sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

32 de dezembro.


esse número existe e será amanhã. 11.732 dias do nascimento da mulher que na ocasião estará sentada diante de um computador ainda divagando sobre os rituais de passagem, como aderir a uma coletividade, ter um filho, romper com um amor dilacerante, abandonar um caminho, instaurar outro... e uma chuva rala arrasta o que resta do trecentésimo sexagésimo quinto dia, ainda sonolento, para dentro do bUeiro. somente a artesã está acordada e o tece nublado, capaz de recompor a febre da humanidade, antes dela cair novamente na noite. firmado com a cristalidade de uma gota, o dia cai da árvore e embaça os óculos do homem melancólico que passa com as mãos para trás, embaça as luzes amarelas do poste, deixa demorar mais as casas em cuspir as suas veias para a rua. falas de desapego? não estás aqui por afeto, mas jogado à mercê do tempo e uma curva mal inclinada no asfalto é capaz de lançá-lo no fundo do vale, assim, como se não houvesse uma festa bonita preparada para você à beira do mar, então dirija devagar. mas ainda que esteja viva, o mar não terá o privilégio dos pés da mulher-que-escreve quando perceber o último fotão de luz do femtosegundo sobre o qual reside o fim do ano. nesse instante sagrado estará ela, a mulher-que-escreve o dia nublado, dando de comer ao cão do seu vizinho, no fundo do quintal, porque ele viajou e a deixou nesta obrigação, cumprida com gosto por quem não se importa, apenas se lembra, de ser este um dia sagrado para os de fora de si. ela olhará para o céu e ele terá algumas estrelas à vista, apesar das densas e possíveis chuventes nimbostratus. então ela abandonará o quintal, o cachorro, as estrelas e correrá para o computador. faça-se chuva! e a chuva será feita.

"eu escrevo a meia noite porque sou escuro"(c.l.)


terça-feira, 28 de dezembro de 2010

janeiro


o mundo, um grão. gigante é o corpo e tudo o que cabe nele além dos seus cabelos. de repente tudo parou de doer e só ficou de você este olhar projetado sobre uma viagem que faça rodar o mundo e as pessoas num reordenamento de territórios e liguagem. é apenas simbólico, sim, é apenas simbólico o seu jeito de olhar, o seu jeito de tocar, o seu jeito de projetar o corpo enquanto pensa a próxima frase, mas por favor, respire antes, respire...
você cuidou da dor, mas a carne mais se feriu. o que dói ainda agora é a certeza de mil sonhos e ainda a espera pelo trampolim. há circularidade no mundo e ela se manifesta dentro da sua cabeça, recorrência de desejo e vazio, como uma criança na montanha russa, como um erre sem fim. resta pouco tempo para tudo, mas ainda é suficiente o (tempo) que resta, então corra (lola) corra., todo o novo já está velho porque o que se busca não é o que se afirma não nascido, mas algo já sabido, simples e mil vezes pronunciado. chão rochoso. o céu desaba em azul na sua cabeça. você molhou a flor, mas ela nasceu morta. e o azul não a agrada, não significa nada, te prostra na espera por morfeu. pós tropicalismo. o que há depois de glauber, o que há depois de varda? o ciclo se fecha, o ciclo se abre. você se empenha em ser melhor, mas o melhor parece atrás, um sonho infantil esquecido na bolsa amarela, na ilha perdida, nos escravos de jó, na boneca de pano, no elefantinho amarelo. queria o mar, mas os de janeiro não, de bichos estranhos de branco, vaidades e transcendências. admirável mundo novo, laranja mecância, planeta dos macacos. tudo parece atulhado, atormento, som de acufeno. buscar o seu lugar no centro do que não, numa fenda. admitir o máximo de covardia e coragem para fazer parir o seu novo. janeiro disse que já chegou em mim.

domingo, 26 de dezembro de 2010

ode à menina do rio


amanheço

invadida com o pensar numa forma.
os seus escritos,
quase lidos por sua voz - silenciosa
depois de navegadas
as palavras
no leito do rio,
passam feito água em curso
derramadas em ser tão.


que bom seria se.
pequena visita -
compartilhar leituras,
textos íntimos,
chá de maça com canela,
banalidades...

guardo-a em mim.
amiga distante
de uma rara fidelidade
eleita na dimensão sacroprofana
da literatura.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sinal dos tempos

(foto por tcheus)

dias de inferno. o calor parece com as sensações internas - queima, fere, maltrata ou torna os sentimentos mais passionais, quase fatais. nesses dias pode cometer loucuras como escrever nas paredes internas do quarto, inteiras do corredor, acabar com a caixa dágua (crime ecológico bárbaro - urbanidade seca sedenta de rio), quebrar o asfalto a machadadas pra deixar a terra absorver um pouco do sol ou assaltar um picoleiro pra mastigar gelo até a noite resolver fazer sumir o fogo. "me vê dez de coco queimado". ô vontade de
oceano agora no corpo, com o olhar fixado num asteróide gordo... mas o mar em janeiro assusta de multidão. ficará em casa bem perto das macieiras, agregar amigos e oxalá criar uma sombra, colher uma brisa, molhar o terreiro, brotar uns sonhos. melancia, hum... de tanto andar, de tanto amar, a pele sua, a nuca se molha. os corpos nus que, raros, transpiram, agora se afogam no chuveiro. verão é tempo de amor de ducha. tira as panelas das grades, esvazia a geladeira e senta dentro. puxa e fecha a porta, encolhendo o joelho. posição de triste. só é possível pensar direito com a carne fresca.


sábado, 4 de dezembro de 2010

LAISSEZ-FAIRE



Enquanto isso, a retomada de território sacramenta o maniqueísmo e atesta o gozo coletivo alheio aos poréns que antes de serem pessimistas, problematizam o ego nefasto da violência. O problema não é apenas querer interromper uma ordem destoante e violenta presente nas favelas, mas impor uma falsa idéia de que uma ordem destoante e violenta será interrompida, quando se sabe que apenas recomposta, como peças num jogo de xadrez, porém dessa vez institucionalizada. Violência e injustiça social não se cura com a produção de uma guerra. Foram presos a irmã, o cunhado, o sobrinho, o bisavô e o papagaio. Nesse ritmo, rapidamente nos igualamos aos EUA, país que mais encarcera no mundo, hoje. Qual o problema, perguntarão alguns, "pois que seja!" O problema, cara pálida, é que a proporção do aumento do encarceramento no Brasil, a cada ano, nos leva a crer que teremos em 10, 20 anos mais da metade da população do país encarcerada, uma vez que a resposta que se busca para todos os problemas sociais passou a ser a criminalização e o encarceramento - tudo aquilo que um grupo considera inconcebível (mais pela suas fortes tendências de moralismo exarcebado e intolância do que por sentimento de justiça e busca real de solução), se propõe uma lei penal capaz de (falsa, burra, cega e hipocritamente) conter o infortúnio; o custo disso?: para abrir uma vaga de prisão o estado gasta cerca de 15 mil reais e para manter uma pessoa encarcerada, 1.500, 2.000 reais por mês (quando falamos de um menor infrator, esse valor chega a 5.000). Enquanto isso muitas vozes gritam ser um absurdo qualquer programa social de distribuição de renda, sob o argumento de que 200, 300 reais por mês para famílias em situação de miséria, são mecanismos assistencialistas incompatíveis com o laissez-faire (a velha máxima egoística e cínica do peixe versus anzol). Aqui não busco identificar o problema da violência urbana meramente como fenômeno a ser resolvido a partir de políticas de cunho assistencialistas. O erro primordial, relativamente a esta temática, foi de se ter desconsiderado o fenômeno da violência urbana como algo a ser pensado a partir de políticas de segurança pública de cunho emancipatório, inclusivo e participativo, deixando a construção de solução às forças mais sectárias da sociedade. O resultado foi e tem sido a perpetuação de respostas cada vez mais repressivas, violentas, estigmatizantes, enfurecidas, excludentes, numa circularidade sem fim. Sabemos que a causa da violência não é a índole para o mal, e sequer podemos impor esse sintoma como advindo do estado de pobreza dos grupos que a sofrem, mas sim, está relacionado ao grau de desigualdade social a que a população desse país sempre esteve exposto. É surreal depositarem todo o caos que se vê na tv ao tráfico de drogas. E afinal aonde está o mercado consumidor, que não se manifesta? Nessa hora somente a cara do noiado de crack, novamente o menino negro da favela, aparece estampado como vítima do mal. Também impossível é visitar um cárcere sem concluir que este se tornou o pelourinho pós Lei Áurea. Mas... de onde vem tanta arma encontrada nas favelas? Como chegaram ali? Quem as disponibilizou? Quem produz arma e quem ganha com uma guerra? Para nos convencer da salvação, testemunhas da violência do tráfico são apresentadas com lágrimas na sua primeira infância - agora, com a presença das forças de segurança na rua, é possível voltar a sorrir. Enfim um paraíso se apresenta. É o fim do medo, é o sinal dos (bons) tempos. E os ecos já se fazem sentir em outras cidades, o clamor pela solução total, como se uma vacina houvesse sido milagrosamente criada para nos salvar dos "marginais".
E você está preso à tv. Dessa vez vai! Só restam dois anos para a Copa. O espetáculo deve ser bonito, com direito ao turimo no morro, à vista privilegiada do cristo redentor.


"Segundo a investigadora Vera Malaguti,
o inimigo público número um está sendo
esculpido tendo por modelo o rapaz bisneto de escravos,
que vive nas favelas, não sabe ler,
adora música funk, consome drogas ou vive delas,
é arrogante e agressivo,
e não mostra o menor sinal de resignação"
(Eduardo Galeano, De pernas para o ar:
a escola do mundo ao avesso).



quarta-feira, 24 de novembro de 2010

passagem, com 5 letras


o avião arremete pela primeira vez. enquanto você preenche palavras cruzadas de dentro da nuvem, um executivo tosco imprime vantagens a partir de gazes que deixa vazar por entre os dentes. a noite anterior à viagem a brindou com insônia longa, então desta última poltrona que não reclina e dispersa pelo barulho das bandejas ao fundo, há um imenso cansaço de se despedaçar: deixem-na viver para repousar. turbulência no peito. é você quem sacode as asas desse pequeno avião? as pessoas se apavoram. desculpem-na: promete ser menos intensa no próximo trecho. uma mensagem chega enquanto ainda o piloto tenta fixar-se no chão pela segunda vez. arremeter número 2. o seu amigo tem mania de a descobrir no céu. talvez seja o seu celular o causador de tudo
ou o ato de pensar em ti, do seu amigo. - você nunca acreditou nisso. Atenção: desliguem os celulares! você será presa e torturada e há de penar no purgatório por isso. responde à msg e desliga o aparelho - a desconexão com os que estão colados à superfície pode melhorar as coisas para aqueles que navegam paralelos à circunferência. responde com a palavra harmonia, 8 letras. deste não lugar. um barulho. você aperta o cinto e olha p'ros lados. há um branco terrível que te devora com suas linguas do lado de fora. você atravessa um espaço descontínuo, se dilui no vazio, diz sim ao despreendimento - um dia irá mais longe ainda. quando pousar, estará em outra dimensão, envolta em seres que não conhece e sem resquício de memória ou compreensão de um si. mas a mensagem do celular te faz sentir em casa. você chega a sentir o amargo do café nos lábios, e um calor acolhedor atravessar todo o seu corpo. como você pensa sobreviver à sua própria ausência? firmeza com 13 letras. longanimidade. a tentativa do terceiro pouso parece adiada. o piloto erra a pista, ela agora está distante - vão pousar numa montanha, ou numa sub-estação lunar até as tempestades abandorarem as minas. você pensa em patentear um aspirador de nuvens. tenta dormir. cochila. "minha filha, como consegue dormir com tudo isso à sua volta?", pergunta uma senhora apavorada - do seu olho é possível subtrair o pavor estrondoso da morte, quoeficiente de divisão de seres. você ouve liga sigur ros, com ele a passagem parece calma. o seio metálico que a acolhe luta bravamente com as águas que como rajadas tentam furar a minúscula janela que detém seu olhar. se as máscaras caírem não saberá usá-las, nunca se concentrou nas explicações dos seres de júpiter à frente, sempre soube que numa queda as máscaras só serviriam para a tornar mais deplorável. concentra-se nas imensas massas de ar, elas são mais acolhedoras, de qualquer jeito, do que aqueles que contigo concluem a uniformidade dessa mosca voadora. você tenta se concentrar na inconsciência, fecha os olhos, aumenta o volume do fone. alergia nasal com 6 letras. reles, ordinários, com 3. afinal o pouso foi consentido. solo não eleito. o território é outro, mas você confirma: continua no planeta marte. há tempo de um dedo de prosa com Arthur Dent e Ford Prefect? uma reunião a aguarda há 100 kilômetros de ano-luz dali. avante!

viver é muito muito perigoso.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

romance telúrico primordial ou apocalíptico alegórico


(narrativa já por vezes percorrida)
um quarto de hotel. a leitora toma banho pra batizar o espaço, caminha do banheiro à janela, espia e fecha as cortinas, abre e fecha a porta do guarda roupa vazio, futuca as bebidas do frigobar, tira livros e netbook da mochila, desarruma a cama e se joga dentro, pronta para o vazio que a espera, há um tempo
para se desterritorializar infinitamente menor que a menor das unidades de medida do tempo. percorreu a distância da terra à lua cinco bilhões de vezes para fazer de casa este ponto: cançasso da vasta existência infinita de todas as galáxias. fechada ao corredor do mundo, dentro de si, não sabe o que a aguarda - terror como se toda a verdade sobre o universo houvesse reservado esta ínfima gota de segundo para revelar-se. isso pode significar certa fobia a quartos de hotéis ou o medo da morte, mas nunca teve aptidão para análises técnico-subjetivas de si - consegue expulsar os seus desvarios antes de sucumbir de todo à loucura. (consegue?). alguns quartos de hotéis são banais, como para provar que sua tese primeira, do território neutro e transcendente é falsa. alguns guardam delírios filosóficos. os que parecem insanos lhe reserva horas de leitura e lucidez. outros, moradia compartilhada de dionísio. os mais ousados acordam pessoas mortas. os nostálgicos retumbam amores antigos. templo frio de uma agnóstica viajante. silêncio. mantra. o hotel é o chaveiro de memórias e sensações. você está dentro dele, agora. e o que vê diante de si?


I. é possível substituir hotel por qualquer lugar, o hotel como significado ou materialização da idéia-espaço.
II. aqui se estuda território-e-corpo.

espaço-vácuo
corpo-pensamento

romance da experiência densa


Quando dobra a rua, um odor ocre paira, de onde é possível extrair um certo adocicado típico das madeiras. O homem inspira mais demoradamente o ar, tentando reconhecer a essência antes de abrir os olhos, e confirma a presença de um baú todo talhado à mão, exposto às primeiras gotas de uma tempestade anunciada. O cheiro, ele o reconhece sempre quando da evaporação das primeiras gotas do suor de uma árvore seca queimada de sol. Ele detém a caminhada e mais uma vez se permite o sentido, prolongando o êxtase. Segue adiante, mas recua o passo, procurando o dono do objeto esquecido. É uma rua residencial, deserta. Ele se posiciona perto do móvel, esperando que alguém venha cobrar propriedade. O céu ameaça com uma rajada de trovão, o personagem abre o guarda chuva preto e tenta proteger, mais ao bem encontrado do que ao próprio corpo. Ninguém aparece. Ele se senta no baú, já defendendo a descoberta. Se permanecer por um tempo razoável poderá requerer o direito à posse, segundo as leis canônicas. Um cachorro vira lata o encara de dentro de uma casa, com o focinho espremido no portão de ferro. Seu ódio aos cachorros tornou-se compaixão desde que ouvira as sábias ponderações de Deleuse sobre tais bichos domáveis. Talvez tenha permanecido assim uns vinte minutos, recebendo as poças de chuva dos raros carros que por ali fizeram percurso em velocidade, depois se convence dos seus direitos e tenta levantar a caixa para conduzi-la consigo, porém o peso acusa existir algo dentro, trancado por um cadeado. Tenta levantá-lo mais uma vez, com alguma dificuldade suspende o retângulo e o dispõe sobre os ombros com a testemunha latindo do outro lado. A chuva já molhou todo o corpo e ele tenta avançar mais apressadamente, a pensão não está longe, basta caminhar até o fim da rua, seguir a primeira à direita por dois quarteirões e atravessar a praça. Com alguma dificuldade ele consegue conduzir o objeto pelo fino corredor repleto de portas aonde uma mulher desconhecida, certamente hóspede nova, fuma encostada no caixonete do único acesso aberto, encarando-o quando a transpõe. O homem a cumprimenta com um silencioso aceno de pescoço, ela responde com um sussurro, ele abaixa a cabeça e continua, causando um barulho estrondoso ao deixar o conteúdo das mãos cair. Ele acaba de conduzir o baú ao quardo arrastando-o e imediatamente após deixá-lo num canto, sai à procura de algo para abrir o cadeado, de maneira a não ferir o bem mais precioso - o sândalo bordado. A moça desconhecida o detém, pede uma informação, é nova na cidade. Ele não resiste e a conduz ao Hospital Geral. A pensão sempre guarda familiares de doentes devido à proximidade com a região hospitalar e ele sempre se rende às histórias que ouve, talvez por ser sozinho nesse mundo. Ela precisa visitar o noivo que sofreu uma cirurgia complicada nessa mesma tarde. Ambos tentam se respeitar debaixo do guarda-chuva estreito, porque ela não possui um, mas é possivel sentir um do outro a pele eriçada do frio. O baú pode esperar.

domingo, 7 de novembro de 2010

stonehenge (ou em volta de pedras e prosas)


(Stonehenge, do inglês arcaico "stan
", pedra, e "hencg", eixo,
monumento megalítico da Idade do Bronze)
foto capturada na net




(churrasqueira de fundo-de-quintal,
ao redor da qual uma prosa se consolida e desfaz
em ritual eterno de um baco já cansado)

foto produzida há anos-luz por um tcheus inspirado





hilorojo é o pseudônimo de uma artista que conheci vendendo suas pequenas criações inscritas em cartões de metrô em buenos aires. de toda a multiplicidade de objetos na fera de la antiguedad, aquela menina pequenina, com sua gravuras de tinta guache me atraiu, me reconheci nela, apesar de sentir que ela estava já numa forma de vivência e expressão
iluminada - talvez eu ainda percorra algumas galaxias para alcançar seus traços silenciosos e cheios de expressividade, verdades que me custam centenas de letras pra traduzir. escolhi um.

ela moveu um pouco os lábios, quase pensei que iria sorrir, mas a linha apenas esboçou uma meia lua minguante. abaixou os olhos e confessou: es un autorretrato. es por eso que elegí, respondi. fiquei ali um pouco com ela, sabia que jamais a teria ao meu lado de novo nessa nossa travessia, queria trazê-la comigo e desde sua vinda para essas bandas de cá, ela compõe minha estante de livro, misturada com um pouco de mim. ela abaixo de fantasmas que a rodeiam, como me sinto com os meus. sua obra é linda. visite-a, clique aqui


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pra fotografar a menina-que-habita-minha-estante, fui até a minha fotográfica e acabei por descobrir algumas imagens feitas por tcheus, ali esquecidas. remete a uns pés de encontros, despedidas, nostalgias.











coincidência também porque geo passou por aqui, descortinando horizontes. compartilhamos a exposição de ronaldo fraga, no palácio das artes, sobre o são francisco, clique aqui.


"só navega em suas verdadeiras águas

quem tiver no sonho
um barco de plenitudes
e na proa o céu do imaginário"


bethânia declamando as águas, inscrições diversas que me levaram de novo em pão de açucar, penedo... memória, saudade, quase dor.





no mais, dias de água. o metrô agora tem, dia-sim dia-não, meu corpo dentro. corto meia cidade, desço na estação central e o chafariz está ligado, água nascida do chão molha água despencada do céu. o que é meta-linguagem? a praça sete, sábado à noite, quase-deserta. o antigo prédio, vigésimo primeiro andar, me encara do alto, eu o saúdo com um aceno de cabeça, ele me acusa abandono, envergonho-me de tê-lo esquecido e sigo a afonso pena, debaixo da sombrinha que guarda a chuva de mim. vermelho, só uso guarda-chuvas vermelhos - stendhal, promessa pra deuses líquidos. e botas marrons: meus pés restam secos enquanto minhas mãos úmidas brincam com gotas que escorrem do tafetá de nylon. mês de aniversário. 33 em 22. idade de cristo [espero viver mais um pouco] mas e se eu for feita pra não? leio um livro presenteado. se um viajante numa noite de inverno, de calvino. invejinha de (não) escrever (bem) assim. não resisti: compulsividade - entrei num sebo e comprei dois volumes de simone de beauvoir. mas tudo bem, já li (quase) tudo de literatura que ainda resta na minha minúscula biblioteca. estou em ciclo de leituras. como livros mais vezes ao dia do que pães e grãos. o cheiro de livro velho exala um aroma que reconheço, moradia das menores partículas que soma(tiza)m um antes. sigur rós frui no frio de um quase verão sudeste. o ano já se cansa de existir...










(fotos do são francisco feitas por mim, em viagem com c.)

sábado, 30 de outubro de 2010

AMÉM


"As horas é que formam o longe. O sertão é uma espera enorme. Quem sabe o que essas pedras em redor estão aquecendo, e que em uma hora vão transformar, de dentro da dureza delas, como pássaro nascido? Notícia que se vai ter amanhã, hoje mesmo ela já se serve. Sabia, sei. Como cachorro sabe. Ah, o que eu não entendo, isso é que é capaz de me matar... Amor é a gente querendo achar o que é da gente. Homem a pé, esses Gerais comem. Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. Só outro silêncio. O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais. Mas, por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços. Estradeei. Razão e feijão todo dia dão de renovar. A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação - porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada. Veredas mortas. Chefe não era para arrecadar vantagens, mas para emendar o defeituoso. Se amanhã meu dia for, em depois-d'amanhã não me vejo. Liso do Sussuarão - ali tinha carrapato... Que é que chupavam, por seu miudinho viver? Choca mal, quem sai do ninho." (grande sertão, guimarães)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

CABEÇA DE GENTE



C
urta experimental de 10 min de duração. Um jovem Werther percorre a pé longas distâncias de terra no interior das Minas Gerais. A densa busca do personagem é revelada enquanto uma exuberante paisagem de vales e cachoeiras se descortina. Entre o silêncio e a solidão existe um abismo a ser desvendado. Filme experimental de produção independente que contou apenas com dois realizadores, numa viagem em fuga do carnaval. Clique aqui para assistir ao trailer.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

poeira


falemos banalidades, ora pois. não gosta de dizê-las, mas sigamos ao seu alcance, então, às últimas demagogias depositadas no correio eletrônico, à campanha eleitoral quase fundamentalista, aos conflitos, aos crimes, ao pó, à futilidade dos dias e das horas. deus vota mesmo em quem? e deixemos para o porvir aquilo que não existe, o sentido que move o olhar, as mãos, a noite, o amanhecer, o sonho, inventos melhores do que tudo aquilo até então apresentado como real. deixemos para o além, o depois, o pra sempre, deixemos suspensas em todas as palavras que atrasam o (seu) desejo de brotar, deixemos, enquanto há a reticência, de dentro deste novo escritório de cinzas. suspensão. enquanto seu dedo hospeda um anel a noite cresce para o apocalipse de nós. não é possível crer na unilateralidade. eu pensei. mas quando eu morrer, dizem, tudo vai mudar - um paraíso, três vidas, novos encontros. cidadãos do bem! enquanto finjo acreditar o que é impossível saber, opto pela insanidade do fim, de mim, antes não existir a ter que me incluir entre os eleitos. um voto e. mas quando seus olhos, hum, quando seus olhos... três séculos não são capazes de apagar. lenta, a chuva - há de despedaçar suas cruas e duras resistências. o eterno (de mim) há de fazer brotar um ser de cáctus em nós. deixe-se guiar por esta brisa de diálogo, esse instante pequeno, ínfimo, quase inexistente, pois tudo o que não existe existe. distante... pois é, como dói ter que dizê-las. elas, as banalidades!, quando um rio de poeisra desfalece no são francisco, grita e clama o mar - o sonho da terra de cariranhas. mas o amanhã não nasceu pra ser dito. banalidades sim, sangue, seca, deserto. um mar, um mar em mim... pode ser.

"e se já não sinto os seus sinais, pode ser da vida acostumar."


domingo, 17 de outubro de 2010

mais de guimarães (e muito de além de mim)

porque quando encontrou o Grande Sertão, o infinito dele se mostrou transbordando as cercas que hão bem dentro do que carrega no corpo. minas é palavra inventada pra se curar de si, de fá, de dó. bahia mata a gente de desejo e solidão. café depois do vinho, depois do vinho, depois da prosa, depois das mãos. o passado dos dias são passado, vão em fila pro ser ser tão. conquista tem belo horizonte - salmo lido de dentro das nuvens, cirros escassos. a promessa está no céu? o planalto a deixa lúcida e seca - esquecimento (e) cura - ministério, reunião. sertão é fora da gente.

caça as bruchas. a-bor-to. xiii... falem baixo!
che, de que lado tú estás?



"Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir.
Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor.
O que eu quero, é na palma da minha mão.
Os dias que são passados vão indo em fila para o sertão.
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa,
sem perigo de ódio, se a gente tem amor.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Aqui é Minas; lá já é a Bahia?
Estive nessas vilas, velhas, altas cidades...
Sertão é o sozinho.
Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão.
Sertão : é dentro da gente.
"


terça-feira, 12 de outubro de 2010

(des)conquista


reverência na chegada,
saudosismo na partida,
neste hiato
de território e tempo
que se abre e fecha
quando dentro de conquista.

sempre a mesma madrugada fria,
céu lilás de ventos e uivo,
silêncio das bocas,
grito dos bichos,
ruas desertas -
ponte pros loucos.

um vai e vem de lado a outro,

quintal de rede e romã
pinturas novas, quadros da tia
abóbora com casca, muqueca e pirão

no violão o primo toca
enquanto pita
e boceja um verso

essa noite,
desde os primeiros sopros da terra
palco de querubina triste
e ânsia por um (des)encontro

FERIADO



está ainda bêbada, não exatamente bêbada de bebida, mas bêbada de acontecimento, completamente embriagada. a noite dura até de manhãzinha, quando ela já quase se não suporta. são dias lentos e intensos, com tardes longas que não se findam, desde ontem, numa espera de calor quente e hora quieta. comidinha boa, dá vontade de ficar, mas o dia de amanhã já guarda um vôo pra capital federal. drummond e clarice, por favor... parte pra quando? e os anéis de saturno? - ele não respondeu. ela sabia disso, mas ainda sim quis perguntar. a história é cíclica. os anos não servem para muito, só pra torná-la mais rarefeira. promete a si, sempre, estar inteira, mas esse vinho, meu bem, a deixa meio mole. uma jornalista da folha foi demitida por emitir opinião crítica sobre a classeA. isso enerva o sangue de um. tragédia do tamanduá. morte certa é no sertão. mas hoje não consegue ver muito claro. espera, espera. o quê, necessariamente? o dia passar, apenas, porque a noite está mais fria, respirável. queria pedalar, mas a preguiça não deixa. é bom feriado assim, que parece infinito, não acaba nunca, dura o sentimento do mundo, solidão de mil anos. chega paulo e se estica ali, numa cumplicidade de prosa e de se fazer calado, chega tio gildásio e come uma canjica, contado a vida de ser artista, e aí está jú, dando de comer pro pequeno jabuti. sabe não poder esperar nada, mas ainda assim espera um céu com percurso longo. e agora quando? três anos? três vidas? três tempos? tempestade. depois do furor, silêncio. a partida é sempre do lado de cá, bem como a busca, bem como a despedida. quando poderá respirar sem o peito arder? há molde certo pra cada percurso? está dito em cada olhar. ela não tem nada a dizer, mas disse muito, tudo que podia criar de linguagem ali. quer viver e morrer assim, em despudoradas escritas. viver é muito perigoso. essa noite existiu? ou sonhou que viveu demais? sonhou que não dormiu, suspensa do chão, mascando cenoura enquanto discorria sobre o novo filme e ouvia sobre o corpo musical. como é mesmo o nome da doutora de feira que a vai ensinar um tanto mais sobre sertão? que palavra é essa, o que ela carrega e porque a grudou em si? saudade do amor, saudade. hum, vontade de comer acarajé na última noite. papalo, vem me buscar!

domingo, 10 de outubro de 2010

o amanhecer no ser tão

desceu da noite e havia de novo o mesmo encanto compondo a paisagem, como se jamais houvesse deixado de estar ali, vestido de branco, e com olhar interrogativo, a (te) esperar. você? houve a pergunta. dentre seus amigos, disse ela. desculpe, não foi culpa minha, juro, foi de novo o sarcástico acaso, a rir do meu desconforto - pensou. - não tem preferido situações de risco, gosta de ter o corpo velejante distante do perigo, das pulsações que o sertão provoca, aprofunda. por que é ele, o acaso, assim tão cruel com suas tentativas de distanciamento? houve o nome temido pronunciado durante a madrugada, ele era doce, mas a pronúncia não saía da sua boca, apenas o recebia. degustou ainda amarga, cada letra. ditou-se o por vir: no fim da viagem, ele estará compondo o novo dia. acalme a pulsação e aceite o enunciado! ela havia criado tal situação? como pode criar o que teme? como é possível fazer viver uma situação-perigo? negar, de forma intuitiva, toda a distância, e da força da sua negação, criar o momento inesperado,? como ainda pode insistir em querer o que a toda tentativa de aproximação afirma em gesto e palavra, o não?, saída outra ali, não existia, a menos que abandonasse o barco em penúltima paragem, mas também um porque fugir não havia, nunca há motivo assim: antes um pequeno inusitado ao nada consentido. foi conduzida ao amanhacer do corpo vestido de branco. distância, horizonte. não a acuse. apenas escute o silêncio do universo. ela também não sabe o que o besta acaso quer dizer, talvez apenas goste de ouvir o peito de uma mulher acelerado, uma sinfonia em fá maior. não requeiro Céu, requeiro cura.


"ah, medo tenho não é de ver morte, mas de ver nascimento. medo mistério. a colheita é comum, mas o capinar é sozinho. moço: toda saudade é uma espécia de velhice. coração da gente - o escuro, escuros. assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. viver é muito perigoso. sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar." (guimarães)












quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Arte em Conquista



  


Dia 09,
14 e 16 h
no Centro de Cultura.


à noite,
a Tragédia no teatro,
direção de Papalo
no Espaço Atuar.


tudo num dia só...
Estarei aí!





terça-feira, 28 de setembro de 2010

cracia



"Esses gerais são sem tamanho.
Enfim, cada um o que quer aprova,
o senhor sabe: pão ou pães,
é questão de opiniães...
O sertão está em toda parte."
.

(Guimarães, Grande Sertão)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

plenitude

4.15 da manhã. insônia. os carros já transitam pela bahia, molhando o asfalto da manhã. maria continua sem muitas certezas, como se a ausência delas, cada dia mais presente como absoluta, fosse ela mesma, em seu vazio pleno de possibilidades, a raiz verde da mudança. quando ela se inicia? e quando chega ao fim? não há nunca nem por um segundo sequer, jamais, satisfação? sim, há. houve. deitada numa rede laranja e contemplando a lua cheia, depois da película rodada, o silêncio do mundo inteiro saciado. sabia gozar da plenitude ali, por alguns dias. o dia da plenitude, a noite da plenitude, cheia, prateada, molhada de mar.

depois.
e de novo, depois,
o mesmo turbilhão.
novas paisagens, os já quase debutantes personagens, que não se sentem jamais completados, exigem novas formas, novos atos, como vingança por tê-los criado. é possível matá-los, suicidá-los, mas não se sente capaz de tanto. forma de compartilhar a infinita percepção do mundo com outros seres por ela criados - não poderá jamais sentir-se Uma com tantas variações compondo o próprio ser: se desintegra e dá nome de gente, bota logo no fogo: que vá se queimar no mundo! e aí tudo volta pior do que o caos - quando vivos, quando gente, eles vivem aprisionados no desejo de preenchimento de novo ato. anos se vão na luta que se trava: ou eu os domino, ou me perco neles. e há uma multidão à espreita, esperando a oportunidade de me aprisionar.

mas há também aqueles já esquematizados, como enquadramentos a serem interpretados - os personagens morrem quando um corpo o habita - talvez por isso busque agora corpos que os integrem, para que se desprendam dela, para que desapareçam, a deixem em paz. esses são também amados, como uma vela que se apaga, como uma paixão velha e ainda quente, acolhedora, que entra ano, sai ano, sabe-se adormecida, mas ainda adolescente, que ascende no olho a chama a cada retorno ao mar.

a escrita elegeu um corpo oco.

as vezes se sente Criadora,
as vezes se pensa criatura -
ambas condenadas uma à outra
e à eternidade

n'um corpo OcO.'

terça-feira, 7 de setembro de 2010

verde



volpi



insônia














dias de "Nosso Mundo Meu"




quarta-feira, 11 de agosto de 2010

PESCARIA

como se a pudesse salvar do mergulho que ela mesma havia provocado, como se pudesse ensiná-la a ser, como se pudesse servir de DONKA. é preciso afastar o canto da sereia, é preciso desconstruir uma viagem meramente narcisista. disponibilidade para autoflagelo. ou enfim encontro constante com a perspectiva da traição de si mesma. não. a vida é igual cinema e cinema é mais do que isso. "precisamos de novas formas e não apenas de novos temas", diria glauber. sim! e não o inverso, creia! postura crítica para criar novas conjuções capazes de expressar seus verbos em composições próprias, disponibidade de se perder e se encontar numa espiral até a morte. a pulsão da criação abriga o embate entre 1)as adversidades materiais encontradas na busca de impor autenticiade às 2)experiências que participa. e como saber se o que crio é bom (plano valorativo), necessário (plano político-ideológico) e bonito (plano estético)? como não rasgar todo o absurdo que absorvo e absinto?
 

o afeto é um valor?
o afeto tem uma estétika?
o afeto é também político?

domingo, 8 de agosto de 2010

a metade que só eu sei






fotografia é olhar,
não é paisagem.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

o sagrado pelo avesso

escatologia é doutrina
do que deve acontecer
no fim do mundo.

a escatologia
bem como a palavra orgia
pertencem ao dasein
.......................design

porvir -

estamos quase nus.

..............................................
quem carrega os pincéis do mundo que escrevo,
dos caminhos de terra,
de pedras e vales?

quem encena os personagens que componho
e aqueles que minhas palavras, no ato de dizer
já interpretam,
vazios, sombrios, famintos,
pobres e marginais?

em vão
as carnes se mexem
como materialidade da vida.
em vão?

não há nuvem tão grande
capaz de cobrir o oco céu além da carne.

não há?
"Nem mesmo a palavra?", pergunTo.
"Ora", direis, "ouvi estrelas!"

Hilda: "o que esperais de um Deus?
Ele espera dos homens que O matenham vivo"

eu sou o circulo e Ele a circunferência:
Mênade e Fauno no cortejo de Dionísio.

sábado, 10 de julho de 2010

ella mira por la ventana el mundo allá abajo. en algunos días el cuerpo busca. salle con sus amigos, se sienta en una mesa, pide una bebida y no se detiene. ¡dice algo! ¡decir es un disparate! se embriaga. la búsqueda ahora es más real, mismo con baco. hace el cuerpo bailar con la música. la música salva la noche, es buena... recuerda siempre la ausencia que hace el otro. ah, ¡dame fuerza de contemplar sin asco mi cuerpo y mi corazón!, dijo baudelaire, se acuerda mientras sirve otro trago de vodka en sus labios. quizá sea el fin... por que no apoyaría otra vida... una es hermosa, pero suficiente. desnudez y desgarro en la noche y en toda la existencia. baila el cuerpo hasta las siete y después duerme el sueño de la eternidad... en el sueño vos aparece a veces... pero de ninguna manera ella aprende a volar. va por el suelo. el mar... quítate la ropa. inmersión del cuerpo, una bomba de sangre. mancha de aceite. la racionalidad es una estupidez pero todos se sirven. el amor se revela y se escabulle en la noche. el amor y la soledad. según aristóteles, las cosas se diferencian en lo que se parecen, y en ocasiones los seres llegan a separarse por lo mismo que aman... te he visto vagando por milenios, milenios....

terça-feira, 6 de julho de 2010




Três palavras


Curta de 17 minutos,
baseado em meu conto "Diálogo de dois amigos".

Direção e fotografia por Gabriela Leite;
Roteiro, atuação e finalização por Paulo Thiago;
Assistência de direção e roteiro por mim;
Trilha por João Omar.

Selecionado para o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana.

Site do festival, com a programação:
http://www.festivaldeinverno.ufop.br/2010/home.php



 

roteiro para curta em três atos


dia 1
amanhece. e você na estrada...
a casa, imensa!

dia 2
a casa. e você amanhece...
a estrada, imensa!

dia 3
a casa, o amanhecer,
a estrada, o imenso...
até você,
tudo derrete em saudade.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A sombra (ou poesia sem vida)




As luzes
que iluminam a sala são idênticas
             
                não
são idênticas



A primeira,
ao lado esquerdo,
elétrica e vestida de abajur vermelho,
clareia as mãos que a teia tecem.

A outra,
aos pés do sofá, de fogo,
equilibra-se na borda da garrafa verde
enquanto lambe dentro,
merlot, o vinho.

A luz aveludada –
pois dela me sirvo e
não do cálice
tornado desejado porque descrito;
à direita,
feita de cordão queimado,
não serve para fazer ver,
mas para aquecer os membros
já iluminados.

Uma terceira resta ainda à frente,
branca e fria,
da tela que reflete
o que possa perseguir os dedos.

Atrás, na parede,
alheia a temperatura e pressão,
sem calor nem cor,
projeta-se uma onda silenciosa de movimento
do inverso que as habita.

é única.








segunda-feira, 28 de junho de 2010

relembrando as mesmas angústias (em tempos de futebol)


Aquela que não quis tomar assento
e quase naufragou no mar
e quase foi atropelada
e quase morreu de dor de amor,
passeia na solidão redonda da multidão
e no eu florido de asfalto.

A sem-lugar nas ilhas desertas dos bares abarrotados,
aquela que queria fugir em dia de jogo
e não voltar nunca mais,

a descontente, a escorregadia, a introspectiva,
a ensimesmada,
aquela que foge sempre em busca de buracos,
que se tranca no quarto
no escuro,
cortinas cerradas e música
pra inundar o espaço da alma.

Aquela que não cabe na solidão
e nem cabe na palavra,
que não é um ser,
mas um estado de desfazer-se contínuo,
com leves sopros pra aliviar,
como quando o olhar mudo de um andarilho lhe desmascara um conceito.

Aquela que sofre porque não entende
e retorna sempre às mesmas questões complexas

com leves sopros pra aliviar.

sábado, 19 de junho de 2010

o dia amanhece sem Saramago



"Como uma coisa, em princípio, não deveria ir sem a outra, é provável que um outro objectivo do violento empurrão dado pelo senhor às mudas línguas dos seus rebentos fosse pô-las em contacto com os mais profundos interiores do ser corporal, as chamadas incomodidades do ser, para que, no porvir, já com algum conhecimento de causa, pudessem falar da sua escura e labiríntica confusão a cuja janela, a boca, já começavam elas a assomar. Tudo pode ser. Evidentemente, por um escrúpulo de bom artífice que só lhe ficava bem, além de compensar com a devida humildade a anterior negligência, o senhor quis comprovar que o seu erro havia sido corrigido, e assim perguntou a adão, Tu, como te chamas, e o homem respondeu, Sou adão, teu primogénito, senhor. Depois, o criador virou-se para a mulher, E tu, como te chamas tu, Sou eva, senhor, a primeira dama, respondeu ela desnecessariamente, uma vez que não havia outra. Deu-se o senhor por satisfeito, despediu-se com um paternal Até logo, e foi à sua vida. Então, pela primeira vez, adão disse para eva, Vamos para a cama."

(Saramago, Caim)


quinta-feira, 17 de junho de 2010


a potência é muda, apesar do desejo por palavra. algo se cala, como se dizer, necessário não mais fosse. mas há o infinito de nós para ser dito, para ser composto, para ser descrito (mentira, não há nada!). todas as páginas a serem assinadas encontram-se indicadas com clipe. não aprendi outra forma de dizer – a palavra me exige. explique-se, diz o verbo. e eu acato o verbo. no princípio era o verbo e eu sou o princípio. as páginas em vermelho exigem rubrica autenticada. porque disse deus, faça-se a luz. e eu sou a luz. fui feita da costela de adão. sou a mulherzinha de deus. / Uma luz ofusca o verbo. ofusca deus. gosto de brincar de infinito e o infinito reside na palavra deus. esconde-esconde. páginas com clipe verde poderão receber assinatura digital. a luz ofusca a mulherzinha que compõe o verbo. no fim, terei fracassado. mas jamais me pari para sair vitoriosa. a vitória é um clarão de cegueira. a vitória é para os cegos. e eu, ensaio sobre a cegueira. / Não escrevo para entender, escrevo para esvaziar. palavras são ervas daninhas – precisam ser arrancadas de dentro, senão matam a flor. e a flor é silêncio e solidão. eu sou clarice, à disposição para esclarecimentos. só(,) escrevo sobre a palavra. tautologias. no final serei [só] (e) silêncio. eu (e/ou/sou deus?). / Palavra é uivo, gesto, busca. me canso de ser palavra, como me canso de ser gente. às vezes queria ser dispersa do corpo. mas isso acontecerá, necessariamente. pode ocorrer a qualquer suspiro. minhas palavras morrerão comigo. as de clarice não. olha p'ro céu meu amor. posso expressar a dor das relações? não sei se sei. não sei se posso. culpa cristã. auto-flagelo. o amor (nunca) preenche toda a dor. não sei porque agora este desejo repentino de captar imagens. talvez seja a saída encontrada para fazer cessar as palavras. mas se fecho os olhos, você está lá.



sexta-feira, 11 de junho de 2010

quinta-feira, 20 de maio de 2010




o acaso detona o caos, faz cismar o peito, faz do eterno etéreo. o acaso existe para (des)construir certezas, (des)afirmar o firmamento. o acaso, ele te pega, te sacode, te (des)estrutura. o olhar que olhava, (não) olha mais. o amor que amava amando segue, mas, porém... a certeza que afirmava, desconfia. o amor... você se cala. suspensão. você ri debaixo d'água. você realmente consegue rir debaixo d'água. olha ela aí de novo, a dialética! cuidado com a curva! desacelera! mas debaixo do despenhadeiro, o mar, o nada(r).

sábado, 15 de maio de 2010

 
o saber interpreta e isso indica a ausência da verdade -
o evolucionismo, tanto quanto a teocracia justificaram o racismo, o colonialismo, o genocídio indígena, o tráfico dos africanos, o nazismo, o fascismo... o saber pode se fazer poder e o poder instrumentaliza. o poder se utiliza de "verdades" para criar e firmar realidades. realidade é linguagem. linguagem é ideologia. e ideologia é poder. cíclico assim.
 
 



 
Slide 6

terça-feira, 11 de maio de 2010

o óbvio


mas dizer pouco não será mais que o silêncio?

não. o silêncio há de querer ser e ser,
para sempre só
silêncio.

terça-feira, 4 de maio de 2010

projeção da sombra

(Fabiana Leite, 2008)


"o nosso negativo, a assim chamada sombra, produz, como conteúdo consciencial inibido através da instância do superego, sentimentos de culpa inconscientes que procuram ser descarregados. Em todo homem existe a tendência a transferir esta sombra sobre uma terceria pessoa, objeto da projeção, ou seja, a transportá-la para o exterior e, com isso, a concebê-la como alguma coisa de externo, que pertence a um terceiro. Em lugar de voltar-se contra si próprio, insulta-se e pune-se o objeto desta transferência, o bode expiatório, para o qual é sobretudo característico o fato de que se encontra em condição indefesa". (Naegeli)
 



domingo, 2 de maio de 2010

o corredor

a cabeça dói, com frequência. pulsação forte do lado direito do cérebro, náusea, cegueira e sede. ir ao doutor, pedir exames, olhar aérea ao desenho da tv da cadeira fria do hospital sem cor. o hospital, corredor de nostalgia. a voz do pai se perdeu numa sala de cirurgia. o caroço da mãe sugado numa longa tarde de espera. de volta ao quarto, ainda dopada, solta desconjunturas de uma mente insana - a loucura deve ser assim. sentada na poltrona, inventar histórias aos personagens que aguardam a sua vez. uma moça vê figurinhas. seria a mulher ali, se não estivesse aqui, presa neste coração estranho. tentar fraudar o horário de visita e permanecer ao lado do leito da mãe. dormir retorcida num encosto de aço gelado ao lado direito do lençol branco que tem o corpo do pai. o irmão, quando de mandíbula quebrada, geme de dor e como um cão abandonado e frágil, insinua carência e medo. a doença cala. as projeções perdem o sentido e a falta de sentido consola e torna mais bonito o imenso breu que se vê da janela. um velho poeta de vestido longo e branco, empurrando um suporte de soro caminha na direção do casal, pára e puxa uma prosa. não parece doente. diz-se acostumado. trocou de coração, agora luta para que este aceite o novo lar. recusa, luta, estranha. o poeta faz poesia da dor. entende agora a importância do sus. traz pra rima palavras grandes e frias. e le tro car di o gra ma. viver é de uma magia estranha. quem sabe o que trouxe cada um aqui? o hospital deixa cicatrizes. é um espaço de supensão. fratura. um péssimo lugar que inventaram para curar a dor. chegar em casa, tirar a roupa, tomar um banho quente, deitar na cama com cobertor limpinho e cheiro da gente, dormir por longas horas. o corredor comprova a verdade contida nos pequenos prazeres. teve também a avó. como se esquecer da avó? seu beijo de despedida? seu corpo inchado querendo fazer xixi. sua vergonha de estar assim submetida ao outro, ela que durante toda a vida, até aos noventa anos fora independente e ativa. de todos que levaram a mulher ao imenso corredor, só a avó partiu. mas partirão todos. as dores e os momentos de náusea são intranferíveis, intransponíveis. incógnitas. a cabeça dói. a água ameniza. a amizade acalma. mãe e pai aquecem. irmão abriga. uma película suspende. o amor consola e deus também. um bom livro faz dormir e acordar. hoje. e quantos dias mais haverão p'ra frente e p'ra trás nesta tabuada nonsense