rompe, sai pela boca, pelo nariz, pelos olhos. Precisa sair. D. desliga o aparelho. Pronuncia o nome dela: "Minha pequena, minha pequena Marguerite." Não se aproxima, não tenta levantá-la, sabe que ela é intocável. Está ocupada. Deixem-na em paz. Jorra como se fosse água, sai por todos os poros. Vivo. Vivo.



cansei-me de leituras, conceitos e dados. De ser austera e triste como consequência. Cansei-me de ver frivolidades levadas a sério e crueldades inimagináveis tratadas com irrelevância, admiração ou absoluto desprezo. Sou velha e rica. Chamo-me Leocádia. Resolvi beber e berimbar antes de desaparecer na terra, ou no fogo ou na imundície ou no nada.

Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, deslizava geladas cambalhotas até encontrar o cordame grosso da âncora e descia desncia em direção àquele riso.



Não se impressionem. Não sou simplesmente asqueroso ou tolo, podem crer. Deve haver qualquer coisa de admirável em tudo isto que sou.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006


"A quem é necessário que a literatura ocupe um lugar especial? Ou ela estará todos os dias no jornal todo, em cada página, ou ela absolutamente não é necessária. Mande ao diabo essa literatura que é servida só como sobremesa" (Dmitri Liébedev)


"Tudo está claro no que se refere ao pão, e no que se refere à paz também. Mas a questão cardinal sobre a primavera deve, a qualquer preço, ser resolvida." (Maiakóvski)

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

omundo giragiragiraroda
e eu não me caibo neste copo de vodka

há um som tocando, um gemido,

e a pimenta-parmesão é boa demais com queijo gorgonzola

sexta-feira, 13 de outubro de 2006


Tem um ovni no meu banheiro

O dia arranha. Passa lento e resmungão, como um disco velho na vitrola. os dias todos, inteiros prostrado no sofá. faz pensar que não há vida, não há mundo além da parede. da janela o céu às vezes cinza, às vezes azul e quando se cansa de céu, cortina. as garrafas secas, era preciso sair para comprar bebida, vontade de encontrar alguém, talvez uma mulher, quem? um livro. acabar o restaurante do fim do universo. no restaurante, as coisas se aproximam cada vez mais do momento após o qual não haveria mais momentos. Sede. um copo de leite, o leite tão branco. aquela vaca. Começa a chover. vai pro chuveiro, liga a torneira, deixa a banheira encher, coisa boa desta casa, sonho de burguês satisfeito. shampoo na água, espuma, deita, fecha os olhos, Ford Prefect e Arthur Dent sorriem de uma mesa, ao lado estão Gabi e um ser cheio de patas e dedos que passa a língua em um dos olhos quando o vê, oi amigos, bom encontrá-los, bate a mão e sente os dedos dormentes, amassados, deformarem-se. abre os olhos, dormiu na banheira, quanto tempo? a água já fria, o corpo já frio, pula da água. uma mosca voa diante de si. voltou com ele do fim do universo. adora corpos nus. Deve ser uma fêmea, uma bela mosca fêmea. devia tomar a forma humana, transmutar-se, faça isso por favor, bela mosca, preciso de gente!, um cigarro, um cigarro, deixa a mosca ali e sai, um cigarro, um cigarro, vai à sala, acende e aspira, paraíso satisfeito, 


quinta-feira, 12 de outubro de 2006




o homem caminha com dificuldade, retendo a corda que contém seus três cachorros. são todos vira-latas pretos, grandes, com latido firme e dentes à mostra. do outro lado da rua um jovem anda apressado e assusta a moça. medo de estupro, medo de bandido, medo de homem. ela atravessa a rua. no bar uma música provoca náusea na moça, ao olhar tanta gente besta junto. que o chão se abra para ela cair. a pedra na frente rasga seu dedo, droga!, sangue, o médico sentado come um hamburguer e sorri, sim, deve ser médico com aquela cara e roupa branca de classe média, sorri e mostra os dentes como os cães, seus dentes de homem feliz. o enjõo agora desce da cabeça e estremece as pernas, ela corre até a esquina, o homem do cachorro continua ali com seus cachorros, ela hesita em continuar. pode vir, meus cachorros são seletivos. atravessa a rua, abre o portão num impulso e o vômito é despejado antes de tomar a casa, ali, no corredor. os gemidos do vômito são pavorosos, ressonantes, parecem de monstros que fogem do estômago, eco seco. não pode ser nela aquilo tudo, aquele cheiro podre, as lágrimas saem sem que perceba o choro, são gotas que pulam independentes. a luz se acende, Miguel vem ao seu encontro, anda reto, não se afeta com o estado da mulher, segura-lhe o braço, a suspende sem palavra, sem expressão. arrasta o corpo feminino para dentro da casa e fecha a porta. da rua se ouve ainda gemidos e pancadas.


quarta-feira, 11 de outubro de 2006

domingo, 1 de outubro de 2006