domingo, 27 de setembro de 2009




o sonho de ser literatura, de viver literatura, de respirar literatura e de a partir da literatura criar um novo mundo, de amores e utopias, faz refletir o que há de humano no cosmo, as frustrações sentidas e dissipadas no ar e no outro [uma camada de gazes circunda a existência e aos poucos dissipa todo o oxigênio das marés] enquanto ainda essas palavras tocam uma meia dúzia de eus, divago só, ou em forma de dois, desta pequena montanha de tijolos disposta como habitat para alguns quilos de idéias e projetos que são arquitetatos, rabiscados e compartilhados a partir de fios imaginários que cruzam os ares, para ir te encontrar aí, em outro qualquer ponto da circunferência enquanto o silêncio persiste em ser a nossa forma máxima de comunicação. tudo o que é escrito é ponte e deste percurso, um rio cruza em octogonal. mas há lembrança para além do silêncio. a memória finda cada átomo de ser e difine o corpo, o gesto, o suspiro e este olhar lacrimejado com gosto de mar. amar é bom, mas dói. viver é bom, mas dói. morrer dói. mas é bom? o que melhor define o momento em que seu peito se descobriu nu e só? paronomásia? eu que passo, penso e peço? ordenamento de estética? edificação de um novo eu? paisagismo eletromagnético? não: só o estado das cousas. ou um cão que ama trens. você é um ser que acredita no amor na justiça e no inferno? você consegue se ver sem deus? você se dispõe à solidão? está exausto ou ama muito tudo isso? mas não há com que se preocupar: cavaleiros teutônicos virão te salvar! não há velho, não há novo, a mesma repetição de sistemas. mas existe a literatura. todas as paredes estão em branco, para serem escritas. a tinta secou, mas há sangue em todas as extremidades dos membros dos mamíferos! não somos equídeos nem rinocerontes - temos cinco dedos, então avante! faça sangrar seu poema em vermelho. ou não.



sexta-feira, 11 de setembro de 2009


(foto colhida no site http://www.bhnostalgia.blogspot.com)



Lagoinha: um corpo em chamas.


“Adeus Lagoinha adeus
Estão levando o que resta de mim
Dizem que é força do progresso
Um minuto eu peço
Para ver seu fim”
(Gervásio Horta e Milton Rodrigues Horta)


"Governar é povoar;
mas, não se povoa sem se abrir estradas,
e de todas as espécies;
Governar é pois, fazer estradas".
(Washington Luiz)


Já em 1980 sambistas da Lagoinha cantavam com nostalgia as agruras sofridas por um bairro que década após década é dissolvido em asfalto, mas vive! Na memória dos seus moradores e na arquitetura das casas, muitas delas com bocas e olhos carcomidos por traças e cupins, mas ainda de pé e resistindo bravamente, mantendo viva a história deste, que pode ser considerado um dos mais antigos bairros da jovem Belo Horizonte. A Lagoinha foi citada em documento de 1711 na Carta de Sesmaria ao bandeirante João Leyte da Sylva Ortiz, quando essas montanhas ainda eram conhecidas por Curral D'el Rey.

As casas que compõem o conjunto arquitetônico e que dia após dia deixam tombar para não cair as suas camadas de pele, foram listadas pelo Departamento de Patrimônio Urbano e Cultural da cidade como sendo mais de 600 (isso mesmo, seiscentos!) “monumentos de grande importância” para a cidade. Onde estão esses “monumentos”, amigo leitor? Em qual estado de preservação se encontram? Foram tombados? Revitalizados? Conservados? Ainda existem?

Já digo logo: não estou aqui fazendo defesa contra o progresso, longe de mim! Devo confessar sentir certa saudade de bondes sobre trilhos cortando a Lagoinha, mas fora isso acredito ser possível conciliar as necessidades da cidade de hoje com a preservação de patrimônios que têm incrustados em si a história da cidade. Basta um pouquinho só mais de zelo por parte do poder público...

A Lagoinha sofre o desmazelo da Lei porque é mãe desafortunada que tem, na madrugada, os seus filhos queimados. Pararam um carro ali no Bonfim e tocaram fogo em seu Osvaldo, igual fizeram com o índio Galdino em Brasília, lembra? Ele teve o corpo setenta por cento atingido por chamas mas sobreviveu e continua morador de nossas ruas, de volta ao nosso convívio. Mas tem cravada no corpo a marca de uma humanidade que queima gente.

Com a duplicação da Antönio Carlos, centenas de seus osvaldos habitam agora a Rua Itapecirica, marginais aos proclames de uma cidade que expande seus asfaltos. Toda vez que olho para eles ali, quando subo a Itapecirica, vejo refletido em seus olhos a história da Lagoinha, um bairro histórico transformando-se em ruínas. Sendo derretido. Um bairro com o corpo em chamas, como o de seu osvaldo. Quem vem apagar esse fogo?



(foto de Gabriel Zupo)