domingo, 29 de maio de 2011

DESVELAR O ESTADO DE SER



Ártemis parece se indispor 
e lutar com essa
que já domina há década,

Atena.

Afrodite, 
em luto por três amores,
se debruça no leito de 

Perséfone 
e toma do seu chá
curador.

Deméter é a mais distante, 
alheia, 
adormecida.
Certamente de todas, 
a que menos exige, 
cansada deve estar 
de parir por séculos,
tanto quanto 

Hera.
Essa aí, será que existe?

domingo, 22 de maio de 2011

de dentro da cachola


a moça jamais saberá por que ao homem era próprio as interjeições que a mantinha em suspensão, aprisionada na possibilidade de uma letra, de um nome, de um beijo, de uma mão, de um gesto. jamais saberá porque a anunciação dos lábios sempre esteve retida na reticência dos ruídos, nos desafinos das distâncias, nas  prisões das esperas. o gesto puro, soube existir e quase o tocou quando do último encontro, mas se perdeu no leito do rio para o silêncio. curvado restou o desejo, ante a força da ausência, do vai e vem dos dias, da imaginação frustrada. as páginas em branco eram cheias de possibilidades - viagens de trem ao mar. saberá reconhecer o cheiro das páginas guardadas há muito num sebo? reconhecerá as palavras, mesmo aquelas já vazias de sentido? desassossego. o bom é ler um livro novo. achou O Amante do Vulcão de Sontag na estante. vai ler pra aliviar as idéias, que andam fracas. o céu é o mesmo e talvez tenha havido só uma ligeira coincidência, mas essa brincadeira do caos corrompe toda a lógica que tenta ela imprimir aos fatos - não é possível ser razoável deste lado do espelho? ele anda distante. é noite de domingo, há um silêncio na rua, um frio na cama, um bem estar de solitude com esse chapéu novo. um excesso de confiança no que virá, uma força que a empurra além - reconfiguração do que se pensava em desarmonia, reposicionamento dos signos, reorientação de sentidos e afetos - que sejam antropomórficos e absurdos, desde que imprimam o mágico, o lúdico, o verso. quando a vida parece (de)codificada, é hora de escolher uma chave nova, alice.



terça-feira, 17 de maio de 2011

CONDESCENDÊNCIA

quando me debruço sobre os (seus) escritos, 
quase surto. 
e me enterneço. 

o mesmo céu.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

POEIRAS

de repente silêncio. a casa está quase deserta. o chão branco sustenta a poeira da inércia e as roupas e pratos espalhados pelo quarto, o estado mental - "sente-se livre para fracassar". sucumbe ao turbilhão do movimento, desiste de fingir querer estabilidade e tudo se mostra frágil ou há a mesma força desconhecida e já uma dezena de vezes proclamada que a move - talvez haja perversão, destrutivismo, patologia, mas paga pra ver. expõe o olhar ao sol, até quase cegar o tato. a dor não está na ausência do outro, nem na solidão do corpo caído colérico no colchão de ar da noite. nem há dor, só movimento. e depois do último passo, um desejo profundo de dormir por dias, pra não ter que pensar, pra não ter que escrever, pra não se propor a entender nada, porque entender não torna menor a responsabilidade, mais a expõe, mais a compromete, mais a molda em estruturas. quando o essencial não pode ser transformado, ou porque não se quer, ou porque se finge não poder, as ondas ofuscam o essencial, tornam o que se pensava mais importante, menor, talvez porque ali se possa mexer mantendo-se de pé, ou porque só seja possível mexer naquilo que não a torne vulnerável à capacidade de auto-determinação. o pavor é estar à mercer das horas. o trabalho quase sempre a mantém conecta com o mundo, com as mazelas do mundo e se debruçar sobre o mundo é uma maneira de tentar compreender a si como parte de um corpo e não como essência de tudo. saber-se pequena. a dor já não faz sentido. desapega-se dos pesos, como se à deriva num barco, tendo que despejar sobre as águas do mar os objetos mais amados, porque disso depende poder contemplar por mais tempo e com lucidez o mundo. é um dizer sim à vida, é um desafogar-se das paranóias, dos vícios mentais, das tragédias afetivas que só alimentam despontência. é preciso aprender a viver sem dor. sem culpa. é preciso desconectar-se dos pensamentos viciados, das obsessões, dos purgatórios, das condenações ao inferno, dos diabos. deixar de morrer todos os dias para dormir em paz, dizendo um sim ao próximo dia. permitir-se dormir. permitir-se amar de novo. permitir-se ficar bem e só, mesmo amando amando amando. varrer a poeira da casa, ser capaz de arrumar o quarto, viver um outro sem matar-se no outro. é preciso integridade para não ser o que não se quer ser, para não se ferir por temer ferir o outro. porque os dias são breves. e há uma curva logo ali em frente.