domingo, 17 de dezembro de 2006

e essa ânsia de fim de ano, de fim de mundo, de dissipação. o ano, como tudo o mais, o dia, o sono, o reencontro, o suspiro, a mão na nuca pousada. como tudo dentro do tempo. é preciso estar fora da percepção do esgotamento para permanecer. eu na noite e antes que ela se desfaça inteira em tudo, essa vontade de ir lá pousar meu corpo nas águas do francisco enquanto ainda há eu-corpo para flutuar porque depois é só ar e minha energia misturada a tudo o que eu já não mais serei.


segunda-feira, 27 de novembro de 2006


às vezes a vontade de morrer num segundo,
de me desfazer inteira no mundo e depois a dor de não. ele assim, o mundo, sem início nem meio nem fim e o eu como único limite de tempo nele, ponderando os segundo para não enlouquecer, contabilizando os mares e rios e amores e sorrisos e amizades... há ainda quem contabilize papel. eu ali na praia, pensando quantas gotas há mesmo compondo o mar e quantos pingos de gotas de tinta deus usou para pintar tanto céu e não me cabe tanto número e essa impossibilidade de fechar a conta num cálculo exato me oprime, eu cá na minha sensatez positivista, eu cá na minha integridade científica, eu cá na minha lógica filosófica, e de pensar que eu, tão eu, tão tão tão cheia de mim, nada... mas também o que me resta senão eu mesma? eu no meu vazio cheio de esperanças e utopias, eu cheia de negação e angústias mas ainda cheia, cheia, cheia de tudo para transbordar, eu, eu, eu, eu, mas sempre no outro, sempre, sempre, sempre na busca do humano, do que há de calor na pele, do que há de poesia no toque, do que há de integridade nas coletividades, e cada vez mais tentativas e desencontros e no entanto, pudesse você me ler e veria, veria enfim que há alguma coisa de boa dentro de tudo o que enfim não somos. mas tudo o que não é pode um dia vir a ser e esta loucura da possibilidade é ela, é ela, exclusivamente ela tudo o que somos e chegar nela é o único possível. chegar na possibilidade da possibilidade.


quarta-feira, 15 de novembro de 2006


Lagoinha,
Em vez de tombá-la,
destruí-la.









"Pouco importa se não dormia nunca, com sua população de bêbados, prostitutas, trabalhadores em trânsito, profissionais do rebuceteio, outros profissionais. Gente, gente, gente." *

"Adeus, Lagoinha, adeus.
Estão levando o que resta de mim.
Dizem que é a força do progresso.
Um minuto eu peço
Para ver seu fim."*





*Textos de Wander Piroli

terça-feira, 7 de novembro de 2006

o adiamento sem fim de qualquer mudança substancial, a espera do momento ideal, das condições objetivas perfeitas, o medo do desconhecido, a satisfação com um estado de equilíbrio e controle, a não desestruturação, a conformação com o que há porque antes isso que qualquer desconhecido. e daí? o corpo quer cair, quer se lançar num impulso dentro da possibilidade, quer ser, quer dar-se à dialética, a dialética como encarnação do outro, o outro como fundamento, o outro dor e o outro ponte, o outro como caos e o caos como única possibilidade.

sábado, 28 de outubro de 2006

, enchentes

o corpo jogado na cama,
diluindo-se em águas claras
pulsão
de linguagem e vazio

quarta-feira, 25 de outubro de 2006



mulheres que me fundamentam: na sequência, textos de marguerite duras e hilda hilst (imagens e linguagens)



_ Por que fala assim que tem vontade de me trair?
_ Não sei - respondeu Sara. - De vez em quando sinto desejos de lhe dizer a verdade.
Ela o viu sorrir.
Quem era eu, quem tomara por mim até então? Não chegava a me alojar na imagem que acabava de surpreender. Flutuava em torno dela, bem pertinho, mas entre nós existia uma espécie de impossibilidade de nos assemelharmos. Eu me achava ligada a ela por uma tênue lembrança, um fio que podia se partir a qualquer instante, e aí eu me precipitaria na loucura.



D. vira-se para ela: ? "Eles o deixaram há dois dias, estava vivo.". Ela desiste de arrancar o telefone. Caiu no chão. Algo se rompeu àquelas palavras: há dois dias ele estava vivo. Ela se abnadona. Algo se rompe, sai pela boca, pelo nariz, pelos olhos. Precisa sair. D. desliga o aparelho. Pronuncia o nome dela: "Minha pequena, minha pequena Marguerite." Não se aproxima, não tenta levantá-la, sabe que ela é intocável. Está ocupada. Deixem-na em paz. Jorra como se fosse água, sai por todos os poros. Vivo. Vivo.



cansei-me de leituras, conceitos e dados. De ser austera e triste como consequência. Cansei-me de ver frivolidades levadas a sério e crueldades inimagináveis tratadas com irrelevância, admiração ou absoluto desprezo. Sou velha e rica. Chamo-me Leocádia. Resolvi beber e berimbar antes de desaparecer na terra, ou no fogo ou na imundície ou no nada.

Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso. Isso era Deus. Ainda assim tentava agarrar-se àquele nada, deslizava geladas cambalhotas até encontrar o cordame grosso da âncora e descia desncia em direção àquele riso.



Não se impressionem. Não sou simplesmente asqueroso ou tolo, podem crer. Deve haver qualquer coisa de admirável em tudo isto que sou.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006


"A quem é necessário que a literatura ocupe um lugar especial? Ou ela estará todos os dias no jornal todo, em cada página, ou ela absolutamente não é necessária. Mande ao diabo essa literatura que é servida só como sobremesa" (Dmitri Liébedev)


"Tudo está claro no que se refere ao pão, e no que se refere à paz também. Mas a questão cardinal sobre a primavera deve, a qualquer preço, ser resolvida." (Maiakóvski)

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

omundo giragiragiraroda
e eu não me caibo neste copo de vodka

há um som tocando, um gemido,

e a pimenta-parmesão é boa demais com queijo gorgonzola

sexta-feira, 13 de outubro de 2006


Tem um ovni no meu banheiro

O dia arranha. Passa lento e resmungão, como um disco velho na vitrola. os dias todos, inteiros prostrado no sofá. faz pensar que não há vida, não há mundo além da parede. da janela o céu às vezes cinza, às vezes azul e quando se cansa de céu, cortina. as garrafas secas, era preciso sair para comprar bebida, vontade de encontrar alguém, talvez uma mulher, quem? um livro. acabar o restaurante do fim do universo. no restaurante, as coisas se aproximam cada vez mais do momento após o qual não haveria mais momentos. Sede. um copo de leite, o leite tão branco. aquela vaca. Começa a chover. vai pro chuveiro, liga a torneira, deixa a banheira encher, coisa boa desta casa, sonho de burguês satisfeito. shampoo na água, espuma, deita, fecha os olhos, Ford Prefect e Arthur Dent sorriem de uma mesa, ao lado estão Gabi e um ser cheio de patas e dedos que passa a língua em um dos olhos quando o vê, oi amigos, bom encontrá-los, bate a mão e sente os dedos dormentes, amassados, deformarem-se. abre os olhos, dormiu na banheira, quanto tempo? a água já fria, o corpo já frio, pula da água. uma mosca voa diante de si. voltou com ele do fim do universo. adora corpos nus. Deve ser uma fêmea, uma bela mosca fêmea. devia tomar a forma humana, transmutar-se, faça isso por favor, bela mosca, preciso de gente!, um cigarro, um cigarro, deixa a mosca ali e sai, um cigarro, um cigarro, vai à sala, acende e aspira, paraíso satisfeito, 


quinta-feira, 12 de outubro de 2006




o homem caminha com dificuldade, retendo a corda que contém seus três cachorros. são todos vira-latas pretos, grandes, com latido firme e dentes à mostra. do outro lado da rua um jovem anda apressado e assusta a moça. medo de estupro, medo de bandido, medo de homem. ela atravessa a rua. no bar uma música provoca náusea na moça, ao olhar tanta gente besta junto. que o chão se abra para ela cair. a pedra na frente rasga seu dedo, droga!, sangue, o médico sentado come um hamburguer e sorri, sim, deve ser médico com aquela cara e roupa branca de classe média, sorri e mostra os dentes como os cães, seus dentes de homem feliz. o enjõo agora desce da cabeça e estremece as pernas, ela corre até a esquina, o homem do cachorro continua ali com seus cachorros, ela hesita em continuar. pode vir, meus cachorros são seletivos. atravessa a rua, abre o portão num impulso e o vômito é despejado antes de tomar a casa, ali, no corredor. os gemidos do vômito são pavorosos, ressonantes, parecem de monstros que fogem do estômago, eco seco. não pode ser nela aquilo tudo, aquele cheiro podre, as lágrimas saem sem que perceba o choro, são gotas que pulam independentes. a luz se acende, Miguel vem ao seu encontro, anda reto, não se afeta com o estado da mulher, segura-lhe o braço, a suspende sem palavra, sem expressão. arrasta o corpo feminino para dentro da casa e fecha a porta. da rua se ouve ainda gemidos e pancadas.


quarta-feira, 11 de outubro de 2006

domingo, 1 de outubro de 2006












terça-feira, 26 de setembro de 2006

A primavera chegou.
Talvez por isso eu esteja desfolhando.
Dor da folha que secou, dor de botão. A fulô ainda nada


sexta-feira, 15 de setembro de 2006









sexta-feira, 8 de setembro de 2006




Houve de repente o desprendimento e o corpo inteiro se dilatando, para fazer correr por si todo o sangue num só segundo. O organismo transformado em veia, se abrindo como um rio às portas do oceano. A descoberta tão abrupta que temerosa. E aquela dor no peito, porque era muito oxigênio de uma só vez, quase um pulo no abismo, o peito podia estourar. Lembrou-se do pulo na cachoeira, seu corpo entregue à queda, a tensão de se jogar, de ver-se livre do chão, livre da visão, vazia de pensamento, o embate com a água, o estrondo da colisão, descer, descer e depois ressurgir, perceber o sol e segui-lo em busca de ar, sabendo-se viva ainda. Depois aquele sorriso infantil pelos seus limites ainda tão pueris. O choro na cama, o fim do dia num ócio absoluto, observando a luz fazer-se e desfazer-se através da cortina. Assumir o cansaço que dá descobrir-se, a loucura quase sem retorno. Deixar a febre ferir até que surja a palavra que desvende a dor, a espessura da dor, o peso da dor, o sabor da dor, para então degustá-la. Daí experimentar o silêncio do mundo, a ruptura com o mundo. A moral trancada do lado de fora da casa, da cama, do corpo. E o corpo num canto da cama, eufórico, mas ainda encolhido. 


sexta-feira, 1 de setembro de 2006




Uma falta, uma falta de tudo o que ainda não foi e poderia vir a ser... mas já lhe foi dito sobre a impossibilidade do sentimento de falta em relação àquilo que não se conhece. Como assim? Eu continuo sentindo, uma falta profunda do que poderia ter sido e não foi, do que será e ainda não foi, do que poderá ser, mas nunca será... e são justamente a primeira e a terceira alternativas as que mais angustiam... tudo o que nunca e jamais será.


terça-feira, 29 de agosto de 2006




dia desses, numa tarde de feira, andante perdida procurando ângulos para enquadrar a primavera em Niemeyer, Niemeyer em mim e eu na primavera









domingo, 13 de agosto de 2006




o poeta morreu na virada da noite, era quarta ou quinta feira, a notícia foi dada na feira dos livros, o coração da ouvinte acelera e bate nervoso com a notícia, não devia bater assim, ela pensa, em respeito ao do poeta que parou, rejeitando o corpo novo, ele morreu, isso lhe soa melancólico, não devia morrer assim, devia escrever mais, o poeta, foi pouco, foi muito pouco, e sempre seria pouco tudo o que escrevesse, o poeta não lhe sai da cabeça, o encontro no corredor do hospital, ela presa com a atual experiência da dor e ele de repente à sua frente, o sus, dizia ele, o sus, a cti, o coração, o verso, o quarto, a cama, a enfermeira, titanic, tudo podia afundar, mas ainda ali navegando, era impossível sentir algo que não poesia, envergonhou-se da própria dor, pequena dor e levou dias com aquela imagem em si, até hoje em si, a imagem do poeta, José Maria Cançado.


quinta-feira, 10 de agosto de 2006

sexta-feira, 21 de julho de 2006




Undress me now
using your eyes
using your mind
now
You know how
You know how…
(Morceeeba)





Nostalgia de um tempo anterior à internet...