quarta-feira, 16 de janeiro de 2008


O tempo
não cabe num passo
e no entanto parece longo,
parece tempo
mas um sem fim de faíscas no céu, na noite, talvez te digam, talvez,

que não existe tempo no mundo, somente em si.

Deixa o corpo ir, subir a pele para encontrar o outro,
deixa os olhos fechados.
Bonita esta palavra, deixa.

Risquem os artigos,
vamos desconstruir o valor empregado às vogais.

(um pouco de luz entra pela janela)

Na (sua) busca
encontr(ar)ei tantas de mim,
e em todas, a memória a iludir a construção de um dito eu.
quase me perco,
quase.

(mas o amor foi tomar um pouco de ar no pomar)



terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Ao longo dos anos, vi livros destinados a equilibrar a perna manca de uma mesa; conheci os transformados em mesa-de-cabeceira, dispostos em forma de torre e com um pano por cima; muitos dicionários aplainaram e prensaram mais objetos do que as oportunidades em que foram abertos, e não poucos livros guardam, dissimulados nas prateleiras, cartas, dinheiro, segredos. As pessoas também mudam o destino dos livros.” (Carlos Maria Domínguez – A casa de papel)



Acabo de ler a biografia de Drummond escrita por José Maria Cançado (embora a citação acima seja de um livreto delicioso lido já depois deste que aqui me refiro. pequeno caos na ordem das escritas e dos pensamentos), este personagem que me cruzou num certo corredor de hospital há cerca de dois anos no dia em que soube do câncer da minha mãe. Ele morreu logo depois, sobrevivente de transplante de coração alguns anos habitante de tubos e balões de uti's - fez disso poesia até o último suspiro. De câncer morreu Maria Julieta, levando a desistir do mundo seu pai poeta.


A vida sempre me traz aquele que falou por mim numa certa conferência do PT, “meu nome é tumulto e escreve-se na pedra”. Ele agora me provoca num conto que o quer nele, não sei ainda como Carlos entra, mas Itabira já está ali, cenário.

Não posso me alongar nestes pensamentos, findarei o ano numa mesa de cartas sem muitas pompas, neste horizonte deserto, o que me faz despida de festejos rituais já tão naturais... me sinto melhor assim, caseira e talvez ou por certo goste desta cidade nestes feriados - que levam as multidões aos litorais, atraídas pelo mar - com suas ruas silenciosas, seus cinemas vazios... bom seria se todos os dias do ano fossem o último dia do ano... vivê-los todos na cidade desabitada, respirada e curtida cheia de nostalgias...

Existem momentos de boas lembranças, pequeninos fragmentos de existência que recordo com prazer, vividos neste tempo pretérito imperfeito, 2007. os eucaliptos ainda trazendo a frase “preciso enlouquecer”. quem falou esta frase? talvez a tenham dito por mim e ela ainda ressoa como possibilidade.

C. está sentado ali no seu sofá, folheia uma revista. Ao meu lado. Águas mornas de um mar no qual posso boiar...

No último dia do ano fiz uma coletânea de músicas para levar comigo a Ilha Grande. Nela entrou Bjork, Morcheeba, Zé Wisnik, Alda Resende, Belle and Sebastian, João Omar, Lenine, Caetano, Moby, Patricia Amaral, Turíbio Santos, Beethoven e Antônio Cícero.

Quero recomendar um livro que li neste ano já passado: 'O silencieiro' de Antonio Di Benedetto.
E um filme, Estamira (na verdade documentário - reflexão política, humanista, ecológica, de gênero, de linguagem, fenomenal, fenomenológico!)

Enfim o ano acabou em nós. No mundo seguem as estrelas, eternas, etéreas...

há mais a compartilhar, mas deixo o ano

acabou. e agora, josé?

um pouco de bela construção literária...



Para o sábado, se não lhe parecer mal, repito o convite para o circo. Essa noite, se o senhor aceitar, jantaremos juntos.
A água voltou na minha casa (Não é isso o que quero festejar.)
Enquanto escrevo ao senhor, parece que atrás se desenvolve uma batalha entre a Idade Média (ferros) e o século XX (motores). Já sei: é apenas a oficina, que trabalha.
Se realmente o senhor não sulfurar, deve ser somatotônico (dado à ação e, por fim, favorável ao ruído), ou então viscerotônico (sentimental e sociável, que o tolera).
Eu e Stravinsky somos cerebrotônicos (intelcectuais e afeitos à solidão e o silêncio). Stravinsky trabalha em quartos de paredes acolchoadas, para que o ruído não entre.
Do seu quarto vejo o varal onde estava o paletó com a lapela arrancada. Lembro que me deu esta imagem do senhor: um homem dilacerado, embora eu ignore o que o dilacere.
Soren adverte que a existência dilacerada deixa o homem na zona de contato com o divino.
Tenho de continuar minhas vendas. Até sábado.
Escrevi muito?” (O silencieiro – Antônio Di Benedetto)