sábado, 15 de outubro de 2011



acorda num quarto de hotel, sozinha e longe, bem longe de casa. mas há muito a casa passou a ser qualquer lugar do mundo. uma mochila, o livro que lê e que será dado quando chegar ao fim, cartas  a um jovem poeta, de Rilke. uma câmera para capturar imagens, uma máquina para escrever. isso será a sua casa e a carregará no corpo, feito tartaruga. sua ambição é plena. deseja apenas resolver uma dor que insiste em pulsar dentro, enquanto sabe existirem lutas mais sérias, fora. Dandara, Tunísia, Cisjordânia. o mundo está resumido a si mesmo e a toda carga de passado que o expande em história. comissões da verdade do mundo inteiro, uni-vos. Berlim continua em chamas. o muro nunca caiu. atravessa o Amazonas, o Chang Yian, o Mississippi, o Yenisei, todas as águas doces do mundo, para esperar a noite a noite de hoje, que nunca cai, mesmo quando já se faz escuro dentro. são 6 da tarde e não comeu nada ainda. pede uma canja ao restaurante do hotel. será sua única refeição do dia. tenta ver tv. desliga. tenta ouvir musica, silencia. tenta conhecer a cidade a partir da janela, sucumbe. passará o dia esperando o dia passar. frame por frame. isso se prolonga mais do que imagina durar um dia. certamente terá sido o mais longo já vivido. e quando pensa enfim, a tarde se foi, descobre que ali é menos uma hora de brasília. rajadas de pensamentos por segundo. é preciso desencorajar essa mulher. ele pensa? é preciso desencorajar todas as mulheres do mundo. o homem não faz ruído. é como se não existisse. mas preenche todo o espaço. ela vai para o chuveiro e se senta no chão, em cima de uma toalha. uma hora de ar respirável debaixo dágua. escorpião. espera o vôo das 5. terá que atravessar uma madrugada. quando o corpo já está enrugado e quase febril da água do chuveiro, se joga novamente na cama. o telefone toca. sabe não ser ele. mas quem há de ser? da portaria. já passa das 20. devem temer encontrar um corpo morto. muitos corpos escolhem hotéis para sangrar. ela não pensa em morte. pensa em sexo. nas sensações de ontem. e se essas a fazem escrever muitas páginas, não se trata de dor, mas outra coisa ainda sem nome, desconhecida. e ela mergulha como costuma fazer em mares noturnos. deixa o hotel em algum momento da noite. vai caminhar pelas ruas. o que veio fazer aqui? o que pode conter esse lugar? ele talvez a ache perdida. terá descoberto parte da verdade. não consegue chegar ao teatro. muda o percurso. pára num bar de esquina onde apenas um homem bebe com o olhar retido na chuva rala que torna a rua uma camada fina de espelho. a mulher não tem guarda chuva. o homem não a vê. “uma dose de conhaque, por favor”. sua segunda frase do dia. “uma canja” foi a primeira. a boca se abre por fome, a boca se abre por sede. agora o velho do bar a percebe. uma mulher sozinha na chuva a pedir conhaque não pode dar em boa coisa. ela não bebe para tomar coragem, mas para tentar diminuí-la. pôr um freio no desejo, que é sóbrio. o velho a serve e continua inerte. “sinto muito frio”, ela diz. “então vá para casa”, ele responde profético. ela o obedece. pega um taxi. o homem nem saberá. tudo estará escuro. depois dirá que foi. dirá. oferenda de vazios. não tem nada a oferecer. e não espera ganhar nada. é isso, é justamente isso. o não querer nada. tenta apenas se acostumar com a existência dele, agora que ele existe. e nada mais. depois talvez consiga voltar a pedalar em paz.


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