sábado, 27 de março de 2010


se algum dia você qualquer coisa assim
um movimento, um verbo, uma valsa,
uma palavra errada,
quase nada
qualquer coisa,
se algum dia você assim,
Hein?
nenhuma importância para a polis, etc e tal (?)
o futuro do mundo, a preservação do planeta, a floresta amazônica... (mentira!)
não é você quem vem, nem sou eu quem vai,
são os ponteiros que não cessam de correr, nem as estrelas de cair
- uma acaba de tombar do caos, obscena. (menos luz para o infinito)
o sono começa a embaralhar toda a órbita
e amanhã talvez já não exista tempo.
(será tão difícil entender?)
o trânsito silencia no meio da zero hora – por favor,
não diga mais nunca mais nada. dor de cabeça. hora do chá.



sábado, 13 de março de 2010

reminiscências



sou capaz de morrer. pulo do alto para experimentar asas, mas se a velocidade da queda abala minha respiração, paro. me agarro numa janela. de dentro, um outro, estranho, me assiste, quer ver a minha queda. ou, quem sabe, me estender as mãos. o sofrimento não cabe em mim. então estamos bem assim, neste intervalo. é exatamente aí que é possível sermos: na ausência de pesos. mas é um paradoxo... não ter à disposição, o mundo, quando o quero. deixo de querer. só desejo o possível. mas também por isso, aos doze anos me tornei vermelha: porque o impossível também existe, e serve para fazer caminhar. sensações se sucedem numa velocidade estonteante, mergulhando-me em águas nem sempre cristalinas, obrigando-me a lutar para ver e respirar enquanto esta mesma água densa e quase cinza, me aquece num calor líquido e me faz desejar a permanência. relaxo o corpo, deixo de lutar e percebo que assim, sem resistência, sobrevivo porque meu corpo sobe à borda naturalmente, trazido pelo oxigênio que ainda há em mim, mesmo que agora eu lute para me manter aquecida dentro, náufraga. o meu corpo sabe mais de mim do que eu mesma suponho saber. ele se manifesta sem que eu saiba, ele é, integralmente, minha anima e se manifesta em cada ínfimo ato. o olhar diz, a boca olha, os dedos respiram, o ouvido grita, as pernas escrevem, a pele pensa, a voz cheira, a saliva pulsa. e meu pensamento quebra tudo. é preciso não pensar, só ser. deixar o caos formar o cosmo. deixa eu ficar assim, convencida de que as águas são calmas e meu corpo se mantém sobre elas com o olhar fixo na primeira estrela que surge no céu noturno. tento fazer um pedido, de olhos fechados...






sexta-feira, 5 de março de 2010


A música surge num trecho já distante da jornada, como elemento diegético da narrativa, para fazê-los permanecer, por algum tempo, voltados cada um aos seus próprios sentimentos, às suas peculiares lembranças, às suas distintas significações, dadas ao caminho que até ali se deixaram conduzir. Ele escolhe uma música instrumental para preencher o silêncio e temperar o vazio, como se no ambiente deixasse de caber somente os corpos, como se necessário fosse substituir as palavras por uma forma mais abstrata e simbólica de linguagem, como se rendidos estivessem, desarmados, entregues à melodia do caos.