quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

dom quixote

o céu acima está oco e repleto de ses debaixo dos corpos. o mesmo punhado de espinhos com as frases compostas de menos verdades. porque verdade, verdade mesmo, é bicho preguiça. anda lenta e sem memória palpando o nada. antes era só o desejo de se roçar na pele e agora esse amontoado de versos prosas que se acumulam, nada dizem nem amaciam. ela alcança seus verbos, mais reais e palpáveis que seus músculos de pedra. o mundo vira buscar seu corpo, sublime porque escasso e em função dele nasce uma mulher estranha. deslocamento da consciência para fora do ato. vê-se de fora e desconhece o olhar quando envolto no seu silêncio. a cidade parece a mesma mas ela está distante, difícil de laçar. as antigas dores deixaram de doer e mesmo o bicho estranho de duas letras já não a assusta mais. está em tudo, contudo. ela aos poucos se acostuma com esse ser autônomo que surge cada vez que você a provoca. agora entende a necessidade da distância, esse impulso para o longe. o ponto de referência do mundo se tornou o corpo do outro. e tudo restou pequeno, menor e suportável. lugar distante é onde ela quer estar para abrigar o outro. ficar longe de longe dói menos do que ficar longe de perto. pode ir morar no japão, logo ela que nunca havia querido sair dos livros. isso não é paixão nem queda. é ser. estamos em 1977. a mulher que em pouco tempo já não mais será senão poeira de memória pairando sobre o futuro. mas de cá agora dessa rede, esse céu. e você. basta você existir, com seus moinhos de vento.




segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

piauí



problema de labirinto: cheguei até aqui.
e agora? Gauguin com seu exílio,
Van Gogh com sua loucura,
Rimbaud com sua renúncia e
eu com este canivete.
(lavrei seu nome num pé de carnaúba)

neste calor torno-me pastosa,
injustificável e contingente.

seu nome inda abarca tudo.

sou aquela que você escreve,
retirante mulher da vida,
mas com o coração um pouco mais mole
és incapaz de ler.

- só sei falar
         de mim.
      
torno-me ignorante a cada dia
quanto mais se expande a terra sob meus pés.
isso me cala de susto
mas não ouso silenciar-me
e passo ao pânico um segundo antes da escrita
como temendo uma revelação
(sou dada à transcendência?)

um dia
talvez possa expressar o necessário.

minha angústia se prostra
ante a liberdade com kierkegaard
ante o nada com Heidegger
e com Sartre tenho tendência a fugir do meio termo:
indiferença ou dedicação maníaca
(mesmo em silêncio de longe te observo)

parece que quando mudamos de vida
como uma serpente
urge contemplar esta troca de pele morta,
quebradiça,
que já não é.
estar no mundo é tudo.

é preciso ser de barro,
mas minha concepção é vento.

quando eu morrer será só mais um não-lugar
múltipla sem original
uma escolha e um chamado para o longe.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O CORREDOR DA MORTE


 
"Auto-ajuda não, que isso não é para o meu bico. Mas talvez hetero-ajuda, essa que se constitui na alteridade, não no ganho e apropriação mas no jogo e mistério identitário"

Enquanto Drummond é lembrado por dias com suas poesias aparecendo a cada hora nas redes sociais, tornando menores as pedras, outro homem toma a minha recordação, o biógrafo do poeta, que conheci em carne e osso num corredor de hospital quando ainda lutava para fazer seu novo coração transplantado aceita-lo como casa.
No dia que conheci José Maria Cançado eu havia recebido a confirmação do câncer da minha mãe e me sentia oprimida diante da possibilidade da sua morte e das dores que sabia ter que enfrentar ao seu lado, sem fraquejar. Obviamente fraquejei várias vezes no percurso. Como poderia eu enfrentar um desconhecido tão poderoso? O que sabia era ter que adiar em mim a manifestação da dor, para exercer o Cuidado. O que sentia ali parecia menos importante do que deveria externar. Mas isso tudo sucumbia à vontade de chorar, ao sentimento de revolta e ao pavor diante da morte, que se manifestava como possibilidade latente no corpo de um outro amado. A morte continua inconcebível, porque não é o que sentimos com a finitude de um outro e nunca será registrada como experiência inteligível por aquele que a vivencia, porque o eu deixa de ser no momento em que ela é.
Eu trazia o diagnóstico na bolsa e ainda tentava me acalmar do choque primeiro da anunciação, quando o meu companheiro recebeu um telefonema. O seu sobrinho havia quebrado a perna e seria imediatamente submetido a uma cirurgia. Fomos visitá-lo no Felício Rocho e com isso eu adiava por algumas horas o reencontro com dona Marlene, que me aguardava em casa como mensageira. Seguir com o meu namorado para o hospital era suspender o encontro com a dor ou buscar um atalho que me redimisse com a coragem. A caminho do quarto, os infindáveis passos pelo vazio do hospital me pareciam inaugurar um longo percurso através do corredor da morte.
Eis que surge o poeta, que eu sequer conhecia, pequenino, na outra ponta do grande túnel, vestido em túnica branca. Ele não parecia doente. Doente parecia eu, calada, amedrontada, com a palavra câncer devorando tudo. O poeta fala dos anos vividos em quartos de hospitais, das cirurgias incansáveis, dos tubos, das enfermeiras. O ouço dizer que não teria sobrevivido, não fosse o SUS. Fala do seu livro, “O transplante é um baião-de-dois”, que ele compôs ali mesmo, no confronto com a experiência.
Anos depois li seu baião de dois, alguns versos declamados no corredor. Um Dom Quixote caído de um campo de batalha desconhecido, tentando me convencer a encarar a árdua luta a que fui convocada, sem meios de poder recuar.
"Pois o que se entreouve aqui
nesse leito, velha UTI, lugar donde estoy,
normativo não é. É a ponderação
misteriosa, e que é assim
com relação ao que longamente já é
e com relação ao que longamente não foi.

Espero. Minha condição agora é pastoral."



E quem falou que não é
também esta condição
a nossa?
Por isso
vou escrever sobre tudo
o que aperta o peito,
de uma vez só,
porque como em Maiakovski,
a anatomia em mim
ficou louca
e sou toda hoje.
 
 
ps. os versos em itálico são de Cançado em seu O transplante é um baião de dois. Vale a pena ler, pois a quem escapa o corredor?
 
 

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

SOMOS TODOS DANDARA


Comunidade Dandara, em Belo Horizonte, com cerca de 1.000 famílias, está ameaçada de despejo. Mas há um movimento em luta pela sua permanência. Porque somos todos Dandara!

sábado, 15 de outubro de 2011



acorda num quarto de hotel, sozinha e longe, bem longe de casa. mas há muito a casa passou a ser qualquer lugar do mundo. uma mochila, o livro que lê e que será dado quando chegar ao fim, cartas  a um jovem poeta, de Rilke. uma câmera para capturar imagens, uma máquina para escrever. isso será a sua casa e a carregará no corpo, feito tartaruga. sua ambição é plena. deseja apenas resolver uma dor que insiste em pulsar dentro, enquanto sabe existirem lutas mais sérias, fora. Dandara, Tunísia, Cisjordânia. o mundo está resumido a si mesmo e a toda carga de passado que o expande em história. comissões da verdade do mundo inteiro, uni-vos. Berlim continua em chamas. o muro nunca caiu. atravessa o Amazonas, o Chang Yian, o Mississippi, o Yenisei, todas as águas doces do mundo, para esperar a noite a noite de hoje, que nunca cai, mesmo quando já se faz escuro dentro. são 6 da tarde e não comeu nada ainda. pede uma canja ao restaurante do hotel. será sua única refeição do dia. tenta ver tv. desliga. tenta ouvir musica, silencia. tenta conhecer a cidade a partir da janela, sucumbe. passará o dia esperando o dia passar. frame por frame. isso se prolonga mais do que imagina durar um dia. certamente terá sido o mais longo já vivido. e quando pensa enfim, a tarde se foi, descobre que ali é menos uma hora de brasília. rajadas de pensamentos por segundo. é preciso desencorajar essa mulher. ele pensa? é preciso desencorajar todas as mulheres do mundo. o homem não faz ruído. é como se não existisse. mas preenche todo o espaço. ela vai para o chuveiro e se senta no chão, em cima de uma toalha. uma hora de ar respirável debaixo dágua. escorpião. espera o vôo das 5. terá que atravessar uma madrugada. quando o corpo já está enrugado e quase febril da água do chuveiro, se joga novamente na cama. o telefone toca. sabe não ser ele. mas quem há de ser? da portaria. já passa das 20. devem temer encontrar um corpo morto. muitos corpos escolhem hotéis para sangrar. ela não pensa em morte. pensa em sexo. nas sensações de ontem. e se essas a fazem escrever muitas páginas, não se trata de dor, mas outra coisa ainda sem nome, desconhecida. e ela mergulha como costuma fazer em mares noturnos. deixa o hotel em algum momento da noite. vai caminhar pelas ruas. o que veio fazer aqui? o que pode conter esse lugar? ele talvez a ache perdida. terá descoberto parte da verdade. não consegue chegar ao teatro. muda o percurso. pára num bar de esquina onde apenas um homem bebe com o olhar retido na chuva rala que torna a rua uma camada fina de espelho. a mulher não tem guarda chuva. o homem não a vê. “uma dose de conhaque, por favor”. sua segunda frase do dia. “uma canja” foi a primeira. a boca se abre por fome, a boca se abre por sede. agora o velho do bar a percebe. uma mulher sozinha na chuva a pedir conhaque não pode dar em boa coisa. ela não bebe para tomar coragem, mas para tentar diminuí-la. pôr um freio no desejo, que é sóbrio. o velho a serve e continua inerte. “sinto muito frio”, ela diz. “então vá para casa”, ele responde profético. ela o obedece. pega um taxi. o homem nem saberá. tudo estará escuro. depois dirá que foi. dirá. oferenda de vazios. não tem nada a oferecer. e não espera ganhar nada. é isso, é justamente isso. o não querer nada. tenta apenas se acostumar com a existência dele, agora que ele existe. e nada mais. depois talvez consiga voltar a pedalar em paz.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

FILMES DE PAULO TIAGO

(para assistir, clique nos títulos)

Direção de Gabriela Leite.
Curta baseado num conto meu. 
Assino roteiro com Paulo e assistência de direção. 
Exibido na Mostra Glauber Rocha de Salvador, 
na Mostra de Conquista e no Festival de Ouro Preto.


Não me canso de assisti-lo...


Filmado num dia especial, em Conquista, 
enquanto tomávamos um vinho no fundo do quintal.


Com Morgana, linda!, e 
João Murilo, pintor de Guimarães.


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

é o carro de biscoito passando em sua rua



esse video me deixa na saudade... 
o carro de pamonha que me acordava aos sábados... 
Geo, insano, produziu esse video. 
 

sábado, 8 de outubro de 2011

tradução lingüística da sua presença (ou o que pude reter de um livro técnico sobre imagens)

na sua pele
quando meu corpo
silencia
sucede

objetividade asseptica
de uma não-linguagem
no seu indo pra dentro de mim

ou tradução intersemiotica
de um ruído sem-lugar no mundo?

o que se pode haver
o que se há de ouvir
com as orelhas cravadas  no peito,

eh um
tum-tum
tum-tum
sem fim,

em vermelho

tum-tum
caligrama bomba
tum-tum
lacrado com cera quente,
tum-tum, ponto final

tum-tum
pulsação latente
de um corpo
xamã

você eh um concretista
enquanto olha e somente olha para os meus joelhos?
um surrealista? um dadaista?
artista pop? ou conceitual?

tum-tum
espaçamentos entre
desejos e nudezes,
sujidades queridas,
mediterrâneas

tum
ul
tum

possibilidades retóricas
do seu corpo cravado no meu:
- isso não eh um cachimbo!



terça-feira, 4 de outubro de 2011

atmosfera



hoje foi dia de cama. atmosfera de morte. caixas para arrumar, mudança pra fazer e o corpo não corresponde. isso talvez seja reflexo das coisas sacudidas? apesar de serem sempre pensadas, na maioria das vezes queridas, bate essa noite de insônia, de arrumação mental, de pensar o que cada tempo guarda, entulha, acumula, até ser varrido, lavado, renovado com as novas paredes. equilíbrio é conversa de bêbado. o nosso estado é sempre esse, de turbilhão. tarde de cama zanzando na rede do novo lar, prostrada. desisto de tentar fazer o que era necessário do dia, assumo a sua ruína, assumo que ele foi feito para sangrar. "o que fará até o fim do ano?" "esperarei ele passar." busco o rumo de volta ao quase antigo lar, tomo o metrô, vago cega, ouvindo os motores dos carros como gritos distantes. só a fotografia parece fazer sentido. passo o dia colhendo imagens. céu obeso de nuvens que ainda se seguram antes de chover, temendo o meu precipício - as chuvas mais me dissipam. dor. quero falar sobre a dor, assumir a dor, até que ela se dissipe (por hora!, porque ela regressará. é um buraco, onde caio com certa frequência). é sempre ela quem se manifesta na escrita, talvez porque só reste esse lugar, dentre outras pequenas formas, para se expressar. não a quero solta por aí, de conversa com qualquer um. muitos poucos a saberão. ela é uma flor de espinho. se basta. só para o menino triste, ao telefone, que sustenta o silêncio até a última gota, ela se abre, se escancara, porque não tem nada a dizer. é um buraco, insisto!, onde caio as vezes, sem perceber. um guindaste que me prende no ar, com as pernas soltas. uma dor de música. paixão cega, insana, perdida. overdose homeopática. é preciso saber domá-la, é preciso saber deixá-la transbordar em algum lugar. daqui nada se espera. basta saber que foi feita pra nada. deixar de temer assumi-la, deixar de querer floreá-la, deixar de se fingir contente. nunca quis ser poliana. felicidade é um estado a que aspiram os cristãos e há muito passou a achar uma baita sacanagem se querer eleita. quer estar entre os condenados. prefere o lixo. ou esse tal de deus abre as porteiras pra toda a sua medíocre criação, ou o negará até o fim. esse deus é falso. é perverso, é humano, demasiado humano. é menos do que ela mesma consegue ser. se deus consegue ser menor do que o eu, fico com os meus botões. o ego vale mais, é mais acolhedor. e já não temo sequer falar sobre isso. já carregou essa cruz por tempo demais. mas ainda insiste na terceira pessoa. o meu hospício é a terra. sou louca de jogar pedra. por isso me larguei solta, por aí. agora sim, às caixas de papelão.



quarta-feira, 28 de setembro de 2011

no Raso


 

  1. o corpo se guarda desde antes para o que só sente. "então podem assim manifestar os bichos", pensará depois, enquanto respira chão. o primeiro vento após deixar o avião arranha os olhos e o que aspira rasga as narinas, parece pó. basta pisar o planalto central para ser absorvida. ela e a seca uma coisa só. uma náusea sem fundamento a toma, a boca se rasga, um branco vindo do sol cavalga em fúria e fura os olhos e atravessa o cérebro feito navalha de lampião. dela, toda razão vaza, transmuta-se sussuarana, assume o inóspito, o ermo sem par. prepara-se para a topografia de onde veio e a que se destina. não é um deserto o que busca, mas um encontro com um outro que se abeira com pele de espinho e lábios de urtiga. esse outro, a quem ela se confia em segredo, longe do mundo, firma barreira para reter seu poço. ele a tem como uma invasora que lhe tenta beber na fonte. mas ele não eh nascente. mandacaru. rabo de raposa. cipó enleirante. palmatória acicular. eis o que é. a mulher cruzou léguas para em caatinga adentrar. “essa terra é seca, mas tem dono e quem eh você para pisar!”. ele dita manso, enquanto a amarra e deixa saltar micro grãos da boca de água. “ele guarda tesouros”, ela pensa, enquanto se deixa amarrar, pois a sede que vem desde antes, que traz cravada no osso, agora espera se desfazer nesse leito de rio. há também de haver copa de árvore em seus braços, onde ele depois a deixe respirar, bolida por brisas. mas a noite avança e ele se mantém sorrateiro, espiando a presa de longe, para que não se solte. o que houve ali foi desnorteio, nadar trechos e trechos de fundos, atrapalhação de rumos, vestígios de estradas largas, abertas a facão. cheiro de suor anuncia que ali ainda existe vida. quando o céu já faz brotar novo dia, a fadiga vence a batalha, o homem se esquece de lutar e dorme. com ele, também todo o resto silencia, só a mulher faz vigília, sentada ao seu lado, buscando entendimento. por que os homens guerreiam? o cansaço a faz pressentir o perigo. então ela se enganou. há de ter pegado atalho errado, há de ter se embocado no Raso. paragem de fogo. abrigo do oco. há algo ali de assombro e casa. ele a liberta, desde que se vá morrer no longe, num desvão de serra, numa solapa de pedra. que o demônio que tentou riobaldo a acompanhe! nem um gole de água, nem um mergulho no rio, nem uma brisa de verde, nem nada. ele se apossa dos panos finos agora em tiras, antes abrigo da nudez da mulher e lança seus óculos pra longe na estrada, para que se perca na incerteza do breu. a expulsa para além da cerca. e ela segue seu rumo como um sertão, rastejador, condutora de bandos, olfato de raros, onde razão não entra, só odor. face tostada de sol, olhos chispados de luas, pele cravada de espinhos, inabalável couro de tatu. se enrola dentro de si e enquanto descança, toma uma ladeira qualquer. deixa o corpo seguir seu dom de terra no mundo.



terça-feira, 20 de setembro de 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

clipe do curta "O cheiro do mundo"





Uma madrugada será o tempo e uma festa o espaço para o reencontro de Saiene e Ciro, separados há alguns meses, mas ainda cúmplices de um amor crepúsculo. O reencontro será marcado por uma densa paisagem de imagens e palavras, em busca do entendimento definitivo, antes que amanheça.

Produção, Roteiro, Direção e Montagem: Fabiana Leite

Direção de Elenco: Neise Neves

Direção de Fotografia: George Neri

Produção, Som direto, Assistente de Direção e Finalização: Matheus Augusto

Assistente de fotografia e still: Moacir Gaspar

Direção de Arte e Continuidade: Eleni Kouklanakis e Paula Jardim

Platô: Jonas Filho

Trilha Sonora: Banda Iconili

Elenco principal: Ana Régis, Glicério Rosário, Alessandro Aued e Jéssica Azevedo

Elenco de apoio: Anair Patrícia, Daniela Rosa, Eleni Kouklanacis, Filipe Galgani, Gabriela Fragoso, Hugo Araújo, Jonas Filho, Juliene Lellis, Luciana Castro, Marielle Brasil, Paula Jardim, Tamira Gomes, Yany Nunes

Agradecimentos especiais: Filipe Galgani e Paula Jardim

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

por isso não. se meta



pó. ornamento. 
dispositivo nenhum de nada. 
é 3 da tarde e a cabeça dói 
do conhaque de ontem
enquanto o mundo guerreia 
e trabalha. 

vaga 
bunda
torta de anja
caída num beco. 
asas do desejo.
hormônio. 

só os homens sacam, 
só os homens sabem 
- e os homens não são mulheres!,
o peso do que carregam nas pernas. 

os homens não são mulheres!,
só os homens sabem.
só os homens viram papas
enquanto as mulheres 
amam(entam). 

quando esteve ele por perto? 
ele não existe! 
é essa voz 
que agora brota 
de uma radiola velha. moleque.

enquanto você se 
enerva e buzina 
de dentro 
dessa lata no sinal,  
nas grades da liberdade
os professores se amarram.
em vão?

o governador não escuta. labuta?
em novo lar

bordado
por um comunista. 

é preciso fechar a b r. 

ela não sabe rima,
dizima. 
besta. 
burra. 
borda. 
do peixe herdou memória.

se nega a dizer 
o nome das coisas 

só os mortos a consolam
com sua carga de carne, 
de sangue. 
bukowski. 

quer se esvaziar até longe. 
marchar pelo fim da fome. 
só é feliz quem come. 

mas o prefeito vai de jato 
pra capital federal, 

rá! 

algo novo aconteça? 
o atlântico não é tão fundo assim 
e o afeganistão é logo aqui. 
já o mineirão está em dia 
com o calendário da copa, 
mas os operários querem greve. 

produzir agora, 
só para o que não tem valor. 
só para o que não existe. 

aprende a ser forte 
e elimina as palavras 

nuvens. 
agora só trovão. 

ele é uma praga 
dessas que 
colam no corpo 
feito bicho 

hospedeiro. 
suga o ar e a deixa 
ré.

ela se alimenta da fome do mundo. 

viverá até 86,
pintará até 71. 

o que come cabe 
na palavra amor 
mas tal signo há de ser triturado, 
há de ser devorado 
até deixar de. 

o amor nunca existiu. 
foi inventado 
por quem não tinha mais a fazer
e apostava em cavalos. 

agora tem uma parede preta na sala. 

o que pulsa dentro é uma vela. 
não vela que alumia, 
mas vela que filtra, 
porque as águas da cidade fedem. 
pampulha é linda e lodo. 
já o arrudas, 
como todas as nascentes 
que antes brotavam água na cidade, 
foram asfaltados. 

linguagem é bactéria. 
risca o fósforo 
e bum. 

o que sempre fez foi colar. 
nunca tirou 11 na prova, 
lanchava no banheiro
escondida da multidão, 
tinha medo de gente 
e uma vez por semana 
cantava o hino na porta da escola. 
por isso, talvez, 
tenha se tornado vesga. 

sua bisavó era índia. 
foi laçada na mata por homem branco. 
por isso essa cara pálida. 
e essa sede de rio filha da puta.


por isso não.
se meta





quinta-feira, 15 de setembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Marcelo Dolabela






Procurando por vídeos com Marcelo Dolabela encontrei duas pérolas do século passado, da década de 80, quando ele integrava o grupo Divergência Socialista. 

Sempre me bato com o Dolabela sentado num bar qualquer do Maleta, um prédio histórico de Belo Horizonte. Me apontaram ele de longe, com o queixo, nem me lembro quem, quando eu ainda me ambientava com a capital mineira. "Aquele homem é um dos grandes poetas vivos de BH. E bebe no mesmo copo sujo que eu..." - é o que sempre pensava, até me acostumar com a sua presença ali, solitária e silenciosa. Minha paixão pelo Maleta fez de cara gostar dele. Busquei suas letras. Seus hai-kais. Suas rimas. Sua performance. Gosto muito!

"Tire seu abismo 
do abismo 
porque quero passar 
com o meu abismo" 

é  dele. recito sempre quando um 
abi

smo

abaixo outro seu poema

Balanço da década
uma década tem mais de cem séculos
dez bilhões de vozes num único eco
mil e uma noites num mero segundo
poucos trilhões de silêncio num ponto

quanto se conta os átomos é ótimo
a hora fica interminável num átimo
não se chega nunca a nenhum lugar
e apenas se volta ao mesmo volume

um só dia tem bem mais de dez décadas
num rústico eco a maior biblioteca
da luz do segundo nenhum consenso
até quanto nos faltará silêncio 


sábado, 10 de setembro de 2011

retilínea


se tudo deixa de ser
quando eh,
enquanto você
se inventa
ela se dissipa.

líquida.

não sabe ser
nada mais do que água.




quarta-feira, 7 de setembro de 2011

isso eh mais ou menos o que ele diria hoje


"Querida sapatos em Farrapos,

pode ser que você não saiba,
mas a noite passada
você insultou o autor
desta história.

Você sabe ler?
Em caso positivo,
invista 15 minutos do seu tempo
e delicie-se com uma obra-prima.

Da próxima vez,
cuidado.

Nem todo mundo que vem a esta espelunca
eh um vagabundo.

Arturo Bandini"

(Pergunte ao pó, John Fante)



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

DAQUELE INSTANTE EM DIANTE





fotos produzidas com iPhone em sessão de cinema, no Indie BH 2011 - Festival de Cinema Internacional. Documentário "Daquele instante em diante", sobre o poeta, músico e compositor Itamar Assunpção. 

ISCA DE POLÍCIA E ITAMAR ASSUMPÇÃO


ARRIGO BARNABÉ


ALZIRA ESPÍNDOLA


ITAMAR ASSUNPÇÃO




sábado, 3 de setembro de 2011

mulher de escamas



ele deve entender
antes de tomar pra si:
a literatura é um molde.

pura fantasia
de uma mulherzinha
que quer dar o bote.



quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Praça Sete



um dos meus videos, 
curta cotidiano




segunda-feira, 29 de agosto de 2011

muda


irrupção
   irredutível

emerge do se

  - formigamentos

verbais 



domingo, 28 de agosto de 2011

antes de amanhã ser



ela está despida e observa os restos. sobraram as roupas espalhadas no pequeno quarto onde se apresentam por pseudônimos. o homem se vira pra parede e dorme, mas se surpreende quando a vê indo embora antes do amanhecer. é indiferente, mas não o suficiente para deixá-la sair por aquela porta. o conhaque, pare de beber! ele toma o copo da boca sedenta a perguntar sobre o poço. escuta sem responder e se lembra de outras circunstâncias, mais felizes e nunca existentes. os mesmos quartos vazios cheios de futuro com ele a retendo em paredes cheirosas. braços rijos e mãos largas agora encolhidos: não comportam quase nada do outro. pede que tire novamente a roupa. ela tenta resistir. deite-se. a mulher beija a face do homem e é com ternura que o faz. nele, secura nos lábios de florestas interditadas. mas ainda assim insiste e a retém, fazendo-a pensar que o fim anunciado possa ser desimportante. “talvez sobrevivamos". "sim, talvez”. o sexo traz sempre uma certa suspensão do mundo. dormem silenciosos. não são de longos diálogos. a mulher o abraça por traz e o beija a nuca. fica assim, grudada nas costas dele. acredita que os corpos sustentam um pouco mais do nós. a noite traz um miúdo de vida. mas ele não a quer patética, mulherzinha. "se toca, garota!" um deles se põe de pé. “vou sair um pouco, você vem comigo?” “não, acho melhor não”. bate a porta e deixa o outro de lado.

repouso num deja vu


mínimos gestos. prepondera o oco e o medo expresso de que o corpo, entrega latente, reste inundado. a distância das camas, as pedras vermelhas arrancadas da veia do segundo sexo, as meias despidas dos pés gelados, a gota caída das horas da madrugada sobre os paralelepípedos, os nãos. dorme e acorda. o quarto continua ali, guardando o sono profundo do outro - não é pesadelo. quer fumar, quer se embriagar, mas a sobriedade é exigida - para fazer ver o descabido ato? quem é capaz de se lançar sabendo ao inferno acorda em chamas e ainda clama fogo. sabe? embate incógnito. náusea de corpo anestesiado de repente desperto. manhã de música de mágoa de máscara de manhas enquanto atravessa vales. o caldo servido na boca enquanto dita as regras da noite, as trevas da espera, o dia clarear sozinho. o desejo foi desviado e morreu em outra antes de nela ser saciado. ele é assim. quer entrar para tomar um café? e diz com voz mansa, de quem prepara a ceia enquanto degusta um vinho. vaga feito frases feitas. fora do eixo. mar de anas. sabe-se lá, momentos vultos, até os criados para fazer repousar. deita sobre o peito do outro mas não ouve o coração bater. o que representa o nada ali? se lembra de um deserto. mas o que busca, há de abismo nele. um poente jogado no mundo e sóbrio. cru feito a fome. e come. e verbo e tantos. a rua, o gueto, uma viagem, um furo incerto. flor de estufa, a sós e em bando. luta feito um poeta russo.

e ela de tudo coa
uma garapa de texto
um caldo de experimento para uma prosa depois do ato
abóbora com cebolinha
desafio para o fundo de uma artesã
tolas justificações para o instintivo sem plexo.

borda 
trans borda 
afunda bóia

                        tudo há de passar indo




mas enquanto ainda durante,
anda roendo o que concebia 
por final e estanque:
instante




tudo ar 
de passarinho


(e quando ela cessar de escrever?)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

entre geremoabo e várzea da ema

                              
.................................................
sobre o raso da catarina,  
aprende sede
aqui



sábado, 20 de agosto de 2011

despendida



Várias luas se passaram desde o dia em que ele, num tom seco ao telefone, disse para deixá-lo em paz. Desde então, o silêncio e a lembrança fina da noite em que sentados no passeio e pressentindo a longa separação que sucederia, viram o dia amanhecer, tendo ambos a cabeça pendida, como uma barda frouxa deixa à vista o desmoronamento. A luz, também frouxa, do dia que não quis se atrasar, impôs o último sorriso, fixado no portão da casa dele, quando a deixou entrever, tal qual uma vela num túnel escuro, um sopro de calor logo eclipsado pelo olhar morto. 

Não era possível retornar lá onde o desejo a reteve nos primeiros passos porque todo o sentimento, dito mais puro, trazia o peso de um fim sentido, sem mesmo ter sido desde o início anunciado. O peso de um fim presente desde os seus mais jovens olhares, desde os seus mais virgens afetos, desde os seus mais crus sentimentos. O fim estava lá desde o prelúdio e estar ela abraçada à raiz só tornou mais profunda e sufocante cada partida.

Ela não sabia agir no torpor, apesar de tentar feito cega tateando a superfície, criar uma forma que a mantive de pé. A sensação era nova e estranha e trazia uma felicidade que sabia falsa, ilusória, irreal. Reticente e temerosa, se fechava como as flores se escondem do sol. Isso a tornava contraditória, porque havia um brilho novo no olhar, além de deixar escapar suspiros de alegria e abraçar com suas pernas a cintura dele, feito bicho que da plena inconsciência de não se saber nu, está nu. 

No momento anterior à despedida, quando ao pedir uma última noite, um último encontro, ergueram o último olhar, ele prolongou o silêncio até vê-la em desespero, para somente aí, neste ponto em que se encontrava, ir tê-la em seus braços, com uma força que a sufocou. Por que faz isso comigo, perguntou? Alguns longos minutos se passaram assim, com o mundo paralisado no peito deles, retido, suspenso, prostrado com os cílios cerrados, para deixá-los tal qual uma estrela no universo, na solidão do último beijo.