De tanto que observo me toma uma visão
em que o ipê da Liberdade,
despido, magricelo, carrancudo,
tendo como fundo Niemeyer
curvo, preamar, arco-íris
esconde olhos
de janelas recém acesas do entardecer
– íris de voyeur reticente
Me toma cobiça aquela vida de olhar de cima
tão classe-média, contemplativa, literária
ao contrário de mim,
transeunte da praça, de olhar
baixo, sonhador, proletário.
A idade, olhando daqui, com o Palácio à direita
e a Bahia à esquerda, dói de bela e me enterra.
Agora moro nesta pequena Bahia, rua mar de asfalto
e não desço floresta
– tranca o choro, Fabiana!
O meu coração parece grande, mas é líquido
e derrama fácil fácil
quando vai em favela, beco, morro, comunidade
e quando, ainda,
qualquer um diz que me ama
– eu me apaixono como água.
Vejo agora, deste ponto, da mesma praça,
debaixo da árvore sem nome,
o moço-negro-da-flauta tocar bossa nova
enquanto um casal se beija e me mata de inveja
– vou até o Rio nos tempos da centelha vermelha,
– vou até o Prado nos braços do ser amado,
a bossa nova é sempre nova é sempre nova tanto quanto o rio continua lindo continua lindo
Quase sempre e quase sempre é todo dia
desejo imprimir e distribuir poesia.
Quando quero quietar o coração,
só aí (quase sempre)
venho à praça.
Acredito que posso reter este céu
lilás estrelado de palmeiras
e dizê-lo a qualquer um
com qualquer palavra
– retenho o que vejo para que vejas através de mim.
Olho infinitas vezes para Niemeyer
e ele é sempre belo.
isso mesmo: a utopia existe e se renova
Então não é por muito que me deixo,
mas pelo ínfimo _ quase me atropelam.
Dú sempre diz pr'eu olhar p'ro lado
– “vais morrer atropelada!”
Estou com má digestão do mundo
Mas como fazer, Maiakovski,
na falta da primavera?
Fabinho diz que vou surtar,
pra ele ando pisando em nuvens.
– como deve ser o caminhar?
Enquanto não sei,
soletro:
ô vida besta, meu deus.