segunda-feira, 22 de outubro de 2012

modo de usar





Essa é a hora mais fria na cidade,
a hora em que na roça os galos cantam
e aqui de tão deserto
nem tanto já mais
se ouve.

Assunta isso, quando o dia nasceu chovendo
não trouxe junto a tristeza como chumbo
a sufocar a aurora com sua iníqua
falta de sentido,

esse peso morto
é seu e não
do tempo.

O que palavra diz não é dito
é coisa outra sem sentido.

De cá se vê lá embaixo
os primeiros traços
de gentes tomando a rua em assalto
indiferentes ao seu modo e estado,

descem da Pedreira
pra dar à cidade sua lida
enquanto inda sonham
com o calor do amor
- acreditam que tudo possa melhorar
e traduzem esse desejo em ato.

Alguém já se levantou
no apartamento ao lado,
côa café e tudo pra trás
deixou de elixir
essa brisa inda fria
que atravessa a janela
e te inspira um langor,

cuidado! Talvez seja sono
não nostalgia, vá dormir
e aprende a ler a pele
sem fantasia.

Todos os muros se esfacelam
agora ao redor do corpo
quando toma a cama
e nesse rio branco
lembrança embrulha e embala
saudade.

Chegou a hora de se perder
e se achar num corpo novo
que reconheça seu
inventário de afetos
como prosas sem contrapesos.

Na torneira da cozinha
a água goteja
insistente

e só agora escutas,
quando um oceano se perdeu
indiferente.

Aprende a ser reverso,
junta os pedaços de concreto
e telha altivo o dia
com signos menos enrugados

de invernos.

domingo, 7 de outubro de 2012

terra entre os dedos



O que quero digo o que sinto largo 

não anseio fatos
nem acumulo acontecimentos
o que não faço escrevo
o que não cresço invento
emolduro línguas entre vozes e silêncios

 Mas as vezes extrapolo e grito

faço o que não devo escancaro o dito
me desfaleço em verbo
desestruturo o vácuo
me lanço nua e vazo
digo o que pede o intento

Moro na pedreira e nem por isso, pedro

pensar é estar sendo
enquanto atravesso o centro

Por gastar palavras mil poetas cairão


Meu estado é de ouvinte,

condição de mendicante
mas um dia acerto o lixo
e dele erijo melhor léxico 

Não saber onde ir

indé melhor que certeza errada
se não há caminho certo
me doura a lua
e se todos me levam avante,
adiante

De querer ser coisa é que coisa

esquece de ir sendo o que não se sabe ainda
e enformiga a pele em delonga espera,
incapaz de um talvez no fogo

Prefiro estar entre tantos

do que entulhando esquecimentos
 
Essa vida está velha
e se não se pode conceber outra
senão nesse mesmo plano
peço licença para fundar um Ato

destemor 

desmantelo
desespero
desmascaro

Estou viva!


inda essa boca de flores

inda essa cólera de sangue

Enquanto lá fora 

um mundo que me espera
e já não reconheço
me oferece um cale-se
- recuso o copo e me oferendo

Já parti dez vezes desde antes daquele dia

e nenhum caminho dissolve a memória
apenas anuncia prelúdio distante

De passaporte na mão

para atravessar a próxima fronteira

Amo sempre com muita pressa

porque posso partir de manhã
como Ciça e pra nunca mais
para qualquer cais
mesmo dentro do infinito
onde me aguarde um porto novo
repleto de barcos e navegantes

Sou mulher de muitas vidas
retirante

Mas quando o velho desejo me toma

já não mais atendo
aprendi a discernir o canto 
do um sopro tonto de um vício 
lamento


terça-feira, 2 de outubro de 2012



implodir o muro
dilacerar o asfalto
disseminar o vazio
suprimir o dado
lançar a mão na sombra
fazer vazar o jorro
exterminar o medo
dispensar o tédio
a hora
a norma
o pouco