há uma dor na felicidade, um estrangulamento, uma percepção da transcendência que oprime o corpo miúdo. é mais fácil permanecer na solidão do que no amor. na solidão o refúgio em alcoóis torna mais brando os dias, menos reais, mais fáceis de serem empurrados na ostração. no amor não. o amor traz a realidade da lua. e ela está ainda imensa no amanhecer da noite, cúmplice dos lençóis, ao lado das nuvens. e oprime um coração pequeno. o amor, encarnado no corpo, exige o ato de amar. amar dói. dor muscular, de coração, dor circular, de coração, dor rubra, de coração. é verdade manifestada no reflexo do olhar alheio. e a verdade redefine a pele. quer acordar consubstanciada no oceano encarnado nas águas do outro. um outro metade. um outro duplo de si. o amor quer viver debaixo d'água, sem respirar os dias, viver de forma líquida, mergulhada em pele horizontal. exige criação. faz os olhos acesos brilharem, as mãos fechadas se abrirem, as pernas cruzadas cederem, a boca faminta embebecer-se, os poros florescerem. o amor toma a forma do ar e se incorpora no vácuo, traz a dimensão da integralidade do espaço, não resta ocaso. é batida de bossa nova, orquestra de sensações. o corpo faz-se corda de violão p'ros dedos comporem sons. o amor parece menor quando não existe. e ser parece infinito depois do amor firmar-se. agora a eternidade existe. a alma existe. até deus pode voltar a existir: ele está perdoado! o amor é a negação do que não existe. a imanência. a extensão em fá, é o ser mais um. sinal de multiplicar. prato na mesa em dobro. e o medo da morte, infindável, parece até sumir. toma a forma dos olhos. abre-se o mundo. há redefinição do tempo. negação do tempo. não há mais tempo. só sucessão de estalos no peito, em tons aleatórios, susto contínuo para quem tem o músculo central exposto. uma noite inteira de olhar basta para renascer. depois, um domingo de febre. o olhar sem voz, o olhar silêncio, estendendo-se pela longa madrugada até transmutar-se em sol. depois, um domingo de febre. como deixar os olhos pra trás? um domingo em febre. o mundo espera quinze dias para reencontrar-se. e os olhos surgem novamente, agora muito próximos da retórica da sedução, da extensão do corpo nu. mas o olhar continua lá, como ponte de conforto, reflexo do primeiro toque, como potes de mel. pronto. não há mais ninguém na noite. não há mais noite. não há mais qualquer mais. apenas um outro que elimina a possibilidade de isolamento. um outro que suga a individualidade. a vestimenta. o universo confirma-se redondo na dialética do ato amar. sim, de novo a dialética aparece, meu caro geo! a dialética presente na geografia do amor. amar deixa o que é meu tornar-se theu. o outro é a negação das paredes. elas eram altas, torres de ilha grande. lábios nos olhos rasgaram os segredos. agora já não há mais parede nem solidão. o amor tomou a forma da vida. chegou vestido de chapéu e sobretudo. a porta escancara-se. o amor conforta as crises das madrugadas e vigia os movimentos noturnos. é ser literário. e quando canta abafa qualquer entendimento. não resta mais razão. somente olhos cantantes. tem a forma de árvore. será plantada, regada, cuidada. há grande chance de que o amor seja este pedacinho de terra simples, surgida para abrigar esteiras pra sentar e contemplar estrelas. há desejo de compartilhar um céu. este desejo é novo. é potente. desejo de comunidade e solitude.