quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Cabeça de Boi e o seu carnaval-avesso



há uma montanha com pasto, galos e maritacas e isso impede o pensamento de brotar. o imaginário deserta qualquer invenção, desagrega as cores e os sons. não há forma a compor quando um caminho de santiago rasga o olhar e alumia a madrugada. uma estrela se move no céu, talvez esteja morta, vagando na eternidade, como estamos de cá para ela. a estrela-senhora, milenar, nos fita do seu deserto particular, da energia que ainda pulsa deste seu minúsculo e último suspiro de luz, de sua total filosofia. no acampamento, enquanto a constelação silencia, um casal em desavença troca xingamentos, repletos de desejo e sem ter como domá-lo. se acusam. se atropelam. cortaram o tronco da oliveira, rasgaram o curso da nascente. tormenta. o amor nem sempre sabe se declarar. a noite inteira até o galo cantar - Adeus, vou me embora dormir na praça, não posso dormir nesta barraca com o seu corpo pulsando ali fora, no rio, debaixo do bambuzal. não consigo dormir ao saber de você aqui,. tudo está como ontem, como se não houvesse anteontem. dez quilômetros de terra de sol até o distrito no horizonte firmar. calor de morrer, de fritar os miolos, fome e sede. quando o mundo construiu esta vila, esta praça, este buteco de adobe, quando ainda era de carvão que se ganhava aqui o pão, e os minino não tinham escola não, talvez tenha inventado junto, ali, este dia de eu estar aqui. mesmo cantando a vida inteira, vontade de cantar mais, a saudade e todo o desencontro. - E pra quê ter pés se não pra caminhar? põe as pernas pro ar. e chega lá, aonde eu fui e é também em qualquer lugar aonde você possa estar, aonde o poente chega lento no pé alto da serra, e uma brisa já fresca inrompe a trilha e acaricia a vila. seu agostinho arranha um choro na viola sentado num tamborete. o desejo não pára neste desmantelo de tarde. é o modo contínuo que a vida inventou de brotar e morrer. todos os dias, as idas e voltas. eu sei que é fevereiro e tem gente com medo das águas de março, das tempestades, dos fins dos tempos, das ilusões da mudernagem. tarde de cinzas. quando o carnaval passar, eu quero estar lá, sol, fá. 7 léguas? porteiras a abrir pro cavalo passar. você cavalga, ele trota, ele galopa, e um chapéu de palha faz sombra no percurso e percorre a estrada, rasteiro, feito uma jibóia que engoliu um elefante. o sol torna monossilábico o andarilho. cada palavra dita é água do corpo gasta. silêncio, que é dia de seca. há uma cruz no centro da praça, a conformar a crença, a registrar o cristo do sertão das gerais. sertão de verde vivo e caminhão pipa. de rio vasto e gado magro. os carros chegam nos feriados. o povo sai das casas e aluga suas camas. vivem de turismo, agora. nada mais se planta. nada mais se dá. 5 reais pra entrar na cachoeira, porque essas águas, seu moço, agora têm dono. o dia mal nasce e o cobrador já tá no pé do poço com banquinha pra carimbar. e o que é certo e o que é errado nessas bandas de cá e de lá? toca a viola, sinhô cantadô, porque o pensamento voltou.
 



Um comentário:

Matheus Augusto disse...

conhecer as manhas e as manhãs.
o sabor das massas e das maçãs.

carnaval em nós é uma nau longe da foz.

e o mundo sob teus olhos é consubstanciação.