sábado, 29 de novembro de 2008

diário de viagem. eterno retorno.


Dia 1. Conquista.
chuvosa,
nublada
como sempre a deixo,
como sempre a encontro...
Na madrugada, ensinam-me xadrez. papalo, sempre doce!




quarta-feira, 26 de novembro de 2008

os pássaros elegem.

vôam em bando.
menos ainda.


vôam em par.
só eu vôo ímpar.



domingo, 9 de novembro de 2008

 

De tanto que observo me toma uma visão
em que o ipê da Liberdade,
despido, magricelo, carrancudo,
tendo como fundo Niemeyer
curvo, preamar, arco-íris
esconde olhos
de janelas recém acesas do entardecer
– íris de voyeur reticente
Me toma cobiça aquela vida de olhar de cima
tão classe-média, contemplativa, literária
ao contrário de mim,
transeunte da praça, de olhar
baixo, sonhador, proletário.

A idade, olhando daqui, com o Palácio à direita
e a Bahia à esquerda, dói de bela e me enterra.
Agora moro nesta pequena Bahia, rua mar de asfalto
e não desço floresta
– tranca o choro, Fabiana!

O meu coração parece grande, mas é líquido
e derrama fácil fácil
quando vai em favela, beco, morro, comunidade
e quando, ainda,
qualquer um diz que me ama
– eu me apaixono como água.

Vejo agora, deste ponto, da mesma praça,
debaixo da árvore sem nome,
o moço-negro-da-flauta tocar bossa nova
enquanto um casal se beija e me mata de inveja
– vou até o Rio nos tempos da centelha vermelha,
– vou até o Prado nos braços do ser amado,

a bossa nova é sempre nova é sempre nova tanto quanto o rio continua lindo continua lindo

Quase sempre e quase sempre é todo dia
desejo imprimir e distribuir poesia.
Quando quero quietar o coração,
só aí (quase sempre)
venho à praça.

Acredito que posso reter este céu
lilás estrelado de palmeiras
e dizê-lo a qualquer um
com qualquer palavra
– retenho o que vejo para que vejas através de mim.
Olho infinitas vezes para Niemeyer
e ele é sempre belo.
isso mesmo: a utopia existe e se renova

Então não é por muito que me deixo,
mas pelo ínfimo _ quase me atropelam.
Dú sempre diz pr'eu olhar p'ro lado
– “vais morrer atropelada!”
Estou com má digestão do mundo
Mas como fazer, Maiakovski,
na falta da primavera?
Fabinho diz que vou surtar,
pra ele ando pisando em nuvens.
– como deve ser o caminhar?

Enquanto não sei,
soletro:
ô vida besta, meu deus.



sábado, 8 de novembro de 2008



"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
Lispector

saudade na pele, agora, como espinho. fura e sangra. abarca tudo, compreensão e lógica, passado e futuro. abarca tudo.



quarta-feira, 5 de novembro de 2008



o dia em que um negro foi eleito presidente dos eua.


sábado, 1 de novembro de 2008

In principio erat verbum.
Tenho a sensação da exatidão maníaca de linguagem, apregoada por Barthes, em O prazer do texto. Aquele sentimento de embriagues do tropeço, de imprevisão do desfrute, de sucção sem objeto. Rirás: exponho meu texto suicídio. Quanto dele, que configura mais minha existência do que a carne imprensada do meu corpo, será tido como parte essencial de mim? Incansáveis laudas, desde meus dedos curtos de criança, cadernos empoeirados, acumulados, empilhados como árvores desmatadas do meu eu, folha por folha, me arquitetam. Apresentam-me o mundo: são códigos em colisão. Não estamos aqui pervertidos, mas implicados. A escritura não é uma tentativa de afirmação, mas a afirmativa da insuficiência. Não sou, para o inexistente leitor, senão linhas fantásticas e irreais, metamorfose em expansão. Ser elucidário, mas derrisório. Além, erótico: o texto deseja, flerta, seduz, tesa, devora. O que há de sensual na escrita é a insinuação do corpo, plástica de signos. A manifestação escrita do mundo é ilha que deixa escoar terra p'ro mar, grão por grão, ato contrário à expansão do território mas atração gratuita pela imensidão líquida do movimento. Hemorragia. Estilística de reinvenção do mundo. Logosfera do caos.