- o corpo se guarda desde antes para o que só sente. "então podem assim manifestar os bichos", pensará depois, enquanto respira chão. o primeiro vento após deixar o avião arranha os olhos e o que aspira rasga as narinas, parece pó. basta pisar o planalto central para ser absorvida. ela e a seca uma coisa só. uma náusea sem fundamento a toma, a boca se rasga, um branco vindo do sol cavalga em fúria e fura os olhos e atravessa o cérebro feito navalha de lampião. dela, toda razão vaza, transmuta-se sussuarana, assume o inóspito, o ermo sem par. prepara-se para a topografia de onde veio e a que se destina. não é um deserto o que busca, mas um encontro com um outro que se abeira com pele de espinho e lábios de urtiga. esse outro, a quem ela se confia em segredo, longe do mundo, firma barreira para reter seu poço. ele a tem como uma invasora que lhe tenta beber na fonte. mas ele não eh nascente. mandacaru. rabo de raposa. cipó enleirante. palmatória acicular. eis o que é. a mulher cruzou léguas para em caatinga adentrar. “essa terra é seca, mas tem dono e quem eh você para pisar!”. ele dita manso, enquanto a amarra e deixa saltar micro grãos da boca de água. “ele guarda tesouros”, ela pensa, enquanto se deixa amarrar, pois a sede que vem desde antes, que traz cravada no osso, agora espera se desfazer nesse leito de rio. há também de haver copa de árvore em seus braços, onde ele depois a deixe respirar, bolida por brisas. mas a noite avança e ele se mantém sorrateiro, espiando a presa de longe, para que não se solte. o que houve ali foi desnorteio, nadar trechos e trechos de fundos, atrapalhação de rumos, vestígios de estradas largas, abertas a facão. cheiro de suor anuncia que ali ainda existe vida. quando o céu já faz brotar novo dia, a fadiga vence a batalha, o homem se esquece de lutar e dorme. com ele, também todo o resto silencia, só a mulher faz vigília, sentada ao seu lado, buscando entendimento. por que os homens guerreiam? o cansaço a faz pressentir o perigo. então ela se enganou. há de ter pegado atalho errado, há de ter se embocado no Raso. paragem de fogo. abrigo do oco. há algo ali de assombro e casa. ele a liberta, desde que se vá morrer no longe, num desvão de serra, numa solapa de pedra. que o demônio que tentou riobaldo a acompanhe! nem um gole de água, nem um mergulho no rio, nem uma brisa de verde, nem nada. ele se apossa dos panos finos agora em tiras, antes abrigo da nudez da mulher e lança seus óculos pra longe na estrada, para que se perca na incerteza do breu. a expulsa para além da cerca. e ela segue seu rumo como um sertão, rastejador, condutora de bandos, olfato de raros, onde razão não entra, só odor. face tostada de sol, olhos chispados de luas, pele cravada de espinhos, inabalável couro de tatu. se enrola dentro de si e enquanto descança, toma uma ladeira qualquer. deixa o corpo seguir seu dom de terra no mundo.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
no Raso
terça-feira, 20 de setembro de 2011
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
clipe do curta "O cheiro do mundo"
Uma madrugada será o tempo e uma festa o espaço para o reencontro de Saiene e Ciro, separados há alguns meses, mas ainda cúmplices de um amor crepúsculo. O reencontro será marcado por uma densa paisagem de imagens e palavras, em busca do entendimento definitivo, antes que amanheça.
Produção, Roteiro, Direção e Montagem: Fabiana Leite
Direção de Elenco: Neise Neves
Direção de Fotografia: George Neri
Produção, Som direto, Assistente de Direção e Finalização: Matheus Augusto
Assistente de fotografia e still: Moacir Gaspar
Direção de Arte e Continuidade: Eleni Kouklanakis e Paula Jardim
Platô: Jonas Filho
Trilha Sonora: Banda Iconili
Elenco principal: Ana Régis, Glicério Rosário, Alessandro Aued e Jéssica Azevedo
Elenco de apoio: Anair Patrícia, Daniela Rosa, Eleni Kouklanacis, Filipe Galgani, Gabriela Fragoso, Hugo Araújo, Jonas Filho, Juliene Lellis, Luciana Castro, Marielle Brasil, Paula Jardim, Tamira Gomes, Yany Nunes
Agradecimentos especiais: Filipe Galgani e Paula Jardim
Produção, Roteiro, Direção e Montagem: Fabiana Leite
Direção de Elenco: Neise Neves
Direção de Fotografia: George Neri
Produção, Som direto, Assistente de Direção e Finalização: Matheus Augusto
Assistente de fotografia e still: Moacir Gaspar
Direção de Arte e Continuidade: Eleni Kouklanakis e Paula Jardim
Platô: Jonas Filho
Trilha Sonora: Banda Iconili
Elenco principal: Ana Régis, Glicério Rosário, Alessandro Aued e Jéssica Azevedo
Elenco de apoio: Anair Patrícia, Daniela Rosa, Eleni Kouklanacis, Filipe Galgani, Gabriela Fragoso, Hugo Araújo, Jonas Filho, Juliene Lellis, Luciana Castro, Marielle Brasil, Paula Jardim, Tamira Gomes, Yany Nunes
Agradecimentos especiais: Filipe Galgani e Paula Jardim
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
por isso não. se meta
pó. ornamento.
dispositivo nenhum de nada.
é 3 da tarde e a cabeça dói
do conhaque de ontem
enquanto o mundo guerreia
e trabalha.
vaga
bunda
torta de anja
caída num beco.
asas do desejo.
hormônio.
só os homens sacam,
só os homens sabem
- e os homens não são mulheres!,
o peso do que carregam nas pernas.
os homens não são mulheres!,
só os homens sabem.
só os homens viram papas
enquanto as mulheres
amam(entam).
quando esteve ele por perto?
ele não existe!
é essa voz
que agora brota
de uma radiola velha. moleque.
enquanto você se
enerva e buzina
de dentro
dessa lata no sinal,
nas grades da liberdade
os professores se amarram.
em vão?
o governador não escuta. labuta?
em novo lar
bordado
por um comunista.
é preciso fechar a b r.
ela não sabe rima,
dizima.
besta.
burra.
borda.
do peixe herdou memória.
se nega a dizer
o nome das coisas
só os mortos a consolam
com sua carga de carne,
de sangue.
bukowski.
quer se esvaziar até longe.
marchar pelo fim da fome.
só é feliz quem come.
mas o prefeito vai de jato
pra capital federal,
rá!
algo novo aconteça?
o atlântico não é tão fundo assim
e o afeganistão é logo aqui.
já o mineirão está em dia
com o calendário da copa,
mas os operários querem greve.
produzir agora,
só para o que não tem valor.
só para o que não existe.
aprende a ser forte
e elimina as palavras
nuvens.
agora só trovão.
ele é uma praga
dessas que
colam no corpo
feito bicho
hospedeiro.
suga o ar e a deixa
ré.
ela se alimenta da fome do mundo.
viverá até 86,
pintará até 71.
o que come cabe
na palavra amor
mas tal signo há de ser triturado,
há de ser devorado
até deixar de.
o amor nunca existiu.
foi inventado
por quem não tinha mais a fazer
e apostava em cavalos.
agora tem uma parede preta na sala.
o que pulsa dentro é uma vela.
não vela que alumia,
mas vela que filtra,
porque as águas da cidade fedem.
pampulha é linda e lodo.
já o arrudas,
como todas as nascentes
que antes brotavam água na cidade,
foram asfaltados.
linguagem é bactéria.
risca o fósforo
e bum.
o que sempre fez foi colar.
nunca tirou 11 na prova,
lanchava no banheiro
escondida da multidão,
tinha medo de gente
e uma vez por semana
cantava o hino na porta da escola.
por isso, talvez,
tenha se tornado vesga.
sua bisavó era índia.
foi laçada na mata por homem branco.
por isso essa cara pálida.
e essa sede de rio filha da puta.
por isso não.
se meta
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Marcelo Dolabela
Procurando por vídeos com Marcelo Dolabela encontrei duas pérolas do século passado, da década de 80, quando ele integrava o grupo Divergência Socialista.
Sempre me bato com o Dolabela sentado num bar qualquer do Maleta, um prédio histórico de Belo Horizonte. Me apontaram ele de longe, com o queixo, nem me lembro quem, quando eu ainda me ambientava com a capital mineira. "Aquele homem é um dos grandes poetas vivos de BH. E bebe no mesmo copo sujo que eu..." - é o que sempre pensava, até me acostumar com a sua presença ali, solitária e silenciosa. Minha paixão pelo Maleta fez de cara gostar dele. Busquei suas letras. Seus hai-kais. Suas rimas. Sua performance. Gosto muito!
"Tire seu abismo
do abismo
porque quero passar
com o meu abismo"
é dele. recito sempre quando um
abi
smo
"Tire seu abismo
do abismo
porque quero passar
com o meu abismo"
é dele. recito sempre quando um
abi
smo
abaixo outro seu poema
Balanço da década
uma década tem mais de cem séculos
dez bilhões de vozes num único eco
mil e uma noites num mero segundo
poucos trilhões de silêncio num ponto
quanto se conta os átomos é ótimo
a hora fica interminável num átimo
não se chega nunca a nenhum lugar
e apenas se volta ao mesmo volume
um só dia tem bem mais de dez décadas
num rústico eco a maior biblioteca
da luz do segundo nenhum consenso
até quanto nos faltará silêncio
sábado, 10 de setembro de 2011
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
isso eh mais ou menos o que ele diria hoje
"Querida sapatos em Farrapos,
pode ser que você não saiba,
mas a noite passada
você insultou o autor
desta história.
Você sabe ler?
Em caso positivo,
invista 15 minutos do seu tempo
e delicie-se com uma obra-prima.
Da próxima vez,
cuidado.
Nem todo mundo que vem a esta espelunca
eh um vagabundo.
Arturo Bandini"
(Pergunte ao pó, John Fante)
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
DAQUELE INSTANTE EM DIANTE
fotos produzidas com iPhone em sessão de cinema, no Indie BH 2011 - Festival de Cinema Internacional. Documentário "Daquele instante em diante", sobre o poeta, músico e compositor Itamar Assunpção.
sábado, 3 de setembro de 2011
mulher de escamas
ele deve entender
antes de tomar pra si:
a literatura é um molde.
pura fantasia
de uma mulherzinha
que quer dar o bote.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
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