segunda-feira, 16 de maio de 2011

POEIRAS

de repente silêncio. a casa está quase deserta. o chão branco sustenta a poeira da inércia e as roupas e pratos espalhados pelo quarto, o estado mental - "sente-se livre para fracassar". sucumbe ao turbilhão do movimento, desiste de fingir querer estabilidade e tudo se mostra frágil ou há a mesma força desconhecida e já uma dezena de vezes proclamada que a move - talvez haja perversão, destrutivismo, patologia, mas paga pra ver. expõe o olhar ao sol, até quase cegar o tato. a dor não está na ausência do outro, nem na solidão do corpo caído colérico no colchão de ar da noite. nem há dor, só movimento. e depois do último passo, um desejo profundo de dormir por dias, pra não ter que pensar, pra não ter que escrever, pra não se propor a entender nada, porque entender não torna menor a responsabilidade, mais a expõe, mais a compromete, mais a molda em estruturas. quando o essencial não pode ser transformado, ou porque não se quer, ou porque se finge não poder, as ondas ofuscam o essencial, tornam o que se pensava mais importante, menor, talvez porque ali se possa mexer mantendo-se de pé, ou porque só seja possível mexer naquilo que não a torne vulnerável à capacidade de auto-determinação. o pavor é estar à mercer das horas. o trabalho quase sempre a mantém conecta com o mundo, com as mazelas do mundo e se debruçar sobre o mundo é uma maneira de tentar compreender a si como parte de um corpo e não como essência de tudo. saber-se pequena. a dor já não faz sentido. desapega-se dos pesos, como se à deriva num barco, tendo que despejar sobre as águas do mar os objetos mais amados, porque disso depende poder contemplar por mais tempo e com lucidez o mundo. é um dizer sim à vida, é um desafogar-se das paranóias, dos vícios mentais, das tragédias afetivas que só alimentam despontência. é preciso aprender a viver sem dor. sem culpa. é preciso desconectar-se dos pensamentos viciados, das obsessões, dos purgatórios, das condenações ao inferno, dos diabos. deixar de morrer todos os dias para dormir em paz, dizendo um sim ao próximo dia. permitir-se dormir. permitir-se amar de novo. permitir-se ficar bem e só, mesmo amando amando amando. varrer a poeira da casa, ser capaz de arrumar o quarto, viver um outro sem matar-se no outro. é preciso integridade para não ser o que não se quer ser, para não se ferir por temer ferir o outro. porque os dias são breves. e há uma curva logo ali em frente.




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