Rosas e ramos
A literatura como abrigo para a falta de sentido, se a penso como uma escolha, pergunto-me, quem terá eleito, o ser a ela ou ela ao ser. Ela que, vagando feito alma penada na penumbra do cosmo, pressente, abarca e abriga vultos e sopros de não ou o escafandrista que, submerso no mais profundo mar de si mesmo, nada em busca de nada. A literatura como meio primário de existir, como método de fazer firmar o firmamento em ponto fixo do caos, como lupa, luneta, telescópio, microscópio, instrumento de fazer ver para além do visto. Um percurso de terra vermelha que faz o calo do pé doer, mas é de terra, veja bem, é de terra. E vermelha. Feito uma veia, um rio de sangue. Há vegetação de caatinga nas bordas, e um corpo de gente, branco ou preto, que bóia no fluxo do líquido rubro, conduzido ao mar porque não há nada melhor para se fazer neste fim de dia, neste fim de tarde de sol, neste fim de mundo, neste fim de vida escaldante (sangue e sal que se encontram, ao final). O nordeste é sempre melhor do que o sudeste porque faz delirar. No asfalto, pulgões, lesmas, bernes, vermes, presos em engarrafamentos, criam um vocabulário de neuroses, não de delírios. A literatura talvez salve algumas rosas gracilianas e alguns ramos de guimarães, e os levem de volta para casa.
[e por falar em rosas, devo confessar que um ser visitou-me em sonho, noite passada. tinha aspecto floral, um híbrido de margarida com girassol, mas era vermelha. pareceu-me confiável porque disse, sem pestanejar, habitar o asteróide B 612, portanto o mesmo do pequeno príncipe - só podia ser a rosa disfarçada. confessou-me, num suspiro lírico, tão lírico como jamais sentido na estrutura fônica do planeta Terra, que é possível que haja, ainda, salvação para os mamíferos, desde que deixem seus irmãos, mamíferos, viverem em paz (aqui não falava só de gente, mas também de boi, vaca e todos os demais seres que têm mamas). citou Nietzsche, ao que perguntei como tomou conhecimento deste filósofo terráqueo, e me respondeu ter um livreiro viajante deixado com ela uma edição deste autor, sentenciando: o problema do humano é ser demasiado humano.]