domingo, 28 de dezembro de 2014

2014



O que pende de maduro é fruto?
Palavra caída de árvore
rasga buraco profundo
no chão.

A vida segue e quem se lembra?
frase não, língua talvez,
verbo do mar de tao.

Morre o calor do colo da mãe,
morre o verso melhor de um amigo
e a alma de quem, é livro?

O que quis dizer, disse.
No amor ou no rancor,
não na lei.

O tempo passou
e eu estou. 

namastê. meu silêncio é sim.






veias abertas


 

a cabeça dói. pulsação forte do lado direito do cérebro, náusea, cegueira e sede. ir ao médico, pedir exames, olhar aérea ao desenho da tv da cadeira fria do hospital sem cor. o hospital, corredor de nostalgia. a voz do pai se perdeu numa sala de cirurgia. o caroço da mãe sugado numa longa tarde de espera. de volta ao quarto, ainda dopada, solta desconjunturas de uma mente insana - a loucura deve ser assim. sentada na poltrona, inventar histórias aos personagens que aguardam a sua vez. uma moça vê figurinhas. seria a mulher ali, se não estivesse aqui, presa neste coração estranho. tentar fraudar o horário de visita e permanecer ao lado do leito da mãe. dormir retorcida num encosto de aço gelado ao lado direito do lençol branco que tem o corpo do pai. o irmão, quando de mandíbula quebrada, geme de dor e insinua carência e medo. a doença cala. as projeções perdem o sentido e a falta de sentido consola e torna mais bonita a cidade cheia de pequenas luzes e o imenso breu que se vê da janela do hospital luxemburgo. o  poeta Cançado, inventor de drummond, de vestido longo e branco, empurra um suporte de soro e puxa uma prosa, personagem encontrado em uma dessas caminhadas por um desses longos corredores cinzas de espera. não parece doente. diz-se acostumado. trocou de coração, agora luta para que este aceite o novo lar. recusa, luta, estranha. o poeta faz poesia da dor. entende agora a importância do sus. traz pra rima palavras grandes e frias. eletrocardiograma. viver é de uma magia estranha. quem sabe o que trouxe cada um praqui? o hospital deixa cicatrizes. é um espaço de suspensão. fratura. um péssimo lugar que inventaram para curar a dor. chegar em casa, tirar a roupa, tomar um banho quente, deitar na cama com cobertor limpinho e cheiro da gente, dormir por longas horas. o corredor comprova a verdade contida nos pequenos prazeres. teve também a vó. como se esquecer da vó? seu beijo de despedida? seu corpo inchado querendo fazer xixi. sua vergonha de estar assim submetida ao outro, ela que durante toda a vida, até aos noventa anos fora independente e ativa. de todos que levaram a mulher ao imenso corredor, só a vó partiu. mentira. partiu o avô, que confessou a ela, deitado numa cama, ter perdido o gosto de viver. partiu a mãe, que confessou a ela, inúmeras vezes, ter perdido o gosto de viver. partiu papalo. que confessou a ela o mesmo gosto perdido. de viver. agora outro primo ontem ela fora visitar. novo corredor a colecionar. tiro perdido acertado no pescoço. entrou e saiu. o deixou com vida. a vida, esse estranho corredor. as dores e os momentos de náusea são intransferíveis, intransponíveis. incógnitas. a cabeça dói. a água ameniza. a amizade acalma. mãe e pai aquecem. irmão abriga. uma película suspende. o amor consola e deus também. um bom livro faz dormir e acordar. hoje. no ano novo e em quantos dias mais haverão p'ra frente e p'ra trás nesta tabuada nonsense ∞



sábado, 27 de dezembro de 2014


hoje faz um mês da sua passagem...
e nem sei se acredito ainda que te tenha perdido,
mesmo o tendo mirado deitado, com os olhos cerrados,
num jardim.


muitos sinais de despedidas vieram de ti
e eu a brincar de acreditar
e esperar,
como quem ingenuamente ignora o que não quer ver,
que pudéssemos ainda até o envelhecer
nos fitar.

você antes disso seguiu como um vulto
um vento um guerreiro austero e sem tempo
em seu dragão selado de altivo julgo.

à revelia dos deuses e de nós,
como um salteio de águas que jorram no ermo:
black out. o dado do vir-à-ser.

fez do viver, passo por passo, vã despedida.
Agora relendo seus versos é dado:
cada palavra uma elegia, sintonia pátria
com o devir.

http://www.paulotigo.blogspot.com.br