quarta-feira, 23 de novembro de 2005

As

cores

materializam-se

em idéias:

poesia, poesia



A
poesia
não
é
pa
la
vra
É preciso
pintá-la
ao invés de escrevê-la




palavras
têm o dom de
Montanhas em fim de tarde



Às minhocas do caminho
Marcos Nonato

No espaço de mil Anas
Anda luz, há na terra
Minhocas, no caminho
Cometem loucuras, cometas
Dentro do chão, escuras
Estrelas, no espaço
Entre elas, Terra.





Uma tristeza meio da cor desta noite. Da cor de toda miséria que pulsa, que existe latente, mas escondida, suburbana, marginal, quase invisível. Não tem as cores vibrantes da tv ligada. É nublada e inclinada. Está prostrada, deitada na esquina.

Bush recebe churrasco de Lula enquanto grupo revolucionário grita esbaforido na Praça Sete e gente passa passa passa e não ouve porque não há mesmo o que escutar.

E não sei o que dói mais, se Bush, se Lula, se o grupo guerrilheiro ou o povo que passa passa passa... 


terça-feira, 8 de novembro de 2005




Rebelde, bandido, indolente, favelado, desviado, insurgente, delinqüente, sublevado, indesejável, transgressor, inadaptado, insubordinado, deslocado, obstinado, louco...

O problema da criminalidade é aquele sobre o qual existe uma verdadeira distorção no campo do saber. No tom dos que se voltam sobre a questão há sempre a nítida tentativa de total imparcialidade sobre o fenômeno estudado. Não uma imparcialidade puramente científica, mas um alheamento totalmente pré-conceituoso e interessado.

Segundo Khum, não existe olhar puramente científico. Há sempre interesse visceral pelas questões sobre as quais nos voltamos. Pior do que o olhar que se assume verdadeiramente interessado no fenômeno é o olhar que, fingindo imparcialidade, se esconde na cientificidade.

Tratar as áreas humanas com este distanciamento ‘pedagógico’ é tão irracional quanto repugnante. E quando se trata, então, do campo da criminalidade, onde o controle penal ainda recai totalmente sobre o povo pobre e negro, torna-se perceptível a reprodução sistemática dos valores opressores, morais, classistas e sectários aos quais os governos, teóricos e aplicadores do ‘direito’ estão, em sua grande maioria, filiados.

O problema da criminalidade não é puramente o problema da criminalidade. O problema da criminalidade é o problema da miséria da maioria avassaladora da população brasileira amalgamada aos maiores índices de desigualdades sociais e econômicas do mundo.

Brilhantemente apregoou João Ricardo Dornelles:
“Enquanto a criminologia conservadora positivista entendia que o desvio provoca o controle social, a criminologia crítica parte da premissa oposta, de que o controle social provoca a conduta desviante, seja através dos processos de criminalização, seja através da determinação prévia das classes subalternas como clientela do sistema penal, apontando o caráter político, ideológico e seletivo dos mecanismos de controle social”.


domingo, 6 de novembro de 2005




O ambiente num tom calmo meio rubro, reflexo do lençol na janela. Lençol laranja já de tanto sol vermelho. 08:40. Cedo para um dia de não-trabalho. De novo sugada pelo breu do olho inerte. Cama até tarde. O quarto de cabeça para baixo. ‘Qual é mesmo o lado de baixo do quadrado?’ Uma claridade lhe puxa o olhar, o buraco da porta lhe tira do quarto.

Fora da cama, banheiro, xixi. Pára diante do espelho, um segundo de entranheza pelo pertencimento àquela imagem. Do corredor adentra o escritório, volta ao quarto, puxa Caros Amigos da prateleira e lê-la toda. Mais do dez horas, vontade de nada, só de escrever. O corpo anda assustado com o silêncio da casa. O silêncio não é tranqüilo sempre, às vezes ele arrepia, quer palavra e é preciso se desintoxicar, então, para depois, passarinho....
Pega o binóculo e senta na varanda. Pouco movimento na rua, perfeito para o inusitado que recompensa a espera. Fica ali um tempo, anseia por uma cena de Almodóvar, mas a sua rua parece agora despida de pulso. O espetáculo não se enquadra.

Entra na sala, “música!”. Liga em Dido, senta no sofá branco e espera. É preciso deixar a melodia entrar pelos poros. Tira o chinelo e pisa o tapete colorido, que alça vôo. De olhos fechados, a cor não entra enquadrada e material, ela pulsa louca, dançante e informal no infinito negro das pálpebras cerradas. Apenas a batida do som penetra o corpo, os braços em descompasso, cada qual dono de si e os pés, pisando brasa, querem o ar, o ar... O corpo habita a música até o último compasso da nota que silencia. Mas o coração agora está frenético, quer sair, quer voar, empurra o peito.

Abre os olhos e um branco quase amarelo inunda seu corpo, lhe puxa uma careta, pinta a sala inteira, invade o mundo, lhe engole. O mundo volta aos poucos, com seu formato de normalidade. Pela porta de vidro da sala avista um dia claro e suave. Acabou o inverno, tá tudo ipê. Pousa o corpo para estancar a energia. Abre um livro enquanto outra música se inicia. Ficará pelo livro enquanto na música. A música, interlúnio quando ela livro. O livro, interlúdio quando ela música.