quarta-feira, 21 de abril de 2010

o mar


a caminho de conquista,
ou a caminho do sertão,
ou a caminho do mar ...

a vontade de escrever é anterior à necessidade de dizer. não há verdades descobertas a compartilhar a cada novo ritual da escritura. é uma pulsão – menos simples do que uma composição harmônica que já no corpo da letra habitasse, ou um touro contido prestes a entrar na arena; não – mais aproxima-se ao bafo quente e úmido do mar. tenho os pés nas primeiras ondas e os ouvidos inundamos nas profundezas do anil. os olhos fitam o movimento e não há nada atrás ou ao lado senão a imensidão. o vocabulário, as conjunções, a ortografia, as rimas, insólitas gotas aleatórias, imprecisas, como o pequeno pedaço de terra que meus pés acabam de pisar – dão suporte, mas estão abaixo da planta. faço isso com certa freqüência, no mar: me ponho de costas para ele e olho por baixo das pernas por longo período. com isso impulsiono nova composição, que desconstrua o conceito da palavra (a)mar. como um bicho preguiça, como um peixe. o que me impede de cair no céu, assim? o céu se incorpora como abaixo do corpo (somos seres com olhos retidos no chão). por fim, resta eu e a atração das marés. não há nada a escrever – escrever é um ato de busca como a leitura, um ato de procura e de ínfimos encontros, raros tal qual o encontro com o amor. o amor lê um livro debaixo das cortinas brancas – o amor e as cortinas lembram ondas. suas sombras se projetam na parede. essência de sândalo. posso deixar de ser quem eu sou ou melhor, posso assumir, enfim, o que acho que é da minha essência ser. essência de mirra. a mirra é uma árvore que atinge cinco metros de altura, espinhosa, com flores rubras e amarelas e frutos pontiagudos. espinhosa e pontiaguda. sou eu. nativa do nordeste da áfrica. sou eu. gosta da exposição ao sol. sou eu. propaga-se por sementes, na primavera. espinhosa e pontiaguda. essência de mirra. o amor agora dorme. e o mar, já longe, memória, mantém-se no eterno estado de ondas, como minhas cortinas quando as janelas se abrem para deixar um pouco de sopro entrar – silêncio


 

Um comentário:

Anônimo disse...

És, Menina, Artista!

Diz o "Priberam" para artista: Pessoa que, dedicando-se a uma arte, se liberta das pressões burguesas.

Escrever, como fazes, é pura arte! Petulante seria eu se dissesse que é possível interpretar-te em primeira leitura.

Poucos são assim nesse mundo. Isso torna-te especial... e me cativa o ego.

D.