quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

dom quixote

o céu acima está oco e repleto de ses debaixo dos corpos. o mesmo punhado de espinhos com as frases compostas de menos verdades. porque verdade, verdade mesmo, é bicho preguiça. anda lenta e sem memória palpando o nada. antes era só o desejo de se roçar na pele e agora esse amontoado de versos prosas que se acumulam, nada dizem nem amaciam. ela alcança seus verbos, mais reais e palpáveis que seus músculos de pedra. o mundo vira buscar seu corpo, sublime porque escasso e em função dele nasce uma mulher estranha. deslocamento da consciência para fora do ato. vê-se de fora e desconhece o olhar quando envolto no seu silêncio. a cidade parece a mesma mas ela está distante, difícil de laçar. as antigas dores deixaram de doer e mesmo o bicho estranho de duas letras já não a assusta mais. está em tudo, contudo. ela aos poucos se acostuma com esse ser autônomo que surge cada vez que você a provoca. agora entende a necessidade da distância, esse impulso para o longe. o ponto de referência do mundo se tornou o corpo do outro. e tudo restou pequeno, menor e suportável. lugar distante é onde ela quer estar para abrigar o outro. ficar longe de longe dói menos do que ficar longe de perto. pode ir morar no japão, logo ela que nunca havia querido sair dos livros. isso não é paixão nem queda. é ser. estamos em 1977. a mulher que em pouco tempo já não mais será senão poeira de memória pairando sobre o futuro. mas de cá agora dessa rede, esse céu. e você. basta você existir, com seus moinhos de vento.




segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

piauí



problema de labirinto: cheguei até aqui.
e agora? Gauguin com seu exílio,
Van Gogh com sua loucura,
Rimbaud com sua renúncia e
eu com este canivete.
(lavrei seu nome num pé de carnaúba)

neste calor torno-me pastosa,
injustificável e contingente.

seu nome inda abarca tudo.

sou aquela que você escreve,
retirante mulher da vida,
mas com o coração um pouco mais mole
és incapaz de ler.

- só sei falar
         de mim.
      
torno-me ignorante a cada dia
quanto mais se expande a terra sob meus pés.
isso me cala de susto
mas não ouso silenciar-me
e passo ao pânico um segundo antes da escrita
como temendo uma revelação
(sou dada à transcendência?)

um dia
talvez possa expressar o necessário.

minha angústia se prostra
ante a liberdade com kierkegaard
ante o nada com Heidegger
e com Sartre tenho tendência a fugir do meio termo:
indiferença ou dedicação maníaca
(mesmo em silêncio de longe te observo)

parece que quando mudamos de vida
como uma serpente
urge contemplar esta troca de pele morta,
quebradiça,
que já não é.
estar no mundo é tudo.

é preciso ser de barro,
mas minha concepção é vento.

quando eu morrer será só mais um não-lugar
múltipla sem original
uma escolha e um chamado para o longe.