quinta-feira, 23 de junho de 2011

o dia amanhece choroso e torna difícil o sair da cama. tenta assistir godard, mas há uma insidiosa recorrência de desejo que a leva de forma circular pra dentro de si. a casinha que a hospeda em parati abriga duas cachorras que uivam incessantemente. nenhum barco no cais parece querer enfrentar a tempestade anunciada com a primeira brisa da manha, mas que se retarda em vir, tal como vai a vida - quando parece querer reter o melhor de si, um vendaval arrebata e caos. praias com chuva lembram marguerite duras e sua fixação pelas águas. tem mulheres que mais se diluem quando à margem do mar. ela soletra a sua tez, espalha os dias como extensão do breu. chuva torna as horas de preguiça mais doces. a mulher se insere na rotina da cidade e começa a se sentir parte. compra pão no mercadinho em frente, pedala na beira do rio, silencia por dias, até fingir ser um outro alguém, capaz de suportar o peso de tudo, sem querer saber além. você a lança numa verdade de pedra e ela só queria se estender por dias em suas mãos - deixe o muro derreter. você diz não saber nada (sobre ela). ela avisa que veio de lá - posso me ver nos seus olhos, posso desejar catar poesia de toda essa sombra, clarão de incerteza, diluvio, porta para o que há de febre em ti. ambiciona mudar, mas se descuida. como pode ser mole assim? tinha que se molhar, tinha que se molhar... quer ser parte, quer ser toda, carne viva, letra morta.

põe as mãos em mim tira as mãos de mim
me deixa entrar,
me deixa fugir,
me deixa me deixa.
tira as mãos de mim põe as mãos em mim.

saio a caminhar. a cidade se prepara para mais tarde, porque inda é cedo, amor...
mais turistas tomam as ruas.
moro na periferia, pertinho de uma praça aonde os meninos soltam papagaio. enquanto pedalo, ouço a radio do poste - gostei daqui - a cidade de quem mora na cidade, o porto dos pescadores, as ruas ermas da beira do cais. poderia viver aqui? desejo bucólico de quem se quer escritora. os barcos se espreguiçam despertos há muito pouco pelos homens que devem levar oferendas ao mar.

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