segunda-feira, 17 de dezembro de 2007


e eu querendo caminhar ali. eucaliptos...






"se é possível morrer - morrer, fisicamente - de falta de amor, então o tio está para morrer. Vai levar algum tempo; mas vai acontecer. se nada mudar, vai morrer desta doença. alguns morrem por não poder amar, outros por não ser amados. de qualquer modo, os que ainda crêem que o amor, mesmo um amor simples e modesto, lhes devolverá o gosto de viver, estes serão liquidados primeiro. o tio acredita que um dia adormecerá num terraço de bar, diante de um último copo, e não acordará mais. Isso deverá acontecer de modo suave, mas o diagnóstico mostrará que sua doença tinha chegado à maturidade: terá morrido de um excesso de falta de amor."
(Mamíferos - Pierre Mérot)

sábado, 8 de dezembro de 2007


não há existir sem imaginário. a palavra descasca o real e me transforma em multiplicidade. a palavra me destranca e sou o que não serei nem fui. mas falta um grito, um último grito que me destrave, que me destaque, que seja em mi; há um grito uivo, um grito gesto, um grito escárnio, um grito música, um grito verso. há um grito ainda não-palavra. sei que virá já-já. depois dele, eu.

terça-feira, 25 de setembro de 2007



a manhã desceu do céu
saudou o menino embrulhado no chão
eu passava e não entendi

corri
(mas o menino me beijou)




segunda-feira, 24 de setembro de 2007




me joguei na rua


sábado, 8 de setembro de 2007




pensei que voar
que voar

névoa.







na distância dos dias, dói.
há uma garoa caindo na cidade. me corta.
o sorriso de paulo me amacia,
e busco

um coração neutro.


sábado, 18 de agosto de 2007

Bispo do Rosário


escrevo sobre a sobriedade. Marguerite Duras bebia para suportar adentrar, sozinha, pelos bares noturnos. não suportava encarar todas aquelas francesas loiras e altas sem ter avançado alguns passos para além da sobriedade. ela, pequenina mulher. a sobriedade... existe? tanto quanto as mulheres loiras e altas (existem?) ou será mais uma ficção? ontem um rato tocou minha perna, expôs os meus limites - posso enlouquecer tal qual G. H. (de Lispector). lembrei-me de marguerite e suas loiras francesas. ratinho nojento. a lucidez, ensaio sobre a loucura. é preciso olhos para ver. mas a visão é cerebral? corta-se o ritmo do sentido único. parte-se em qualquer direção. sementes. (como é que eu devo fazer um fundo no muro da minha casa?)



sexta-feira, 27 de julho de 2007




O silêncio ronda a casa na primeira pessoa do singular. deserto. abandono toda e qualquer multidão. o monólogo produz minha literatura. verborragia de solidão. um dia talvez te alcance, hospede gotas no corpo suado. enquanto talvez amanhã não chega, a canção, produzo conjugações. as palavras, digo-as sem saber se te alcançam. não quero alcançá-lo, quero cantá-lo – palma com palma (ventre com ventre). digo para que a linha produzida ilumine um horizonte – a letra junta ilumina. trago-te por ela. da tela, com pincéis, traço tua tez, deixo de estar só, apesar de saber ser (só). digo que não, que meu castelo de folhas escritas me integram. no máximo dão-me mais consciência do tamanho do fim, que não tem métrica, que não tem ponto. consumo letras, bebo-as como leite quente, vicia-me, cafeína (quero ainda tomar-te). me oprimem mas não os abandono (os signos). tento desapegar-me, danço com olhos cerrados, meus cabelos em pôr do sol, cordas soltas de violão. suo, umedece a epiderme, exige nudez, dispo-me. toda nudez será, toda nudez já é, castigada toda [segredo]. enquanto o mundo roda, enquanto todo movimento comprova o infinito, eu me tranco para que não me percebam. tento equilibrar. paro palavras, minha máxima maternidade. levaram nove segundos para compor-se. prematuras. passarinho. exijo que elas me digam. há eco, sinal de espaço vazio. tombam em pedra e voltam. tropeços. havia-os, calhaus, no meio do caminho. insisto, sei da possibilidade. intuo. há mais que feixes de luzes trombando pedras - quando se integram, estrelas.


quarta-feira, 11 de julho de 2007

Quando o dedo pousa o umbigo um uivo vai ter com a lua. A lágrima jorra dos poros, o olhar, intacto no teto, tenta definir a cor da luz, não é de um amarelo ouro, talvez um pouco mais tendente ao rubro, fechou, pequenas minhocas piscam no breu, coloridas. Talvez fosse isso o infinito, ó deus dos incrédulos, ó divindades dos ateus, se é isso o fim supremo dos eleitos eu acredito no paraíso e, egoísta, quero ser escolhida. Abre-se as pálpebras, a parede fixa o limite, situa-se no mundo, há asfalto do outro lado, a terra lhe retém, olha ao lado, há um corpo que também olha, que também pensa fixo na retina. Volta ao mundo e nunca sabe de onde vem. Quer apenas lá, intervalo de luz.

terça-feira, 26 de junho de 2007



"como encontrar idéias?

demonstrando uma perseverança
que seja quase loucura."

(charles chaplin)

terça-feira, 19 de junho de 2007





arriscando-me em pincéis...


domingo, 17 de junho de 2007



há noite dentro do dentro, incerteza quanto ao ir mas os pés já pisam o rumo do penhasco, talvez uma queda hospede o corpo, talvez ele descubra asas e consiga voar, talvez o tombo valha o tombo. nada para aprender, o passo só pelo ato. alguns ecos, alguns toques pousando para abrigar. dos afetos que foram, dos que virão refeitos, retas, curvas, possibilidades. algo se fecha, o ciclo retém um pouco de sal nos cílios. não há mais para o estranhamento. em paralelas, seguem estranhos. abismos.


Os dias propõem ondas
- Brasília talvez abrigue minhas veias.
Meus desejos, em curvas, encontrarão Niemeyer.

flores
espalhadas por toda a cidade
reclamam uma cpi
- proibido regar (sem exceções)

A porta se abriu.
O amor se fechou?

A capital dos ministérios me parece grande. Assusta
meu jeito canhoto
- talvez me perca nos seus caixotes
(Lispector me diz horrendas impressões sobre a cidade)

Mas há um imenso céu
e um coração que ainda pulsa (baiana e) mineiramente
[é possível que eu sobreviva].

Amanhã Leila Míccolis abriga-me na feira do livro
- conforto poético que inunda ruídos.






terça-feira, 12 de junho de 2007


fazer o caminho mais longo,
que te dobre, que te transforme


aprender o gesto da chuva
- a delicadeza não pode espera

sábado, 9 de junho de 2007



Resíduos.

De tudo, talvez, pouco tenha ficado,
um pouco de medo. Um pouco de restos
de gritos. Do amor
restaram poucas pétalas.

Restou um certo sombreado de sol
que entra pela persiana.
Da boca que se abre
pouco se retém,
quase quase não se vê palavra.

Alguma ínfima poeira
se vê nas coisas pelos cantos,
o sapato ainda entocado com lama,
a flor murchou

ainda talvez o caule
hospede alguma bactéria
e sobraram alguns livros
abertos na estante
insinuando restos de poesia.

Caço, contudo, pelos pratos, restos
sobra, sempre sobra farelo
e talvez seja possível fazer uma última refeição.

Das linhas busco redescobrir montanhas,
espero da língua
mais que silêncio
e pode ser que haja no copo um resto ínfimo de álcool.

Ficou um pouco ainda
um pouco ainda de pesar
pela fotografia.
A música tocou.
Sobrado, haveria, um resto de mim?

No ônibus poema lembra
que a cidade abriga mazelas
- posso ainda esbarrar pelos teus pés.



domingo, 3 de junho de 2007




amanheço o dia com nina
simone enchendo a sala de jazz
é um domingo assim claro no céu
e meu peito quase cheio
pode estourar
de melancolia e solidão

os homens pedem sapatos
as mulheres, salto alto – como conseguem, meu deus, caminhar?
só os lírios não pedem leis

e ninguém, ninguém
tem um olhar assim tão quente
(e mãos tão pequenas...)

esta noite
esta noite
sonhei que era estrela no sertão
embrulhada numa nuvem grande, morna

confirma-se a suspeita no peito:
pode ser que a felicidade seja isso mesmo
o tempo das folhas

e dói um pouco ser tão pequena
mas às vezes é bom, que caibo nos pequenos cantos
- me escondo em ti sem que me percebas

só o coração quase não suporta
o rabisco tumultuado numa pedra
penso, penso
haverá saída para a fome?

mas o outono somente agora desfolha
e a primavera,
drummond, e a primavera?


terça-feira, 22 de maio de 2007




o alfabeto


c-a-r-n-e

c-u-s-p-e


pensou em escrever o desejo
ele da pele não pula

na cama derrama letras



domingo, 20 de maio de 2007




como bartleby,
preferiria não fazê-lo.
(tédio ativo)



terça-feira, 15 de maio de 2007



nada de freios, nada de contensão, impulsividade, é isso, impulsividade, ir além até o fundo e depois ainda achar mais um pouco até degustar toda água que há no amor, dar a volta nas estações, percorrer todos os ciclos, aceitar toda afetividade, chorar de tanto sol, de tanta experimentação e ter ainda mais depois, ser dadeira, sentir a existência em veias que se criam pequenas e se tornam múltiplas e percorrem todo a carne irrigando afetos até molharem de sangue as pontas dos dedos dos pés esquerdo e direito, para que lá também se sinta o desejo pulsar quando a língua do outro pousar, língua morna que caça cantos,



quarta-feira, 9 de maio de 2007



adios noniño

é noite, tantas já
e este silêncio, este silêncio
...........[como repousar este encantamento?]

do outono folhas suicidas pulam esgotadas
...... ................[adormecer para recomeçar]


segunda-feira, 7 de maio de 2007



tudo o que aprofunda
a noção de precipício

é isso,



domingo, 6 de maio de 2007


Michel Houellebecq, Partículas Elementares.

"posso disfarçar-me de executivo respeitável, e ser aceito", gostava de dizer Bruno. "Basta, para isso, que eu compre um terno, uma gravata e uma camisa - tudo por 800 francos na C&A, em época de liquidação; basta, na verdade, que eu aprenda a fazer um nó de gravata; há, claro, o problema do carro - no fundo a única dificuldade na vida de um funcionário médio; mas se pode chegar lá; toma-se um empréstimo, trabalha-se durante alguns anos e chega-se lá. De nada me adiantaria, ao contrário, disfarçar-me de marginal: não sou suficientemente jovem, nem suficientemente belo, nem bastante cool. Meus cabelos estão caindo, tenho tendência a engordar; quanto mais envelheço, mais me torno angustiado e sensível e mais os sinais de rejeição e de desprezo me fazem sofrer. Em resumo, não sou suficientemente natural, ou seja, não bastante animal, o que é uma tara irremediável: diga o que eu disser, faça o que eu fizer, compre o que eu comprar, nunca conseguirei superar a deficiência que possui toda a violência de uma deficiência natural"



quarta-feira, 2 de maio de 2007

e eu sem saber para onde olhar
que também a boca
.
e o que dizer
que também o canto
.
e se choro ou rio
que também o mar


vendaval no corpo
eu que pensava que não
que a solidão

que pensava que não

brotou da pele a flor
fez pedra no rim no peito no reto
de tão reta de tão ereta a dor



quinta-feira, 26 de abril de 2007



a palavra não vem
meia noite e cinco
vou dormir sem ela
- pervertida

e com a pedra (no meio do caminho)

então, pequena, coma chocolate
que não há metafísica maior que isso



segunda-feira, 16 de abril de 2007



nenhuma vontade senão deixar o tempo ir construindo os espaços, com suas cores, seu lento sopro sobre as folhas do quintal enquanto tia sônia reparte uma romã e propõe uma degustação coletiva das sementes num pequeno círculo de pequenas bruxas debaixo da romanzeira, a rede dança com o corpo de paulo num ir e vir como vai a tarde, morna, morgana, dali o dia passa ou não passa, o céu uma redoma ampla de teto baixo, que quase nos cospe no espaço repleto de grãos e mais um pouco de existência para ser pintada num quadro cinza cheio de garoa, água de alfinete na pele que arrepia mas quer noite e seguimos em bando pelo asfalto, pequeno sopro coletivo de vida, encontrar pessoas, abraçar pessoas, beijar pessoas, a busca por elas e por mãos que se tocam, olhares que se cruzam, corpos que se encostam, sentidos que se cruzam na música que sai de omar, as noites, as tardes, os desejos se misturam, há já um aroma reconhecido, o regresso da afetividade, o reencontro com a afetividade, a memória da afetividade, a afetividade que surge da disponibilidade, deixar-se tocar num movimento lento, quase um torpor, um passo suave igual iam lá em cima as folhas do quintal


domingo, 1 de abril de 2007



um calor que não vinha do sol, era da pele, de dentro, do pé queimando dentro da sapatilha, agonia o suor ir-lhe tomando o pescoço, sente uma gota descer pelo seio, faz um caminho torto e vai se abrigar dentro do umbigo, é preciso ligar o ventilador, deita de frente, toma o ar na cara, as mãos percorrem o corpo para conter a umidade, um alívio aquela hélice fazendo vento para si, corre à cozinha, pega uma vasilha de gelo, traz para frente do ventilador, um vai para a boca, mastiga-o como quem tritura pedras, outro pega e vai pousar atrás na nuca, dali para a frente no pescoço, sobe pela bochecha até a testa, desce de volta pelo outro lado, leva-o até a gola da camisa, ela atrapalha, volta com o gelo para o copo, tira a camisa, tira o short, tira o sutiã, fica de calcinha, o gelo novamente em sua mão livre para refrescar-lhe.




O nome dela era Maria, eu sorri e falei o meu. João. João? Ela perguntou. Sim, João, respondi. Ela não acreditou, deu as costas e foi embora, como quem abomina o óbvio.



terça-feira, 20 de março de 2007



repensar o jeito de viver, o quanto se consome de calça, calcinha, cueca, camiseta, meia, sapato, batom, sandália, pente, perfume, tinta de cabelo, esmalte, barbeador, lápis, prato, copo, pneu, sofá, mesa, cadeira, brinquedo de natal de ano novo de páscoa de são joão de são judas de santo antônio de são josé, o quanto se compra, o quanto se vende, o quanto se liquida produzindo saco plástico, latinha de refrigerante, de cerveja, de doce, de sorvete, de picolé, de atum, de suco, de leite, de manteiga, de chocolate, de queijo, de carne, geladeira cheia de árvores mortas e o que se pode fazer afinal quando se mora em centros urbanos com multidões de gentes e carros e litros de gasolina emitindo gases e gases e gases e gases e gases e gases e gases que retêm um calor que queima o cérebro ao meio dia ao pisar em petróleo respirando petróleo, sim, mas e daí quando se pensa que apesar de todo o desperdício ainda há má distribuição e então isso justifica meu pobre e desenfreado consumo de bugigangas, produtos descartáveis para produzirem mais consumo, mais dinheiro, mais concentração, mais desmatamento e há sempre a bela verdade consoladora de que o meu consumo é batatinha perto dos e.u.a e enquanto eles não derem o exemplo que não me venham cobrar também qualquer mudança porque a minha mudança não afeta em nada o mundo e nem quero pensar sobre isso agora porque me deu uma vontade imensa de comer no McDonalds. argh! odeio-muito-tudo-isso.


terça-feira, 6 de março de 2007

Calor que provoca arrepio

querem matar o menino do Rio,
o menino vadio

sábado, 3 de março de 2007

“Alguém que se perdeu completamente ao caminhar pela floresta, mas que, com energia invulgar, se esforça por achar uma saída, descobre às vezes um caminho que ninguém conhece. É um centauro, meio bicho, meio homem, e, além disso, tem asas de anjo na cabeça”.
(Nietzsche, 'Humano demasiado humano')

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007



a literatura é o que alimenta
porque nela vibra a possibilidade

ainda um tempo nublado, igual ia ela mesma. a noite parecia querer chover, mas apenas aquela umidade das nuvens carregadas desciam do céu, esfriando e molhando o corpo, a terra, o vidro da janela e a retina dos olhos. os dias pareciam irreais, havia uma sensação de não-participação, de não-integração, de escorregamento, como se as atividades cotidianas fossem arrastadas de um mecanicismo que sequer sabia de onde provinha. quem produzia aquela comunicação que estabelecia com o mundo? quem acordava e se punha integrada em cada movimento? quem ia empurrando os anos com tanta determinação, permitindo mesmo a estúpida sensação de estabilidade em tudo? quem, se na madrugada um profundo desprendimento a possuía? quem, se sentia de forma mais acentuada uma solidão harmônica, que lhe preenchia de força para mexer-se na ordem fútil das cousas, como se a certeza da falta de valor de tudo a fizesse mais íntegra para poder constituir cada gota da ínfima existência com o conteúdo que ela mesma quisesse dar.

sábado, 24 de fevereiro de 2007




ela

quando se abre
sabe

quando se sabe
toca

quando se toca
sela


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

para o carnaval:

Lucia Murat: Quase dois irmãos
Eliane Caffé: Narradores de Javé
Cláudio Assis: Amarelo manga
Karin Ainouz: Madame Satã, Sob o céu de Suely
Toni Venturi: Cabra cega
Sérgio Machado: Cidade baixa
José Eduardo Belmonte: A concepção
Eduardo Coutinho: Edifício Máster
Luiz Fernando Carvalho: Lavoura arcaica
Rodrigues Gonzáles: Amores brutos; 46 gramas; Babel
Richard Limklater: Antes do pôr do sol; Antes do amanhecer; Waking Life
Michael Winterbottom: Songs; Código 46
Spike Lee: A última noite
Denys Arcand: As invasões bárbaras; O declínio do império americano
Kiéslowski: A liberdade é azul; A igualdade é branca; A fraternidade é vermelha
Zhang Yimou: Herói; O clã das adagas voadoras
Ki Kin Duk: Casa vazia; Primavera, verão, outono, inverno...e primavera
Se Hayao Myazak: O castelo animado




antes de adormecer
acende um fogo
no corpo

tanto pensamento
nenhum
ato

até que a mão


seara


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

a mulher abriu os olhos assustada com o dia que até agora nada. o tempo pulava corda, esquecido do mundo e da tristeza presa na noite. dez vezes se levantou da cama para olhar pela janela algum rabisco de branco no céu, mas ainda as estrelas a dizerem que por ali somente havia madrugada. resolveu encarar o breu, pondo-se dentro de um xale. desceu a escada, seguiu pelo corredor, indo em direção à cozinha. abriu a porta e sentou-se no degrau que a levaria ao quintal. havia um grunhido de bichos noturnos e já o som de galos a marcar quatro horas. enlouqueceria antes que chegasse às seis se permanecesse à cama. impossível acreditar que tão pouco tempo havia se passado desde que se deitara. lembrava-se ainda do momento em que no entardecer. ele não deveria tê-lo feito. pensou em ir embora, mas não poderia com medo de ser percebida, de deixar perceberem o corpo teso, antes era preciso adoecer, sim, uma doença qualquer que a tirasse dali, uma febre, garganta, pé quebrado. permaneceu jogada no que restava da noite quando sentiu um vulto atrás de si. 'ouvi uns passos no corredor, imaginei que seria você.' ela se levantou, cruzando os braços como quem fecha o corpo, sentiu a maré de sangue vir desaguar no peito, olhou por um segundo para o homem, deu um passo desviando dele o corpo para ser retida adiante pela vontade de permanecer. não fugir, pensou. imobilizou o corpo num ímpeto, dando um passo para traz para voltar para ele novamente a face, ele estendeu os dedos, pousando-os na nuca da mulher enquanto olhava para o corpo procurando caminhos a ir ter com as mãos. Desceu pelos ombros com os dedos escalando as tiras do xale até ter lá embaixo a pele lisa e livre de panos. Dali desceu à palma da mão. A mulher permanecia à sua frente, agora de olhos voltados à mão, como quem quer ver, mais que sentir.


"Onde é a terra do nunca, Peter? É longe?

Logo ali em cima, Wendy."

domingo, 21 de janeiro de 2007

Se o cuidado está ferido,
o amor também.

sábado, 20 de janeiro de 2007

o dia seguirá lento pedindo cinema e praça. a cidade de sábado parece mais vagabunda, de perna aberta, querendo amar. tentar avistar na calçada o mendigo que distribui folhas na esquina da Liberdade, visionário mudo que espanta o padrão branco que por ali passa. recebo sua folha, busco seu olhar, que nada quer dizer senão mesmo sobre a folha, a entrega da folha, o ato verde da doação. os carros passam, passam, me enervam, sonho uma cidade sem carros, talvez somente jegues, bicicletas e no máximo trens. caminhar, caminhar, caminhar, avistar o mundo na velocidade dos pés. pé de chinelo, de sapatilha, pés descalços na terra vermelha, voltar ao mato e respirar o vento molhado do rio. Velho Chico que não me sai da cabeça. transpô-lo? penso que deveriam todos ir por lá nadar, ver se assim adquirem o espírito da preservação. enlouqueço no pensamento, esqueço e sigo. oxalá encontre em cartaz algo como Amantes Constantes, Volver ou O céu de Suely. o cinema é um gozo estético que me alivia, me alivia...







sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

quando ele estiver longe talvez ela pense pense uma forma qualquer de sentir um toque um cheiro um som. numa rua olhará sua cor seu desenho sua rima na praça no cinema na esquina na padaria comprando suco de laranja para refrescar estes tempos de superaquecimentoglobal e depois, já em casa, que lá pode ousar mais na imaginação, deixar vir sua voz e sua mão até que a saudade se cale na sensação. na distância ainda a possibilidade.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007