sábado, 4 de dezembro de 2010

LAISSEZ-FAIRE



Enquanto isso, a retomada de território sacramenta o maniqueísmo e atesta o gozo coletivo alheio aos poréns que antes de serem pessimistas, problematizam o ego nefasto da violência. O problema não é apenas querer interromper uma ordem destoante e violenta presente nas favelas, mas impor uma falsa idéia de que uma ordem destoante e violenta será interrompida, quando se sabe que apenas recomposta, como peças num jogo de xadrez, porém dessa vez institucionalizada. Violência e injustiça social não se cura com a produção de uma guerra. Foram presos a irmã, o cunhado, o sobrinho, o bisavô e o papagaio. Nesse ritmo, rapidamente nos igualamos aos EUA, país que mais encarcera no mundo, hoje. Qual o problema, perguntarão alguns, "pois que seja!" O problema, cara pálida, é que a proporção do aumento do encarceramento no Brasil, a cada ano, nos leva a crer que teremos em 10, 20 anos mais da metade da população do país encarcerada, uma vez que a resposta que se busca para todos os problemas sociais passou a ser a criminalização e o encarceramento - tudo aquilo que um grupo considera inconcebível (mais pela suas fortes tendências de moralismo exarcebado e intolância do que por sentimento de justiça e busca real de solução), se propõe uma lei penal capaz de (falsa, burra, cega e hipocritamente) conter o infortúnio; o custo disso?: para abrir uma vaga de prisão o estado gasta cerca de 15 mil reais e para manter uma pessoa encarcerada, 1.500, 2.000 reais por mês (quando falamos de um menor infrator, esse valor chega a 5.000). Enquanto isso muitas vozes gritam ser um absurdo qualquer programa social de distribuição de renda, sob o argumento de que 200, 300 reais por mês para famílias em situação de miséria, são mecanismos assistencialistas incompatíveis com o laissez-faire (a velha máxima egoística e cínica do peixe versus anzol). Aqui não busco identificar o problema da violência urbana meramente como fenômeno a ser resolvido a partir de políticas de cunho assistencialistas. O erro primordial, relativamente a esta temática, foi de se ter desconsiderado o fenômeno da violência urbana como algo a ser pensado a partir de políticas de segurança pública de cunho emancipatório, inclusivo e participativo, deixando a construção de solução às forças mais sectárias da sociedade. O resultado foi e tem sido a perpetuação de respostas cada vez mais repressivas, violentas, estigmatizantes, enfurecidas, excludentes, numa circularidade sem fim. Sabemos que a causa da violência não é a índole para o mal, e sequer podemos impor esse sintoma como advindo do estado de pobreza dos grupos que a sofrem, mas sim, está relacionado ao grau de desigualdade social a que a população desse país sempre esteve exposto. É surreal depositarem todo o caos que se vê na tv ao tráfico de drogas. E afinal aonde está o mercado consumidor, que não se manifesta? Nessa hora somente a cara do noiado de crack, novamente o menino negro da favela, aparece estampado como vítima do mal. Também impossível é visitar um cárcere sem concluir que este se tornou o pelourinho pós Lei Áurea. Mas... de onde vem tanta arma encontrada nas favelas? Como chegaram ali? Quem as disponibilizou? Quem produz arma e quem ganha com uma guerra? Para nos convencer da salvação, testemunhas da violência do tráfico são apresentadas com lágrimas na sua primeira infância - agora, com a presença das forças de segurança na rua, é possível voltar a sorrir. Enfim um paraíso se apresenta. É o fim do medo, é o sinal dos (bons) tempos. E os ecos já se fazem sentir em outras cidades, o clamor pela solução total, como se uma vacina houvesse sido milagrosamente criada para nos salvar dos "marginais".
E você está preso à tv. Dessa vez vai! Só restam dois anos para a Copa. O espetáculo deve ser bonito, com direito ao turimo no morro, à vista privilegiada do cristo redentor.


"Segundo a investigadora Vera Malaguti,
o inimigo público número um está sendo
esculpido tendo por modelo o rapaz bisneto de escravos,
que vive nas favelas, não sabe ler,
adora música funk, consome drogas ou vive delas,
é arrogante e agressivo,
e não mostra o menor sinal de resignação"
(Eduardo Galeano, De pernas para o ar:
a escola do mundo ao avesso).



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