quinta-feira, 31 de dezembro de 2009



Amanhã serei eu mesma. Hoje não. Hoje ainda sou outra. Mas amanhã hei de me transformar em mim, hei de me transmutar no que devo vir a ser, hei de brotar deste tumulto. Amanhã sim, hoje, ainda, um pouco mais de tempo para o que deixarei de ser quando o passado houver me feito renascer. Amanhã, tempo novo, terei forças para a renovação, por isso usarei branco depois de ter pulado o segundo revelador, que me fará adentrar o meu verdadeiro eu. Amanhã, vestida de branco, me lembrarei remotamente desta última tarde deste estado de ser em que sentada no sofá da sala, de ropão de banho amarelo e sem grande encantamento, me punha a refletir qual o sentido do tempo. Amanhã, sim. Um amanhã despontando já no entardecer deste fim de luz, desta cidade água, desta cidade deserto. Inspiradores água e deserto! Amanhã prometo tornar-me menos ácida, menos nostálgica, menos febril. Hoje ainda, não. Hoje ainda permito-me contemplar a chuva (que não pára de cair nesta cidade). Amanhã me vestirei de branco, mas hoje ainda, me enfeitarei de vermelho e laço no cabelo, deixando pulsar o calor que a chuva não seca. Amanhã, sim, prometo. Serei melhor. Hoje, ainda, continuarei sendo apenas uma pequena que escreve. Tenho pouco tempo para ainda permitir-me o estranhamento. Permita-me, por favor, permanecer assim, meio perdida, neste resto de passado, nestas últimas horas que serão por todos, há pouco, descartadas. E se por ventura esta oração no amanhã se confirmar quando o ano novo despontar, serei outra. [Mas serei assim, ainda assim, eu mesma?]



segunda-feira, 21 de dezembro de 2009




losers





sábado, 19 de dezembro de 2009




hoje o dia só existe para ser escrito. se pudesse, o faria até o infinito, até desfazê-lo integralmente, até formá-lo, átomo por átomo, imagem. escrevo em minha pele o desejo; em meus panos, pudores; em meu pescoço, minhas forcas. e essa música ... queria poder te tocar mais, porém algo de pudor impõe limites. não aprendi a ser melhor do que isso. estranhas me parecem as vozes que ouço. há uma infinidade de acontecimentos possíveis para a noite - um café, um bar, um encontro, um filme, um livro, ar da rua chuvosa, mas sucumbo. ler não melhora nada, ao contrário, me afunda mais na cachoeira de mim. não tenho fundo. posso chegar a perder-me enquanto juro percorrer a busca. encontrarei sempre retiscências. todos os personagens que me tomam a voz parecem uma extensão, parecem uma alusão às minhas infinitas formas de materializar-me. olho pra você e me vejo mais do que posso ao estar diante de um espelho. sou mais eu em você do que em mim. sou mais de mim quando te ouço. viver não é um consolo para o infinito, viver é o absurdo da dúvida, da incerteza, da possibilidade de perceber-se. nada há pra dizer e quanto mais percorro esta certeza, mais viceral se torna a literatura. a ciência se torna um exercício da dialética enquanto a literatura, uma oração. o verão chegou com chuva. as águas me ferem. é difícil se manter unidade quando a cidade inteira se molha. não é possível ser outra coisa quando os dias parecem inundados na chuva. não consigo permanecer lúcida na chuva. me recolho. custa-me muito fingir-me seca. estou em vias do absurdo.







"eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. provavelmente a minha própria vida. viver é uma espécie de loucura que a morte faz. eu escrevo à meia noite porque sou escuro." (clarice lispector)






hoje o dia poderia ter nascido neutro. sonhei com guerra e literatura. um tiro me acertou as costas. acordei. havia uma estante de livros no breu. reconheci clarice, achada no sebo. adorável mundo novo, drummond, balzac. todos numa estante, 5,00 cada. feliz cidade. o ano parece chegar ao fim, mais uma vez, para os humanos. luzes acesas enfeitam e clareiam a madrugada das ruas desertas. os homens gostam de luzes nos rituais. o que fazer com o natal? temo escrever as verdadeiras letras, aquelas que poderiam traduzir-me e refletir a imensidão do caos que habita meu limitado corpo. temo te afastar de mim, com minha literatura de nostalgias. por dentro o sangue percorre o infinito dos segundos enquanto permaneço indagação, sertão. quando o eco encontra espelho, quando o eco encontra palavra, quando o eco encontra resposta, dialética, contraponto, é o silêncio que me molda. a busca por afetividade é apenas a ilusão do reconhecimento. tú és a minha afirmação, a minha exclamação. balanço-me de um lado ao outro, o vento como companhia singela e suave, ah, mas ter um corpo debaixo do cobertor, um corpo para abrigar o outro que tem pesadelos... tenho tido muitos pesadelos. de diversas formas e gêneros. a diversidade traduz os sonhos lúcidos. quando eu acordo, estrago tudo. bicho, bicho. bicho. o que é o universo? olho os soldados e não têm rostos, apenas marcas de lutas e preconceitos. as instituições são o reflexo das coletividades. me posto no centro do meu tapete redondo. não consigo mais rezar. não há mais quem possa me salvar, mas sei: o sentido é vasto e de tão amplo, não cabe no amém. as pessoas se assustam com as palavras inventadas para nomear as coisas. algumas junções de letras causam asco. outras, regojizo. as coisas não são melhores ou piores devido as palavras que as nomeiam, mas ao sentido dado, à sensação posta no enfrentamento da sua perceção. sou esponja. absorvo o mundo e me moldo. me deformo. sou eu mesma? ou o que fizeram de mim? tenho profundo prazer em escrever. profundo, profano, sagrado. escrever é rezar. rezar é gozar. gozar é profundo ato de escrever. não sou o meu ato, mas o reflexo do desejo. não sou o que vejo, mas o que espero ser visto, ou o que vejo como irreal disposto entre o olhar e o visto. por favor, permita-me chorar. só mais essa vez, permita-me. rebenta em mim o pranto, rebenta em mim o corpo, rebenta em mim o jorro. sou mais água do que o oceano o consegue ser. cuido da terra e a terra precisa de água doce para fazer brotar o oxigênio das plantas, para te fazer respirar. eu sou oxigênio. morrerei dentro de algum tempo. morrer parece insano. não ser parece suicídio. optei por desconstruir-me com a morte. não permaneço. me desfaço no universo. por isso pareço insana. por isso permaneço signo. a espera se finda em loucura. eu escrevo no escuro porque sou noite. porém agora é entardecer de chuva e trovão. um raio cinza corta o céu, cheio de luz. enquanto isso um menino tenta captar o instante da chuva em minha janela.






sábado, 12 de dezembro de 2009


otra vez despierto al amanecer y miro el cielo tomarse poco a poco por nubes de color negro, como un hongo oculto entre las hojas secas en una playa desierta. por encima de las nubes me parece que sea más tranquilo que sobre la tierra, pero todavía no aprendí a volar… las nubes, como una película refleja el deslumbramiento de mis sueños - sucede en mi vida el eterno retorno de Nietzsche... del mismo modo que hay ciclos de las mareas, transcurre las emociones humanas… los momentos de dolor siguen ciertas leyes y ritmos, obedecen a un cierto número, tal vez en mi vida es un ciclo de 21, 22 y cuándo el día fatal llega, una sombra, como esta nube negro que ahora lleva puesto el cielo, cubre el mundo y toda felicidad suena a falso. pero entre las piedras nacen pequeñas flores y también los ciclos de serenidad ven cuando la tormenta pase… saber leer la sucesión de las olas me hace consciente pero no convierte menos intensas las sensaciones. sin embargo, los sentimientos no son un reflejo del mundo, pero de yo mismo y soy parte del mundo... entonces lo que siento es también una perforación de la unidad cósmica o una fracción del entero... hoy estoy en transición de uno estado para otro. el amanecer parece suave, ya que una línea recta del electrocardiograma... una pausa, uno suspiro, uno gozo…


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009


minha pequena musa, marguerite.





queria poder negar toda e qualquer metafísica, mas uma flor, um sorriso, uma mensagem, extrapolam a carne. hoje tive um dia ruim. ressaca de feriado bom, prostrada em lençois de chuvas e películas. difícil acabar a tarde. entro num sebo ao meio dia, para encantar o dia feio. caminho direto na direção de uma certa estante e colho um livro qualquer, de olhos fechados, como quem elege um amigo oculto. Herman Hesse, Caminhada, pula em minhas mãos. sorrio, óbvio. me lembro de guarapari e os encontros súbitos, bons, nas estantes com cheiro de poeira e mofo. o cheiro das páginas amarelas, as traças que as habitam, as cartas nelas esquecidas, os velhinhos exóticos que as guardam.... morrerei amando percorrer as estantes de literatura e filosofia... e achar, sempre achar, uma nova obra de hesse (quantos livros terá ele publicado?), marguerite (amada, amiga, fiel escritora das minhas cavernas - compro tudo o que acho dela, mesmo aquelas obras já companheiras das minhas gavetas, para presentear amigos, um belo presente sempre). enquanto percorro a fila do elevador, uma oração: Caminhada - dirão que blasfemo!, perdoem-me, hoje estou assim, querendo acreditar que toda a música e toda a poesia, e o vinho nosso de cada dia; essa melancolia que faz do meu corpo sua moradia constante, já ali presente e mesmo agora, com um amor-menino, mesmo agora... este nó no peito... não sei o que fazer com tanta luz e essa infinita magia que nasce, cresce e morre em cada dia, em cada árvore, em cada lua, em cada mendigo nas esquinas, acrobata dos sinais, menino morto nos guetos. não sei o que fazer com as dezenas de reuniões. enquanto um céu azul convida mais de mim e de ti na chuva, nos becos, nas escadarias e desertos da madrugada. que haja tempo para os reencontros, as novas vivências, o degustar de todas as cores e a ausência delas, o mundo em sépia, em preto em branco, molhado e seco. não sei o que fazer com todo o afeto hospedeiro dos corpos que nos circundam. não sei entender a miséria, a desigualdade e o ódio. a vida me assusta em sua mágica cotidiana. e o nó aperta o peito. como numa máquina registradora, tento reter os dias em letras, signos proféticos que me elegeram. mesmo as dores, tento reter. páginas virtuais de tumultos, que me concebem e encerram. não sei ser de outra forma. tumulto leve e calmo. cheiro de café. já passa da meia noite, mas a mente não quer se fazer dormir. tem dia que a madrugada, com esse céu apocalíptico, cinza e nublado, me elege como deusa - impossível fechar os olhos: sou guardiã da noite.



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


 
 
 "Quando o Homem nasce, é fraco e flexível,
Quando morre, é duro e insensível
Quando uma árvore cresce, é tenra e pliável
Mas, quando seca e dura, morre
Dureza e força são os companheiros da morte.
A flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser.
Por isso, quem endurece, nunca vencerá."
(Stalker, filme de Tarkovsky)



 

sábado, 5 de dezembro de 2009

o dia espia a mulher, ela não quer ser vista, mas ainda existe. o amor aparece em sonhos e não tem identidade, está em toda parte, assume qualquer corpo, é apenas a projeção de um sentimento bom e calmo de saudade e procura. onde você está, que não se encontra? percorre toda a ilha, em sonhos e ele a olha com olhos de querer. não pensou que pudesse ser você em cenário idílico, mas era e tinha desejo na boca e tinha silêncio no dizer e se escondia nos becos da vila. o amor é como um bonde: passa cheio de corpos brancos e pretos. e não cabe em um só membro, se estende ao teu, te abriga, te acolhe, te saúda, te quer nu, mas a fronte está coberta de névoa – não é possível ter sido aquele encontro de visões verdade apenas para um... o homem surge num ônibus, a caminho de casa e olha para a mulher no meio do caminho e na aterrissagem. e depois adentra a sua casa – terá sido convidado? e agora a visita freqüentemente e silencioso. não conversa nunca. os óculos a impedem de ver, ou a fazem ver além, lá onde disseram-lhe, deve estar, lá onde um certo alguém a mantém, enquanto degusta seu chá, distante, numa terra fria. todos os amores se escondem no silêncio, mas às vezes deixam escapar uma lágrima, às vezes visitam a insensatez, às vezes se sentam sobre a fogueira e soletram uivos de bicho. todo amor tenta ser sério, ser forte, ser simples, mas esconde a verdadeira face e disfarça o brilho da artéria mãe. o peito está fraco. ela queria poder negar certa voz interior, mas esta manhã cinza, esses micro-grãos de águas liquidificam a janela, o dia, tornam suas pernas bambas e espelham a alma feito terra molhada, feito lama. que diabo! a mulher pode se derreter. but if you never try, you never know!.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



Soneto de amor imperfeito ou
O que terá sido feito do amor

Depois de tantos passos percorridos
De ti distante em tempos e espaços
Hei de confessar faltar abraços
Onde possam os afetos ser derretidos
É um acalanto lembrar-me que tive
Os teus braços, o teu canto
E já não há lugar de pranto
- nada levar, nada deixar de onde estive
Nenhuma lembrança, nenhuma esperança
Nada cabe como herança
Deste amor que projetei.
Nem alma, nem canto, nem beijos
Deste amor devolver hei
Pois deles serão feitos os versos
que porventura criarei.