segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007



a literatura é o que alimenta
porque nela vibra a possibilidade

ainda um tempo nublado, igual ia ela mesma. a noite parecia querer chover, mas apenas aquela umidade das nuvens carregadas desciam do céu, esfriando e molhando o corpo, a terra, o vidro da janela e a retina dos olhos. os dias pareciam irreais, havia uma sensação de não-participação, de não-integração, de escorregamento, como se as atividades cotidianas fossem arrastadas de um mecanicismo que sequer sabia de onde provinha. quem produzia aquela comunicação que estabelecia com o mundo? quem acordava e se punha integrada em cada movimento? quem ia empurrando os anos com tanta determinação, permitindo mesmo a estúpida sensação de estabilidade em tudo? quem, se na madrugada um profundo desprendimento a possuía? quem, se sentia de forma mais acentuada uma solidão harmônica, que lhe preenchia de força para mexer-se na ordem fútil das cousas, como se a certeza da falta de valor de tudo a fizesse mais íntegra para poder constituir cada gota da ínfima existência com o conteúdo que ela mesma quisesse dar.

sábado, 24 de fevereiro de 2007




ela

quando se abre
sabe

quando se sabe
toca

quando se toca
sela


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

para o carnaval:

Lucia Murat: Quase dois irmãos
Eliane Caffé: Narradores de Javé
Cláudio Assis: Amarelo manga
Karin Ainouz: Madame Satã, Sob o céu de Suely
Toni Venturi: Cabra cega
Sérgio Machado: Cidade baixa
José Eduardo Belmonte: A concepção
Eduardo Coutinho: Edifício Máster
Luiz Fernando Carvalho: Lavoura arcaica
Rodrigues Gonzáles: Amores brutos; 46 gramas; Babel
Richard Limklater: Antes do pôr do sol; Antes do amanhecer; Waking Life
Michael Winterbottom: Songs; Código 46
Spike Lee: A última noite
Denys Arcand: As invasões bárbaras; O declínio do império americano
Kiéslowski: A liberdade é azul; A igualdade é branca; A fraternidade é vermelha
Zhang Yimou: Herói; O clã das adagas voadoras
Ki Kin Duk: Casa vazia; Primavera, verão, outono, inverno...e primavera
Se Hayao Myazak: O castelo animado




antes de adormecer
acende um fogo
no corpo

tanto pensamento
nenhum
ato

até que a mão


seara


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

a mulher abriu os olhos assustada com o dia que até agora nada. o tempo pulava corda, esquecido do mundo e da tristeza presa na noite. dez vezes se levantou da cama para olhar pela janela algum rabisco de branco no céu, mas ainda as estrelas a dizerem que por ali somente havia madrugada. resolveu encarar o breu, pondo-se dentro de um xale. desceu a escada, seguiu pelo corredor, indo em direção à cozinha. abriu a porta e sentou-se no degrau que a levaria ao quintal. havia um grunhido de bichos noturnos e já o som de galos a marcar quatro horas. enlouqueceria antes que chegasse às seis se permanecesse à cama. impossível acreditar que tão pouco tempo havia se passado desde que se deitara. lembrava-se ainda do momento em que no entardecer. ele não deveria tê-lo feito. pensou em ir embora, mas não poderia com medo de ser percebida, de deixar perceberem o corpo teso, antes era preciso adoecer, sim, uma doença qualquer que a tirasse dali, uma febre, garganta, pé quebrado. permaneceu jogada no que restava da noite quando sentiu um vulto atrás de si. 'ouvi uns passos no corredor, imaginei que seria você.' ela se levantou, cruzando os braços como quem fecha o corpo, sentiu a maré de sangue vir desaguar no peito, olhou por um segundo para o homem, deu um passo desviando dele o corpo para ser retida adiante pela vontade de permanecer. não fugir, pensou. imobilizou o corpo num ímpeto, dando um passo para traz para voltar para ele novamente a face, ele estendeu os dedos, pousando-os na nuca da mulher enquanto olhava para o corpo procurando caminhos a ir ter com as mãos. Desceu pelos ombros com os dedos escalando as tiras do xale até ter lá embaixo a pele lisa e livre de panos. Dali desceu à palma da mão. A mulher permanecia à sua frente, agora de olhos voltados à mão, como quem quer ver, mais que sentir.


"Onde é a terra do nunca, Peter? É longe?

Logo ali em cima, Wendy."