segunda-feira, 28 de junho de 2010

relembrando as mesmas angústias (em tempos de futebol)


Aquela que não quis tomar assento
e quase naufragou no mar
e quase foi atropelada
e quase morreu de dor de amor,
passeia na solidão redonda da multidão
e no eu florido de asfalto.

A sem-lugar nas ilhas desertas dos bares abarrotados,
aquela que queria fugir em dia de jogo
e não voltar nunca mais,

a descontente, a escorregadia, a introspectiva,
a ensimesmada,
aquela que foge sempre em busca de buracos,
que se tranca no quarto
no escuro,
cortinas cerradas e música
pra inundar o espaço da alma.

Aquela que não cabe na solidão
e nem cabe na palavra,
que não é um ser,
mas um estado de desfazer-se contínuo,
com leves sopros pra aliviar,
como quando o olhar mudo de um andarilho lhe desmascara um conceito.

Aquela que sofre porque não entende
e retorna sempre às mesmas questões complexas

com leves sopros pra aliviar.

sábado, 19 de junho de 2010

o dia amanhece sem Saramago



"Como uma coisa, em princípio, não deveria ir sem a outra, é provável que um outro objectivo do violento empurrão dado pelo senhor às mudas línguas dos seus rebentos fosse pô-las em contacto com os mais profundos interiores do ser corporal, as chamadas incomodidades do ser, para que, no porvir, já com algum conhecimento de causa, pudessem falar da sua escura e labiríntica confusão a cuja janela, a boca, já começavam elas a assomar. Tudo pode ser. Evidentemente, por um escrúpulo de bom artífice que só lhe ficava bem, além de compensar com a devida humildade a anterior negligência, o senhor quis comprovar que o seu erro havia sido corrigido, e assim perguntou a adão, Tu, como te chamas, e o homem respondeu, Sou adão, teu primogénito, senhor. Depois, o criador virou-se para a mulher, E tu, como te chamas tu, Sou eva, senhor, a primeira dama, respondeu ela desnecessariamente, uma vez que não havia outra. Deu-se o senhor por satisfeito, despediu-se com um paternal Até logo, e foi à sua vida. Então, pela primeira vez, adão disse para eva, Vamos para a cama."

(Saramago, Caim)


quinta-feira, 17 de junho de 2010


a potência é muda, apesar do desejo por palavra. algo se cala, como se dizer, necessário não mais fosse. mas há o infinito de nós para ser dito, para ser composto, para ser descrito (mentira, não há nada!). todas as páginas a serem assinadas encontram-se indicadas com clipe. não aprendi outra forma de dizer – a palavra me exige. explique-se, diz o verbo. e eu acato o verbo. no princípio era o verbo e eu sou o princípio. as páginas em vermelho exigem rubrica autenticada. porque disse deus, faça-se a luz. e eu sou a luz. fui feita da costela de adão. sou a mulherzinha de deus. / Uma luz ofusca o verbo. ofusca deus. gosto de brincar de infinito e o infinito reside na palavra deus. esconde-esconde. páginas com clipe verde poderão receber assinatura digital. a luz ofusca a mulherzinha que compõe o verbo. no fim, terei fracassado. mas jamais me pari para sair vitoriosa. a vitória é um clarão de cegueira. a vitória é para os cegos. e eu, ensaio sobre a cegueira. / Não escrevo para entender, escrevo para esvaziar. palavras são ervas daninhas – precisam ser arrancadas de dentro, senão matam a flor. e a flor é silêncio e solidão. eu sou clarice, à disposição para esclarecimentos. só(,) escrevo sobre a palavra. tautologias. no final serei [só] (e) silêncio. eu (e/ou/sou deus?). / Palavra é uivo, gesto, busca. me canso de ser palavra, como me canso de ser gente. às vezes queria ser dispersa do corpo. mas isso acontecerá, necessariamente. pode ocorrer a qualquer suspiro. minhas palavras morrerão comigo. as de clarice não. olha p'ro céu meu amor. posso expressar a dor das relações? não sei se sei. não sei se posso. culpa cristã. auto-flagelo. o amor (nunca) preenche toda a dor. não sei porque agora este desejo repentino de captar imagens. talvez seja a saída encontrada para fazer cessar as palavras. mas se fecho os olhos, você está lá.



sexta-feira, 11 de junho de 2010