domingo, 2 de maio de 2010

o corredor

a cabeça dói, com frequência. pulsação forte do lado direito do cérebro, náusea, cegueira e sede. ir ao doutor, pedir exames, olhar aérea ao desenho da tv da cadeira fria do hospital sem cor. o hospital, corredor de nostalgia. a voz do pai se perdeu numa sala de cirurgia. o caroço da mãe sugado numa longa tarde de espera. de volta ao quarto, ainda dopada, solta desconjunturas de uma mente insana - a loucura deve ser assim. sentada na poltrona, inventar histórias aos personagens que aguardam a sua vez. uma moça vê figurinhas. seria a mulher ali, se não estivesse aqui, presa neste coração estranho. tentar fraudar o horário de visita e permanecer ao lado do leito da mãe. dormir retorcida num encosto de aço gelado ao lado direito do lençol branco que tem o corpo do pai. o irmão, quando de mandíbula quebrada, geme de dor e como um cão abandonado e frágil, insinua carência e medo. a doença cala. as projeções perdem o sentido e a falta de sentido consola e torna mais bonito o imenso breu que se vê da janela. um velho poeta de vestido longo e branco, empurrando um suporte de soro caminha na direção do casal, pára e puxa uma prosa. não parece doente. diz-se acostumado. trocou de coração, agora luta para que este aceite o novo lar. recusa, luta, estranha. o poeta faz poesia da dor. entende agora a importância do sus. traz pra rima palavras grandes e frias. e le tro car di o gra ma. viver é de uma magia estranha. quem sabe o que trouxe cada um aqui? o hospital deixa cicatrizes. é um espaço de supensão. fratura. um péssimo lugar que inventaram para curar a dor. chegar em casa, tirar a roupa, tomar um banho quente, deitar na cama com cobertor limpinho e cheiro da gente, dormir por longas horas. o corredor comprova a verdade contida nos pequenos prazeres. teve também a avó. como se esquecer da avó? seu beijo de despedida? seu corpo inchado querendo fazer xixi. sua vergonha de estar assim submetida ao outro, ela que durante toda a vida, até aos noventa anos fora independente e ativa. de todos que levaram a mulher ao imenso corredor, só a avó partiu. mas partirão todos. as dores e os momentos de náusea são intranferíveis, intransponíveis. incógnitas. a cabeça dói. a água ameniza. a amizade acalma. mãe e pai aquecem. irmão abriga. uma película suspende. o amor consola e deus também. um bom livro faz dormir e acordar. hoje. e quantos dias mais haverão p'ra frente e p'ra trás nesta tabuada nonsense

Um comentário:

Ordem Aleatória disse...

A querida amiga que antes constante ainda presente em palavras falantes de uma rotina redundantemente angustiante, cotidiano nó que travaria a garganta, não fosse esse mais uma estória; não fosse esta a estória que nos particulariza; não fosse este o emaranhado de caminhos que ata minha vida a tua. Estou ao seu lado, sinto saudades. Ass.: um artísta tímido