domingo, 28 de dezembro de 2008

2. Copacabana, Lago Titicaca, Ilha do Sol...

Balneário às margens do Lago Titicaca, lago navegável mais alto do mundo, 3.812 m acima do nível do mar, com 8,3 Km de água. Fronteira dos estados da Bolívia e do Perú, porta del sol - entrada ao império inca.

Isla del Sol. Segundo os incas, o lugar escolhido por Inti, o Deus Sol, para deitar os primeiros raios que iluminaram o mundo.

















Viagem rumo a Machu Pichu

1. La Paz.

Capital mais alta do mundo, 3.600 m acima do nível do mar. A cidade é densa, diferente de qualquer outra que eu tenha conhecido. Impossível desvendá-la assim, num caminhar. Uma luta se trava através do olhar, desputado pelo povo andino, pela arquitetura espanhola, pela vida pulsante, frenética, caótica do lugar.

As chollas me fascinam, mulheres pequeninas, gordinhas e coloridas, com seus xales bordados e chapéus a enfeita mais do que a proteger.

O cemitério de La Paz. Indescritível labirinto formado por gaveteiros de túmulos que formam longas e altas paredes que deixam a vista, de forma simétrica, inscriçoes de mortos e objetos postos e cultivados pelos vivos.

Sinto muito frio aqui. Acordei numa madrugada com membros cogelando, caibras, sangrei pelo nariz, senti tontura, tive que medicar-me e masco folha de coca desde lá, melhor agora.

Comprei um pano e já me abrigo nele, querendo incorporar no meu corpo a estética dos andes.

Em La Paz fui rejeitada. Minha pele branca? A evidência de ser uma turista? Penso que talvez odeiam o que a minha figura representa. Quase fiz xixi na roupa por me faltar 50 centavos de bolivianos e a cholla se negou veementemente a solidarizar-se comigo. Ofereci 1 dólar, o que, creio, foi pior - talvez lhe pareceu mais arrogante. E meu portunhol nao ajuda muito...

Evo está presente nas ruas.























sábado, 29 de novembro de 2008

diário de viagem. eterno retorno.


Dia 1. Conquista.
chuvosa,
nublada
como sempre a deixo,
como sempre a encontro...
Na madrugada, ensinam-me xadrez. papalo, sempre doce!




quarta-feira, 26 de novembro de 2008

os pássaros elegem.

vôam em bando.
menos ainda.


vôam em par.
só eu vôo ímpar.



domingo, 9 de novembro de 2008

 

De tanto que observo me toma uma visão
em que o ipê da Liberdade,
despido, magricelo, carrancudo,
tendo como fundo Niemeyer
curvo, preamar, arco-íris
esconde olhos
de janelas recém acesas do entardecer
– íris de voyeur reticente
Me toma cobiça aquela vida de olhar de cima
tão classe-média, contemplativa, literária
ao contrário de mim,
transeunte da praça, de olhar
baixo, sonhador, proletário.

A idade, olhando daqui, com o Palácio à direita
e a Bahia à esquerda, dói de bela e me enterra.
Agora moro nesta pequena Bahia, rua mar de asfalto
e não desço floresta
– tranca o choro, Fabiana!

O meu coração parece grande, mas é líquido
e derrama fácil fácil
quando vai em favela, beco, morro, comunidade
e quando, ainda,
qualquer um diz que me ama
– eu me apaixono como água.

Vejo agora, deste ponto, da mesma praça,
debaixo da árvore sem nome,
o moço-negro-da-flauta tocar bossa nova
enquanto um casal se beija e me mata de inveja
– vou até o Rio nos tempos da centelha vermelha,
– vou até o Prado nos braços do ser amado,

a bossa nova é sempre nova é sempre nova tanto quanto o rio continua lindo continua lindo

Quase sempre e quase sempre é todo dia
desejo imprimir e distribuir poesia.
Quando quero quietar o coração,
só aí (quase sempre)
venho à praça.

Acredito que posso reter este céu
lilás estrelado de palmeiras
e dizê-lo a qualquer um
com qualquer palavra
– retenho o que vejo para que vejas através de mim.
Olho infinitas vezes para Niemeyer
e ele é sempre belo.
isso mesmo: a utopia existe e se renova

Então não é por muito que me deixo,
mas pelo ínfimo _ quase me atropelam.
Dú sempre diz pr'eu olhar p'ro lado
– “vais morrer atropelada!”
Estou com má digestão do mundo
Mas como fazer, Maiakovski,
na falta da primavera?
Fabinho diz que vou surtar,
pra ele ando pisando em nuvens.
– como deve ser o caminhar?

Enquanto não sei,
soletro:
ô vida besta, meu deus.



sábado, 8 de novembro de 2008



"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
Lispector

saudade na pele, agora, como espinho. fura e sangra. abarca tudo, compreensão e lógica, passado e futuro. abarca tudo.



quarta-feira, 5 de novembro de 2008



o dia em que um negro foi eleito presidente dos eua.


sábado, 1 de novembro de 2008

In principio erat verbum.
Tenho a sensação da exatidão maníaca de linguagem, apregoada por Barthes, em O prazer do texto. Aquele sentimento de embriagues do tropeço, de imprevisão do desfrute, de sucção sem objeto. Rirás: exponho meu texto suicídio. Quanto dele, que configura mais minha existência do que a carne imprensada do meu corpo, será tido como parte essencial de mim? Incansáveis laudas, desde meus dedos curtos de criança, cadernos empoeirados, acumulados, empilhados como árvores desmatadas do meu eu, folha por folha, me arquitetam. Apresentam-me o mundo: são códigos em colisão. Não estamos aqui pervertidos, mas implicados. A escritura não é uma tentativa de afirmação, mas a afirmativa da insuficiência. Não sou, para o inexistente leitor, senão linhas fantásticas e irreais, metamorfose em expansão. Ser elucidário, mas derrisório. Além, erótico: o texto deseja, flerta, seduz, tesa, devora. O que há de sensual na escrita é a insinuação do corpo, plástica de signos. A manifestação escrita do mundo é ilha que deixa escoar terra p'ro mar, grão por grão, ato contrário à expansão do território mas atração gratuita pela imensidão líquida do movimento. Hemorragia. Estilística de reinvenção do mundo. Logosfera do caos.


quinta-feira, 23 de outubro de 2008


" - Você? Uma árvore? Só se for este flamboyant..."



sábado, 18 de outubro de 2008



ensaio sobre a cegueira

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

tem dias que
se pudesse
sumia

tem dias que
mesmo sem poder
desapareço

tem dias que

mas permaneço

(só nas noites posso?)



segunda-feira, 25 de agosto de 2008



ela insiste sentada à beira,

com olhos de contemplar.




quer pensar

mas não há tempo.

- o rio passa e devasta, o rio.



sexta-feira, 8 de agosto de 2008

pôr-se no estado de conhecer. desconstruir tudo o que há, do outro, em si, até que uma nova forma inspire, uma forma de estranhamento e encantamento. encantar-se de novo, e sempre, até o infinito de nós, até deixar morrer qualquer meio que cimente o outro, até o ato mágico da desconstrução total do conceito, único e verdadeiro modo de permanecer - ato inspirado de experimento eterno, sentido do movimento, passo permanente na encruzilhada do desejo. esquecer é o único jeito de resgatar. esquecer até o vazio profundo de nós. talvez lá, no primeiro olhar, encontre de novo o outro, que se perdeu na moldura da cena que se pensa vista e gasta, no cenário composto e nebuloso da certeza, no olhar cego de tanto ver. olhar de novo, de cabeça para baixo, de cima de um galho de árvore, enquanto dá cambalhota, deitado debaixo da cama. procurar novos ângulos pra deixar uma luz de mundo novo entrar, até que seja chacoalhado, até que um lápis, feito uma bússula, te rabisque novas geografias deste mesmo ponto de ser. até que o velho amor te envolva em novos tons. ver o amor, como o mundo, sempre pela primeira vez, como um bicho preguiça que, por não saber se a linha do horizonte está ao alcance das mãos, vai vagaroso, tentar pendurar-se na corda azul, para brincar de zanzar.



quarta-feira, 18 de junho de 2008



outra possibilidade

o modo de fazer
poesia feminina - céu,
chuva, sol

poesia
de marginalidade
[alternativa]

[ ] com
.......função social ?
[ ] sem

circunstância,
folhetim

arte-de-ser-palavra
arche


terça-feira, 3 de junho de 2008


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domingo, 25 de maio de 2008



Rosas e ramos

A literatura como abrigo para a falta de sentido, se a penso como uma escolha, pergunto-me, quem terá eleito, o ser a ela ou ela ao ser. Ela que, vagando feito alma penada na penumbra do cosmo, pressente, abarca e abriga vultos e sopros de não ou o escafandrista que, submerso no mais profundo mar de si mesmo, nada em busca de nada. A literatura como meio primário de existir, como método de fazer firmar o firmamento em ponto fixo do caos, como lupa, luneta, telescópio, microscópio, instrumento de fazer ver para além do visto. Um percurso de terra vermelha que faz o calo do pé doer, mas é de terra, veja bem, é de terra. E vermelha. Feito uma veia, um rio de sangue. Há vegetação de caatinga nas bordas, e um corpo de gente, branco ou preto, que bóia no fluxo do líquido rubro, conduzido ao mar porque não há nada melhor para se fazer neste fim de dia, neste fim de tarde de sol, neste fim de mundo, neste fim de vida escaldante (sangue e sal que se encontram, ao final). O nordeste é sempre melhor do que o sudeste porque faz delirar. No asfalto, pulgões, lesmas, bernes, vermes, presos em engarrafamentos, criam um vocabulário de neuroses, não de delírios. A literatura talvez salve algumas rosas gracilianas e alguns ramos de guimarães, e os levem de volta para casa.
[e por falar em rosas, devo confessar que um ser visitou-me em sonho, noite passada. tinha aspecto floral, um híbrido de margarida com girassol, mas era vermelha. pareceu-me confiável porque disse, sem pestanejar, habitar o asteróide B 612, portanto o mesmo do pequeno príncipe - só podia ser a rosa disfarçada. confessou-me, num suspiro lírico, tão lírico como jamais sentido na estrutura fônica do planeta Terra, que é possível que haja, ainda, salvação para os mamíferos, desde que deixem seus irmãos, mamíferos, viverem em paz (aqui não falava só de gente, mas também de boi, vaca e todos os demais seres que têm mamas). citou Nietzsche, ao que perguntei como tomou conhecimento deste filósofo terráqueo, e me respondeu ter um livreiro viajante deixado com ela uma edição deste autor, sentenciando: o problema do humano é ser demasiado humano.]

domingo, 11 de maio de 2008


'desvio para o vermelho'



quinta-feira, 1 de maio de 2008






Cogito


A existência de um ser criador do mundo impõe o tempo como marco de fundamento de algo no espaço. Antes, apenas o nada. E deus. Um homem está à frente, encostado na pilastra com a perna dobrada em quatro, deixando ver, num quadro recortado em triângulo, uma flor lilás emoldurada pelas suas pernas. Mas se sempre existiu deus, o nada não existe. Ele olhava em direção ao céu, desligado do corredor, com os lábios entreabertos, como se gesticulasse palavras, tendo em uma das mãos uma maça mordida e na outra, um livro de capa laranja de onde era possível à mulher ler, dobrando ligeiramente a cabeça, 'Fenomenologia da percepção'. Sempre houve, então, ao menos um elemento, o que nega o início e impõe a eternidade, uma vez que a idéia de deus traz em si a concepção de ser atemporal. O movimento lento de uma mecha dos longos cabelos do homem trazida ao seu nariz o fez espirrar, expulsando pingos de saliva sentidos no braço direito da mulher. Se há eternidade, dentro da qual deus sempre existiu, já existia alguma dimensão existencial, dentro da qual o próprio deus existia e que, portanto, não foi por ele mesmo criado, já que ele já é dentro da própria eternidade. Ela seguiu em frente sem olhar para o lado para não ter suas reflexões interrompidas, mas ouviu o homem chamar-lhe pelo nome, o que a fez ditar rápido a cadeia seguinte da análise, para não perdê-la por aquela interrupção. Deus, portanto, não existe como conceito criador primário-absoluto. Há alguma dimensão de existência – mesmo a existência de um grande vácuo cheio de nada (o nada que é deus, já que este para sempre existiu), porque numa construção lógica a existência de um deus eterno nega por princípio um marco de criação do mundo. Ela olhou para trás, viu sua mão balançar na altura da cabeça em direção ao homem, estranhou o próprio movimento e retornou o corpo em direção ao corredor do campus, que continuava longo e, agora, deserto, à sua frente. Mas o marco da criação de deus não é a criação de algo (aqui entendido como qualquer coisa para além de si) num sentido lato, porque algo já existia e se confirmava na percepção de deus enquanto elemento primário – deus é existente[?]. Assustou-se com um grito atrás de si e olhou automaticamente para o homem que agora estava no centro do campo de visão da mulher e dava passos em sua direção. Assim, o marco da criação de deus não é a criação do espaço, mas sim a criação de 'coisas' no mundo (considerando que o único elemento que existia era deus e este deve ser entendido como ser-não-matéria (por quê?). Ele tinha um corpo engraçado, agora, visto em trânsito, com um peitoral de primata musculoso. Não existia 'coisa' antes da invenção de deus? Ele mordeu a maçã enquanto caminhava e no ato da mordida fechou os olhos, abrindo-os em seguida, juntamente com um sorriso que se embaralhava com os movimentos de mastigação. Além-de-deus não existia nada no mundo? O homem tomava uma forma mais volumosa a cada passo, e mais colorida. Somente é concebível um deus criador se este inventa algo que não existia fora dele, independente dele, exterior a ele. A mulher não queria sair de si e fechou os olhos. Mas este princípio é também incoerente, porque a criação é necessariamente parte do criador e, portanto, já existe em si, mesmo que ainda não fora-de-si. Sentiu, abruptamente, uma sensação de calor tomar-lhe a mão. E se já existia em qualquer-que-seja o plano, não foi criado, mas exposto, materializado, consubstanciado.
“_Mas, o que é primeiro? É possível criar do nada?”
“_ O quê, Thaís?”
“_A criação já parte de um princípio já criado, deus?”
“_Hã?”
“_O que vem a partir dele surge da sua Idéia, do Verbo?”
“_...?!”
“_O Verbo imagem, o Verbo pensamento, o Verbo conceito, o Verbo a-matéria?”
“_Thaíis?”
“_O Verbo pode parir pedra?”
“_Tha-ís”
“_O Verbo pode parir barro?”
“_Você pirou.”
“_O verbo pode parir peixe?”



terça-feira, 15 de abril de 2008




pinta um piano, talvez num manso desejo de tocá-lo, tanto quanto escreve uma árvore, cheia de vontade de subi-la (o passarinho talvez pouse). já assim pessoa tentava dar um pouco de sentido à certeza de faltá-la completa, um entregar-se absoluto para o texto que não se sabe, para a palavra que será dita inesperada, para a menina que come chocolate, sua máxima filosofia. sentir-se a menina de pessoa é um jeito digno de ser filosofia, é um jeito digno de materializar-se. mas a menina que lê não gosta tanto de doce assim. sobra o outro lado, escrever a menina, escrever o chocolate, escrever a pequena enquanto o amor ausenta-se. pinta um piano. bonito, o piano da menina? a menina o escuta. ele toca na sala, sozinho. ele é assim, de fundo laranja de tanto chupar mexerica (a menina danou-se a pintar também, de vez em quando). cheira a mexerica. mexerica parece mais com jeito de pessoa. mulher-mexerica. não um nome de fruta que se descasca, que se chupa, que espirra gota invisível nos olhos. vem cheiro de janta de algum lugar. janta tem cheiro de família. janta tem cheiro de mãe. janta tem cheiro de casa cheia. a menina não janta desde que virou gente grande sozinha na cidade grande. cheiro de carne cozida com batata e cenoura (hum, feijão com arroz, farinha, pimenta, abóbora e carne de sol!). a menina está sozinha e há um pouco de felicidade na solidão. e um pouco de tristeza também. isso é irremediável. a menina está sozinha e vai atravessar a rua enquanto o seu amor não vem. a menina sou eu

domingo, 9 de março de 2008

Chão de estrelas

a noite desce e vem junto do corpo cobrir a pele de caos, a noite enche de infinito a janela e faz a moça que ama muito pular, ela não sabe o que encontrará, fixa um ponto branco no asfalto e sonha que vê estrela, tem casca dura, dói a cabeça, não é como planeta que deixa entrar, devia ter fixado o olhar no sinal vermelho da rua que não deixa carro passar. a noite desce e leva a menina embora. ela nem saberá do fim. e haverá fim, a noite? e haverá fim no corpo que pula? - chega alguém e bate à porta, não encontra. olhando ali se vê a cidade ao longe, da janela. uma certa serra que se deixa fixar. ele vê lá embaixo. ela ainda joga um raio pela pupila, avista a janela, lá ao alto, avista um rosto, quer voltar. precisa descer, virar o mundo, cair de cabeça para baixo, quer voltar e cair na boca do amado, quer voltar. o corpo não cai de volta. o corpo se retém no asfalto. o corpo numa pequena multidão de cabeças de espanto. a cor sai do olhar da moça, deixa a moça, vai cobrir de vermelho o chão, vai cobrir de oceano o rosto pálido da janela.



domingo, 24 de fevereiro de 2008

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Em quadrados
















quarta-feira, 16 de janeiro de 2008


O tempo
não cabe num passo
e no entanto parece longo,
parece tempo
mas um sem fim de faíscas no céu, na noite, talvez te digam, talvez,

que não existe tempo no mundo, somente em si.

Deixa o corpo ir, subir a pele para encontrar o outro,
deixa os olhos fechados.
Bonita esta palavra, deixa.

Risquem os artigos,
vamos desconstruir o valor empregado às vogais.

(um pouco de luz entra pela janela)

Na (sua) busca
encontr(ar)ei tantas de mim,
e em todas, a memória a iludir a construção de um dito eu.
quase me perco,
quase.

(mas o amor foi tomar um pouco de ar no pomar)



terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Ao longo dos anos, vi livros destinados a equilibrar a perna manca de uma mesa; conheci os transformados em mesa-de-cabeceira, dispostos em forma de torre e com um pano por cima; muitos dicionários aplainaram e prensaram mais objetos do que as oportunidades em que foram abertos, e não poucos livros guardam, dissimulados nas prateleiras, cartas, dinheiro, segredos. As pessoas também mudam o destino dos livros.” (Carlos Maria Domínguez – A casa de papel)



Acabo de ler a biografia de Drummond escrita por José Maria Cançado (embora a citação acima seja de um livreto delicioso lido já depois deste que aqui me refiro. pequeno caos na ordem das escritas e dos pensamentos), este personagem que me cruzou num certo corredor de hospital há cerca de dois anos no dia em que soube do câncer da minha mãe. Ele morreu logo depois, sobrevivente de transplante de coração alguns anos habitante de tubos e balões de uti's - fez disso poesia até o último suspiro. De câncer morreu Maria Julieta, levando a desistir do mundo seu pai poeta.


A vida sempre me traz aquele que falou por mim numa certa conferência do PT, “meu nome é tumulto e escreve-se na pedra”. Ele agora me provoca num conto que o quer nele, não sei ainda como Carlos entra, mas Itabira já está ali, cenário.

Não posso me alongar nestes pensamentos, findarei o ano numa mesa de cartas sem muitas pompas, neste horizonte deserto, o que me faz despida de festejos rituais já tão naturais... me sinto melhor assim, caseira e talvez ou por certo goste desta cidade nestes feriados - que levam as multidões aos litorais, atraídas pelo mar - com suas ruas silenciosas, seus cinemas vazios... bom seria se todos os dias do ano fossem o último dia do ano... vivê-los todos na cidade desabitada, respirada e curtida cheia de nostalgias...

Existem momentos de boas lembranças, pequeninos fragmentos de existência que recordo com prazer, vividos neste tempo pretérito imperfeito, 2007. os eucaliptos ainda trazendo a frase “preciso enlouquecer”. quem falou esta frase? talvez a tenham dito por mim e ela ainda ressoa como possibilidade.

C. está sentado ali no seu sofá, folheia uma revista. Ao meu lado. Águas mornas de um mar no qual posso boiar...

No último dia do ano fiz uma coletânea de músicas para levar comigo a Ilha Grande. Nela entrou Bjork, Morcheeba, Zé Wisnik, Alda Resende, Belle and Sebastian, João Omar, Lenine, Caetano, Moby, Patricia Amaral, Turíbio Santos, Beethoven e Antônio Cícero.

Quero recomendar um livro que li neste ano já passado: 'O silencieiro' de Antonio Di Benedetto.
E um filme, Estamira (na verdade documentário - reflexão política, humanista, ecológica, de gênero, de linguagem, fenomenal, fenomenológico!)

Enfim o ano acabou em nós. No mundo seguem as estrelas, eternas, etéreas...

há mais a compartilhar, mas deixo o ano

acabou. e agora, josé?

um pouco de bela construção literária...



Para o sábado, se não lhe parecer mal, repito o convite para o circo. Essa noite, se o senhor aceitar, jantaremos juntos.
A água voltou na minha casa (Não é isso o que quero festejar.)
Enquanto escrevo ao senhor, parece que atrás se desenvolve uma batalha entre a Idade Média (ferros) e o século XX (motores). Já sei: é apenas a oficina, que trabalha.
Se realmente o senhor não sulfurar, deve ser somatotônico (dado à ação e, por fim, favorável ao ruído), ou então viscerotônico (sentimental e sociável, que o tolera).
Eu e Stravinsky somos cerebrotônicos (intelcectuais e afeitos à solidão e o silêncio). Stravinsky trabalha em quartos de paredes acolchoadas, para que o ruído não entre.
Do seu quarto vejo o varal onde estava o paletó com a lapela arrancada. Lembro que me deu esta imagem do senhor: um homem dilacerado, embora eu ignore o que o dilacere.
Soren adverte que a existência dilacerada deixa o homem na zona de contato com o divino.
Tenho de continuar minhas vendas. Até sábado.
Escrevi muito?” (O silencieiro – Antônio Di Benedetto)