queria poder negar toda e qualquer metafísica, mas uma flor, um sorriso, uma mensagem, extrapolam a carne. hoje tive um dia ruim. ressaca de feriado bom, prostrada em lençois de chuvas e películas. difícil acabar a tarde. entro num sebo ao meio dia, para encantar o dia feio. caminho direto na direção de uma certa estante e colho um livro qualquer, de olhos fechados, como quem elege um amigo oculto. Herman Hesse, Caminhada, pula em minhas mãos. sorrio, óbvio. me lembro de guarapari e os encontros súbitos, bons, nas estantes com cheiro de poeira e mofo. o cheiro das páginas amarelas, as traças que as habitam, as cartas nelas esquecidas, os velhinhos exóticos que as guardam.... morrerei amando percorrer as estantes de literatura e filosofia... e achar, sempre achar, uma nova obra de hesse (quantos livros terá ele publicado?), marguerite (amada, amiga, fiel escritora das minhas cavernas - compro tudo o que acho dela, mesmo aquelas obras já companheiras das minhas gavetas, para presentear amigos, um belo presente sempre). enquanto percorro a fila do elevador, uma oração: Caminhada - dirão que blasfemo!, perdoem-me, hoje estou assim, querendo acreditar que toda a música e toda a poesia, e o vinho nosso de cada dia; essa melancolia que faz do meu corpo sua moradia constante, já ali presente e mesmo agora, com um amor-menino, mesmo agora... este nó no peito... não sei o que fazer com tanta luz e essa infinita magia que nasce, cresce e morre em cada dia, em cada árvore, em cada lua, em cada mendigo nas esquinas, acrobata dos sinais, menino morto nos guetos. não sei o que fazer com as dezenas de reuniões. enquanto um céu azul convida mais de mim e de ti na chuva, nos becos, nas escadarias e desertos da madrugada. que haja tempo para os reencontros, as novas vivências, o degustar de todas as cores e a ausência delas, o mundo em sépia, em preto em branco, molhado e seco. não sei o que fazer com todo o afeto hospedeiro dos corpos que nos circundam. não sei entender a miséria, a desigualdade e o ódio. a vida me assusta em sua mágica cotidiana. e o nó aperta o peito. como numa máquina registradora, tento reter os dias em letras, signos proféticos que me elegeram. mesmo as dores, tento reter. páginas virtuais de tumultos, que me concebem e encerram. não sei ser de outra forma. tumulto leve e calmo. cheiro de café. já passa da meia noite, mas a mente não quer se fazer dormir. tem dia que a madrugada, com esse céu apocalíptico, cinza e nublado, me elege como deusa - impossível fechar os olhos: sou guardiã da noite.
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