domingo, 23 de dezembro de 2012

entre o ser e o nada


Se o poema morde a isca vira peixe,
se é você quem morde vira jornal
pra embrulhar sardinha em dia santo
e chatos em noite de carnaval.

A notícia de ontem era verdade?
Sim ou não de velha jaz morta
e nem por hora deixou saudade.

Já o verso inverte o instante
e quando expressa um grito no mundo 
te lança feito feixe de luz, adiante.



domingo, 9 de dezembro de 2012

emergência


O juízo foi tomar
um banho de mar
e mandou pastar
toda a monotonia.

Não se cura uma febre
com cobertor
e nem é pela porta
que se sai de um grande amor.

Nascemos lendas
e morremos saudade

enquanto
os olhares conspiram paisagens
em metades nunca percorridas
insinuando entre fagulhas
acasos com menos verdades.

Alegria é presente
nadando contra a corrente,
lição de vontades.

Quem sabe

se o certo é certo,
se o que nasceu vingou
e se pra cada cura
vale-nos deus
um novo ardor?


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Em tempo



Ao lado do caminho, percalço
Acima do deserto, solstício
Abaixo da multidão, um poço
A cinco metros de todos, um passo
Que se estenderá por ruas desertas
Até se apagar num indefinido adeus

De dentro dessa quinta-feira, sentido
De estar acordada, madrugada
Ao te saber no palco, enterneço
Meu avô morreu de velho
E eu nem sei se amanheço

De quando em quando, um gozo
Quando não corpo, verso
Se falta prosa, contorno
Se falta em dobro
desconverso



domingo, 25 de novembro de 2012

terceira margem




já é quase outro dia

e eu ainda sem dormir
presa moribunda 
de uma insônia sem fim

ouço lá fora

uns primeiros passos
na rua coberta de neblina

me levanto ligeiro

e pela fresta da janela
avisto definidos
tornozelos

reconheço Zefa

com a mesma saia retalhada
onde inda ontem
enfiei meus gloriosos
dedos

mas onde vai tão cedo

e nessa pressa?
certamente pulou
dos fundos a cerca

não me aguento e saio

sorrateiro ao seu encalço
me escondendo à distância
na névoa gelada da madrugada

meia calça rasgada

puta que pariu!
como pode tão cedo?

ela desconfia e olha pra trás

eu me escondo num poste
porém sabendo descoberto
me revelo

ela grita e corre

eu estático permaneço

dou trégua de uns minutos

mas vencido pelo mesmo ímpeto
cego a me tirar de casa
sigo adiante encoberto
pela cúmplice fumaça branca
do tempo

ela vira a direita

e pega a viela que dá no Chico

Nhô Joaquim me cruza a rua

"Mordida de formiga
na cama, Juca Dido?"
eu sem responder sigo
ele se vai sem tino

desço o beco e

do espanto uivo um grito

Zefa se lança do mirante

mas antes me olha penetrante
com a cara inchada do murro de ontem
bem quando toda a neblina
por um sopro do diabo
se desfez

ela surge das águas

após o mergulho
e nada pra outra margem
lutando em fúria selvagem
nunca a vi assim tão brava
contra as correntezas do rio

do outro lado 

um barquinho de pescadora
com uma velha senhora
a resgata

agora já não mais me olha

vai-se embora
e eu de cá a gritar feroz
até o barco se perder de vista
volta aqui Zefa volta aqui

na beira do rio sem passos 

ficamos eu e seus longos e
vermelhos 
saltos altos.



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

modo de usar





Essa é a hora mais fria na cidade,
a hora em que na roça os galos cantam
e aqui de tão deserto
nem tanto já mais
se ouve.

Assunta isso, quando o dia nasceu chovendo
não trouxe junto a tristeza como chumbo
a sufocar a aurora com sua iníqua
falta de sentido,

esse peso morto
é seu e não
do tempo.

O que palavra diz não é dito
é coisa outra sem sentido.

De cá se vê lá embaixo
os primeiros traços
de gentes tomando a rua em assalto
indiferentes ao seu modo e estado,

descem da Pedreira
pra dar à cidade sua lida
enquanto inda sonham
com o calor do amor
- acreditam que tudo possa melhorar
e traduzem esse desejo em ato.

Alguém já se levantou
no apartamento ao lado,
côa café e tudo pra trás
deixou de elixir
essa brisa inda fria
que atravessa a janela
e te inspira um langor,

cuidado! Talvez seja sono
não nostalgia, vá dormir
e aprende a ler a pele
sem fantasia.

Todos os muros se esfacelam
agora ao redor do corpo
quando toma a cama
e nesse rio branco
lembrança embrulha e embala
saudade.

Chegou a hora de se perder
e se achar num corpo novo
que reconheça seu
inventário de afetos
como prosas sem contrapesos.

Na torneira da cozinha
a água goteja
insistente

e só agora escutas,
quando um oceano se perdeu
indiferente.

Aprende a ser reverso,
junta os pedaços de concreto
e telha altivo o dia
com signos menos enrugados

de invernos.

domingo, 7 de outubro de 2012

terra entre os dedos



O que quero digo o que sinto largo 

não anseio fatos
nem acumulo acontecimentos
o que não faço escrevo
o que não cresço invento
emolduro línguas entre vozes e silêncios

 Mas as vezes extrapolo e grito

faço o que não devo escancaro o dito
me desfaleço em verbo
desestruturo o vácuo
me lanço nua e vazo
digo o que pede o intento

Moro na pedreira e nem por isso, pedro

pensar é estar sendo
enquanto atravesso o centro

Por gastar palavras mil poetas cairão


Meu estado é de ouvinte,

condição de mendicante
mas um dia acerto o lixo
e dele erijo melhor léxico 

Não saber onde ir

indé melhor que certeza errada
se não há caminho certo
me doura a lua
e se todos me levam avante,
adiante

De querer ser coisa é que coisa

esquece de ir sendo o que não se sabe ainda
e enformiga a pele em delonga espera,
incapaz de um talvez no fogo

Prefiro estar entre tantos

do que entulhando esquecimentos
 
Essa vida está velha
e se não se pode conceber outra
senão nesse mesmo plano
peço licença para fundar um Ato

destemor 

desmantelo
desespero
desmascaro

Estou viva!


inda essa boca de flores

inda essa cólera de sangue

Enquanto lá fora 

um mundo que me espera
e já não reconheço
me oferece um cale-se
- recuso o copo e me oferendo

Já parti dez vezes desde antes daquele dia

e nenhum caminho dissolve a memória
apenas anuncia prelúdio distante

De passaporte na mão

para atravessar a próxima fronteira

Amo sempre com muita pressa

porque posso partir de manhã
como Ciça e pra nunca mais
para qualquer cais
mesmo dentro do infinito
onde me aguarde um porto novo
repleto de barcos e navegantes

Sou mulher de muitas vidas
retirante

Mas quando o velho desejo me toma

já não mais atendo
aprendi a discernir o canto 
do um sopro tonto de um vício 
lamento


terça-feira, 2 de outubro de 2012



implodir o muro
dilacerar o asfalto
disseminar o vazio
suprimir o dado
lançar a mão na sombra
fazer vazar o jorro
exterminar o medo
dispensar o tédio
a hora
a norma
o pouco






segunda-feira, 24 de setembro de 2012

CIDADES INVISÍVEIS




Filme produzido por mim e Rita Boechat, exibido em Belo Horizonte e em Buenos Aires via streaming no Projeto Cidades Invisíveis no dia 24 de setembro de 2012. Segundo o regulamento, o vídeo deveria conter até 3 min e ser produzido dentro das 24 horas seguintes à inscrição. Por integrarmos o Núcleo de Arte e Ativismo Espanca e lá desenvolvermos ações com a população de rua de Belo Horizonte, optamos por trazer este olhar para a Mostra.












sexta-feira, 21 de setembro de 2012

PORANDUBA TUPINIQUIM



A ATEBEMG – Associação de Teatro de Bonecos do Estado de Minas Gerais acaba de realizar o Projeto Poranduba – Roda de Contos Indígenas com Bonecos, que apoiado pelo Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2011, desenvolveu ao longo de dois meses oficinas de criação e confecção de bonecos e montagem de espetáculos baseado nas histórias indicadas pelas comunidades indígenas dos Guaranis, Tupiniquins, Pataxó, Caxixó e Hãhãhãe nos estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Convidada pela ATEBEMG, eu estive em Pau Brasil, aldeia tupiniquim localizada no município de Aracruz/ES, fazendo o registro fotográfico da vivência dos grupos de teatro com a comunidade. 

 
A publicação deste trabalho está postada na minha página "Palavras sobre Coisas". Para conferir, clique aqui

domingo, 19 de agosto de 2012

VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO




...O sertão parece um só de cabo a rabo, em suas dimensões geográficas, lingüísticas e históricas, do linguajar inventado pra dar conta das suas rachaduras ao tempo que parece estacionado na hora mais quente do sol. Ali consigo respirar o mesmo ar de Guimarães, de Graciliano, de Euclides da Cunha, o mesmo sol abafado, terra trincada e trejeitos da seca impressos num desmascaro que eu deposito ainda como herdeiros do Cinema Novo...


Nova publicação minha em Palavras Sobre Coisas. 

Clique aqui



sábado, 18 de agosto de 2012

ÉLAN




o mais extremo pode ser o mais provável, uma desaparição em teias de significado tecidas à própria mão. por isso nem sempre retorno das minhas viagens, posso ficar por lá, pois o que vejo não está grifado no que borda a sua língua, mas na minha fome dela, sentido unívoco em instinto antropológico prenho de lógica e realidade. um homem sentado a escrever absorve a memória e o pensamento de uma mulher. a visão se faz pelo fora e dentro deste quadrado um homem que escreve será sempre um homem que escreve, uma projeção de luz na sombra em noite sem lua, sem poética, sem metafísica, sem nada. um deus da criação. a mulher traz uma polaroid e registra os tons de cinza do homem. quem come quem nessa história? eles abdicam de toda filosofia ao negarem entender. antropofágica, ela rasga suas letras, tritura em seu sexo a prosa concebida em etimologia de silêncios. fotografia de escuros. não somos seres cartesianos e sim selvagens em mil possíveis nós, uma categoria plena em carência sensorial, vazia de personagens mas cheia de encenações. image made. em síntese, bípedes que amam tomar chuva mas erguem templos ao Sol, narcisos e obsessivos pelo semelhante - por isso a gênese do barro: bichos guerreiros e egoístas cavernosos, mas inventivos e imagéticos. o homem pára de escrever. a mulher está estendida na cama mas se levanta em recusa a uma posição meramente passiva. ela é índia meio branca meio afro. e ele leão escorpião sagitário. 

milênios antes de tudo. 




quarta-feira, 15 de agosto de 2012

PERCURSO DE SERPENTE




Andei por vertente de terra
com o peito nu a furar
jorro bravo de rio
contra a nascente.

Estava tu lá,
jagunço destemeroso,
tal a força das águas
desde longe a cumprir sua sina
de travessia na seca,
desdobrando o longo corpo
em afluentes.

Encurvei meus braços em seu tronco  
e nele cravei meus dentes
amolados como um facão enferrujado.

Rasquei sua veia,
bebi sua seiva
amarga
e deixei de lutar,

agora entregue ao sabor
do vento,
ao caminho do mar,
ao movimento livre
de Opará.



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

SER-TÃO FOTO VIDEO



Torno pública a minha mais nova página de fotografia, espaço compartilhado com Rayza Lelis, parceira de trampo

Para conhecer clique aqui.


sábado, 28 de julho de 2012

O ESTADO DAS COISAS



De tanto que observo me toma uma visão

em que o ipê da Liberdade,
despido, magricelo, carrancudo,
tendo como fundo Niemeyer
curvo, preamar, arco-íris
esconde olhos
de janelas recém acesas do entardecer
íris de voyeur reticente.
Me toma cobiça aquela vida de olhar de cima
tão classe-média, contemplativa, literária
ao contrário de mim,
transeunte da praça, de olhar
baixo, sonhador, proletário.

O meu coração parece grande, mas é líquido
e derrama fácil fácil
quando
qualquer um diz que me ama
– eu me apaixono como água.

Vejo agora deste ponto da mesma praça,
debaixo da árvore sem nome,
o moço-negro-da-flauta tocar clube da esquina
enquanto um casal se beija e me mata de inveja
– vou até santa tereza nos tempos da centelha vermelha

Acredito que posso reter este céu
lilás estrelado de palmeiras
e dizê-lo a qualquer um
com qualquer palavra
– retenho o que vejo para que vejas através de mim.

isso mesmo: a utopia existe e se renova

Então não é por muito que me deixo,
mas pelo ínfimo. quase me atropelam.
Dú sempre diz pr'eu olhar p'ro lado
“vais morrer atropelada!”
Estou com má digestão do mundo
mas como fazer, Maiakovski,
na falta da primavera?
Fabinho diz que vou surtar,
pra ele ando pisando em nuvens.
Como deve ser o caminhar?

Enquanto não sei,
soletro:
ô vida besta, meu deus.




sexta-feira, 27 de julho de 2012

CURTA PRODUZIDO EM BELO HORIZONTE







Personagem: Eleni Kouklanakis
Argumento, direção, produção, fotografia e montagem: Fabiana Leite
Assistência de fotografia e produção: Matheus Augusto e George Neri
Produção e still: Moacir Gaspar
Música: cedida por Makely Ka



quinta-feira, 26 de julho de 2012

FILHA DA CHAMA



fecunda novos dias enquanto a linha imaginária do horizonte oscila entre ciladas paridas de velhas fogueiras, porque não nasceu aqui. o corpo é pó de velhas bruxas já queimadas. de desprezar antigos sensos de realidade é dada a vivência sem freios entre desatinos sempre renovados. seu próximo livro irá se chamar Neblina. tudo o que vive é falso como este seu olhar lânguido de vinho a idealizar outras paragens. num filtro entre dois sentidos, a bruma do pouso, a curva da transitoriedade. a gosto deixou teu corpo descansar nestes lençois de julho e depois escorrer anônimo feito luz rasa pela fresta embaixo da porta.

Acariciar esta noite em teus braços, 
quermesse prevendo escoamento, 
bazar de lendas, 
esquecimento. 

faço as malas. posso partir amanhã ou depois e partirei decerto. se quero o silêncio calo, se quero o oposto grito. ficarei por hora em mim, expurgada do fogo, lira branca extraída de uma palheta suja. a espera não é mera busca, é breve certeza nonsense, vestido rasgado a mão por desejo impensado, felina de rua varando a hora sem eira nem beira. disseram haver firmamento, mas a felicidade da aurora é fria. ah, quisera ser aquela imagem sobre a colina. 

vai chover.
e se não há vida na terra
na hora da queda d'água
pra beber o que manda o céu,
escorre água doce
a se salgar no mar. 




domingo, 22 de julho de 2012

GRANDE HOTEL




Viviamos num quarto e sala do Malleta
sem geladeira e fogão só um colchão
rodeado de livros e cheios de vícios
como dois errantes vagabundos

no Xok Xok a filar cerveja

tudo durou pouco mais de três eras
vivi e morri 7 noites 5 horas 100esperas
no amor. so what?

comia poesia.
pois Zé,
também pudera...





ATÉ A ETERNIDADE






Você entra no meu barraco
faz festa no meu terreiro
e depois sem cerimônia
se manda nessa alegria?

eu juro que não queria
cair de quatro a cada passo
mas se você mudar eu mudo
se você casar eu calo

como pode se orgulhar
de desfilar com essa vadia?
um dia você vai voltar
vai se rastejar

e eu vou te esculhambar
vou te maldizer
mas vou te socorrer
vou te perdoar

e iremos nos casar
na igrejinha da serra
de frente ao mar

Aninha será nossa madrinha
Padre Fábio dará a sua bênção
depois disso um filho e outro
até chegar a menininha

e se mesmo assim não aquietar o facho
eu juro que te lasco todo
eu juro que te mato
eu juro que te mato.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

VIOLETA FOI PARA O CÉU




Nova publicação minha em Palavras sobre Coisas, uma pequena crítica sobre o filme biográfico da artista chilena Violeta Parra. Clique aqui.



terça-feira, 10 de julho de 2012




o homem cruza com trôpegos passos a noite.  dela deriva uns uivos de vento. adentra um atalho de pés descalços e pisa espinhos amontoados de cactos. junto vem sentidos de cego. fareja uma voz ao longe e pouca coisa o apavora, restos de aurora.

-       De pé.
-       Eu vou. Não diga mais.

um passo é dado. obscura expansão, transfusão de si. sangue gasto no outro. o horror metafísico do desconhecido se esvai com o olhar e nada ver.

- Os teus olhos, Fausto,
Não mais chorarão.

-       Agora. Que é que estás dizendo?
-       Nunca acerto no dizer.
enquanto me observas
posso engolir todo o vazio
percorrer distancias infinitas
e triturar o que sobrar nos dentes

-       Isso tudo é invento.
-       Melhor parte da vida é esta
que se pare por mera falta de acontecer.
-       Ponha-se nu.
-       Estou nu.
-       Então vista-se.
-       Feche os olhos e vestido estarei.

Se há realidade
Se há ser
Se há fato
Se há lucidez
Donde reside a loucura?
Nas vias escuras do amanhecer




quinta-feira, 28 de junho de 2012

diâmetro



De corpo aberto feito brisa de amanhecer
se estendeu no outro até sol de horizonte
queimar e dourar a pele
em imersão de vertigem,
miragem

de tudo quanto se presumia raso


intempérie reincidente
caminhada de retirantes

se misturou num segundo
o mar e o escuro, o dentro e o fora,
a luz e a lógica
o porto a árvore a fábula a lagoa a senha
e desfez toda espera

porque quando o desejo por semente
brotou do útero e jorrou nascente
não era do ventre que surgia o invento
era do desmantelo do momento


domingo, 27 de maio de 2012

Marcha das Vadias - Belo Horizonte














Para ver mais fotos clique aqui




domingo, 20 de maio de 2012





a borra na xícara ainda suja
desenha um corte no rumo 
desejado e antevisto

queda enquanto procura
se elevar, precipício

temendo anunciação cega dos astros
a mulher mete o dedo na chávena
e apaga o destino de toda certeza

grão torrado na hora
excita mais o paladar


quarta-feira, 9 de maio de 2012



enquanto fora o caminho se abre lento como um velho jacarandá rasgando sem pressa a terra para deixar fundar raiz, dentro tudo se desprende. debate-se em mil fogos. impossível se alimentar de uma fruta trancada no armário. quem dessas alices a tomar cálices de tamanhos variados terá a verdadeira dimensão do eu? ou nos nutrimos de grãos de esperas nunca saciáveis? depois de um certo existir se toma consciência dos ciclos de queda como vício por valas. há quanto tempo rumores de intimidade nunca experimentados? ausente de si e fixa no ego, colada à própra pele como se dispersa do mundo, do ar. estava lá, mas ausente por dias. seu corpo o sabia. olhos abandonados no esforço de uma procura vã. e a noite se via suave da pequena janela amadeirada. era preciso tornar a visão mais corporal. processos subterrâneos desatolando espelhos rachados. afluxos. o que há de verdade em tanta pulsão? recuo, retaguarda, desordens. à procura de si, impossível apropriação. cair é tudo? não. eis que é chegada a hora do plantio. é possível ser mais do que esta engrenagem, ser mais dos que estes olhos, estas mãos, estes pés, esta boca afoita por palavras. romper a apatia dos medos e das cercas. respirar e ser outono quando outono, inverno no inverno e colheita pro sertão. o que faz sentido e o que se deixa desfazer quando mergulhadas as mãos no calor do amor? longe vai para tentar descobrir e se desfaz de cadernos para tentar entender. escrever nem sempre descomplica os exteriores, as necessidades, o estar infundido. no fundo mora um estado de ser prisioneiro. e onde habita a liberdade? as paisagens testemunham as nossas celas. sim, mas no entanto já não existe fevereiro. amputar os entorpecimentos, respirar o outro e retornar. ah, avistar campos de trigo mas não saber torná-lo pão.



terça-feira, 8 de maio de 2012

Vida é Sonho - Renato Torres





Videos do Show Vida é Sonho, de Renato Torres, que produzi em Belém.


domingo, 15 de abril de 2012


 
o hálito de vinho da noite no terreiro se estende da boca ao corpo inteiro. intacto. embriagues em excesso de letargia como um navegante em canoa de peroba rumo a ítaca a se deixar guiar por céu nublado. pescador de tufão, peito nu banhado em sal. no tapete do salão um violão estende canto pra orixá aquietar os rumos incertos d’um coração, deserto sem provisão de ventos, estrada. a percussão faz soar um rasgão de céu. sensação de faltar mãos toma o pulso, um murro na madrugada, espada. quem te livrou de tanto mal em noite de pranto, acalanto, rio sem ponte, estiagem. o som um estertor, arquejo de fome. este caminho é dos que afundam quanto mais se nada. passa alfazema, se benze com erva e beija a mão da santa - reza não te livra de males mas distrai dos pensamentos, dá passagem. enquanto a moça dança o cantador afaga as cordas e olha os pés bonitos dela no chinelo de couro a tirar poeira do chão. arrumação no peito é deixar vazar segredos, rasgar a alma e se entregar. água que nasce na seca morre antes de conhecer o mar. coração de retirante é calmaria que antecede pororoca, banzeiro em equinócio. a madrugada se estende vazante de semente, ruína, escombro. comitiva de oximoros, pés descalços. tú caíste de um ninho, passarinho de olhos grandes amedrontados. parece grande, parece forte, mas é menino. tem medo de que? sombras de pressentimentos, sombras. átomo a tremer. medo de que? sorve essa pena, absorve essa dor e arrebenta. corre dentro da veia sólido desejo, deixa escorrer o afeto, deixa sangrar um afago. ninguém cai só quando quer. se quer ir, vai - ninguém é sem saber. mandinga de amor, se é pra doer, dói.




domingo, 25 de março de 2012

transcendências




No principio era o Indivisível
inseparável do eu até o ato da criação,
que da desaparição do Todo
impeliu o Um a nascer.

O fragmento sopro de barro,
penugem de verbo deve esforçar-se,
posto agora como parte num mundo
amplo e adverso, ao despojamento.

Caído do pleno em razão
busca entendimento com resquícios
de paisagens distantes,
lembranças de antes.

Na terra esforça-se como semente desprendida
por afirmar o que foi depois de deixar de ser –
estado de movimento contínuo e invisível
que assim se pretende e em humanidade alardeia.

Bicho que foi inda antes de si, com
espírito de caverna rejeita o dado e
absorve o mais extremo
como o mais provável:

foge à objetividade rumo à afirmação
de um choque – forma pretérita
conservada lenda viva, manifesta
em rituais de fogo e renascimento.

A ponte é indecifrável
e por vezes basta a primeira infância
para fazer dormir o que
mais tarde ressurge em fendas.

Haverá isso no mundo?
Onde beira o firmamento?
O que é e pode não ser verdadeiro?

Feliz, pensa quem ousa depois,
é o ser do desprendimento
que deixa vazar uma rachadura
do real com o mundo.

Tudo o que não existe
existe.
basta ter olhos pra ver